O surgimento dos sobrenomes

Romilda Aparecida Cazissi Baldin – genealogista, pesquisadora. Titular da Cadeira 8 do IHGG Campinas.

The importance of Surnames.

O sobrenome das pessoas é o elo mais importante que as liga aos seus antepassados. Nada ou pouco se conhece a respeito dos sobrenomes. Sabemos que surgiram da necessidade de distinguir os grupos familiares. É herança de uma estrutura medieval, inserida na sociedade da época e que perdura até nossos dias. Os sobrenomes, em especial os italianos, no seu processo de formação e surgimento, se iniciam por volta do ano 1000 d.C. e perduram até o século IX, mas a totalidade surgiu entre os séculos X-XI (os primeiros) e os séculos XV-XVI (os últimos). A partir desse período, não se introduzem mais sobrenomes, somente são modificados.

Nossos sobrenomes são multisseculares e alguns milenares. Nossos antepassados nos deixaram uma forma bem clara de sermos peculiarizados como núcleo familiar, diferenciando-nos de outros grupos.

Na época do império romano, distinguiam-se as pessoas por praenomen, nomen e cognomen. O primeiro era o nome próprio de cada individuo; o segundo, a designação do clã e o terceiro, do grupo familiar a que pertencia. Com a queda do império romano, em 476 d.C, esse sistema de individualização dos cidadãos, das famílias e dos clãs caiu em desuso. Na Idade Média passou a vigorar somente o nome de batismo para distinguir e designar as pessoas. Com a influência do Cristianismo, os antropônimos de santos se difundiram de tal modo e tornaram-se tão repetitivos que, a partir do século VIII, entrou em prática a primeira fórmula para se distinguir um indivíduo do outro: foi citando-se o nome do pai logo após o do filho, como vemos no exemplo: Lucius filius quondan Caius, que significa: Lucio filho do senhor Caio. Isso deu origem a muitos sobrenomes derivados dos próprios nomes dos pais. Logo depois, foi criada a fórmula de se acrescentar ao nome próprio da pessoa um sobrenome que representava a profissão, o local de origem ou cidade, qualificação moral, aparência física, posição social, títulos.

O etrusco e o grego foram idiomas que mais influenciaram o latim antigo. Após a queda do Império Romano, com a invasão dos bárbaros na Europa, principalmente na Itália, onde Veneza dominava como porto central, uma série de idiomas foi introduzida e se misturou com o latim falado no Império Romano. Um desses idiomas era falado pelos povos germânicos, os longobardos e os francos (alemães), e esses deram origem a muitos sobrenomes utilizados hoje na Europa e no mundo, a sua maioria de patronímicos, ou seja, derivados de nomes próprios.

Mas foi a Igreja Católica, no Concilio de Trento, em 1545 e 1563, que instituiu o Primeiro Cartório Anagráfico de Registro de População. Todos os registros de batismo, matrimônio e morte passaram a ser feitos pela Igreja e, para evitar matrimônios entre consangüíneos, impôs-se o uso do sobrenome nos atos de batismo e de matrimônio.

A Genealogia é o estudo das origens de um indivíduo ou uma família especificamente, envolvendo a série de antepassados, a estirpe, a linhagem e a procedência. O estudo genealógico só pode ser feito com documentação comprobatória, ou seja, com registros cartoriais, batistérios, sem comprovação não se monta uma árvore familiar, não se chega à sua raiz.

Em tempos passados, o genealogista estudava exclusivamente a elite, misturando lendas e fatos, servia mais ao desejo de afirmar o prestígio das famílias e a legitimar suas pretensões ao poder do que à documentação da história e preservação da memória. A partir de fins do século XVII a genealogia passou a ser investigada de maneira científica, com metodologia, mas manipulações ideológicas persistem até hoje.

Sua relevância justifica a vasta bibliografia existente sobre o tema. Na atualidade a pesquisa genealógica se tornou uma atividade popular, que tem provocado impactos importantes nas formas de entendimento do passado de pessoas e seus ascendentes e das origens de clãs e famílias pela população geralmente interessada. Trata-se de um fenômeno que tem atraído a atenção de especialistas para os problemas que a atividade leiga desencadeia no sentido de uma difusão acrítica da história e de conhecimentos que muitas vezes são falsos ou distorcidos.

Referências bibliográficas:

BALDIN, Romilda Aparecida Cazissi. Ritorno ao passato: a saga de uma família vêneta. Campinas: Komedi, 2006.
MIORANZA, Ciro. Dicionários dos sobrenomes italianos. São Paulo: Editora Scala, 1998.
MIORANZA, Ciro. Filius Quondam: a origem e significado dos sobrenomes. São Paulo: Editora São João, 1996.
NEVES, Osny Machado. Prenomes, Nomes e Sobrenomes Neves. São Paulo: Editora Scortecci, 2014.
Wikipedia, acessado em abril de 2020.

3 comentários

  1. Prezada Romilda: antes de tudo, parabéns pelo belo artigo sobre genealogia, origem dos sobrenomes. E também abraços ao marido Ciro e ao cunhado Carlos, médicos atenciosos dos primeiros carros que tive na vida. A questão dos sobrenomes há tempos me é colocada. Creio que na sua bibliografia está faltando o nome de Claude Lévy-Strauss, o maior nome da antropologia cultural do século XX. Esse francês fantástico, que veio ensinar na USP, autor de maravilhas como “Le cru et le cuit” (O cru e o cozido), mostrou que na cultura primitiva a taxonomia (ciência de dar nome às coisas e às pessoas) era primordial. Entre dar nome às pedras (pedra grande, pedra pequena, pedra branca, pedra preta) e às pessoas (Pequeno, Grande, Gordo, Magro) a diferença era apenas do objeto. O critério era o mesmo: a semelhança com a natureza e as categorias fundamentais do mundo físico: cor, temperatura, dureza etc. Da mesma forma, os sobrenomes primitivos serviam para distinguir os clãs: gente da montanha (Monteiro), gente da pedra (Pedreira), gente do rio (Ribeiro) etc. Num dos seus livros, Lévy-Strauss coloca uma página com fotos de rostos semelhantes aos de animais (leão, águia, lebre etc). E assim surgiram os sobrenomes. Adorei seu artigo, Romilda! Parabéns! Sérgio

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