Capitalismo e escravidão: a migração norte-americana confederada para o Brasil

Capitalism and slavery: the confederate migration to Brazil.

Célio Antônio Alcântara da Silva – economista, professor da Universidade Federal de Tocantins, em Palmas, TO.

A tese de doutorado que apresentei ao Instituto de Economia da UNICAMP em 2011, teve como meta compreender o movimento que levou milhares de sulistas dos Estados Unidos da América a deixarem seu país após a Guerra Civil (1861-1865) com destino ao Brasil, em resposta ao fim da escravidão, bem como ao alijamento de seus direitos políticos. O Brasil foi escolhido devido aos fatores de produção caros à plantation escravista sulista: terras e escravos.

Analisamos os discursos e as ações políticas de imigrantes e de seus familiares no período anterior à Guerra, que tendiam a um tom fortemente conservador, pró-escravidão. Finda a Guerra, estabeleceram-se colônias, cujos destinos estiveram associados às dificuldades de restabelecerem a ligação que possuíam com o circuito mercantil-escravista, agora no hemisfério meridional. Os imigrantes que o conseguiram, por certo período, foram aqueles localizados em Santa Bárbara, na região de Campinas.

O Brasil tornou-se atrativo aos sulistas porque seu conceito de civilização englobava a existência das relações senhor – escravo: fugiam, sobretudo, da modernização que ocorria em sua própria sociedade, e o fizeram em sua sociedade de destino. A própria manutenção da coesão dos núcleos coloniais dependia da escravidão enquanto força centrípeta, como observada em Santa Bárbara, até fins do século XIX, período a partir do qual os imigrantes passam a se dispersar. Por outro lado, nas áreas onde o acesso a escravos era restrito, a dispersão ocorreu em menos tempo.

Por sua vez, a análise crítica das ações dos políticos imperiais interessados nessa imigração revela a existência de uma tendência de homogeneização que, na maioria das vezes, identificava nortistas e sulistas como anglo-saxões ou norte-americanos. Estes representariam a modernidade e a civilização, discurso que posteriormente foi reproduzido por muitos estudiosos da imigração confederada.

À medida que se desenrolava a imigração, grupos associados aos interesses da oligarquia agro-exportadora, especialmente a paulista, realizavam protestos por entenderem que a vinda de norte-americanos confederados estava em conflito com os interesses da lavoura.

Esta diversidade de interesses teve como consequência uma grande variação nas formas em que se desenrolaram os contratos coloniais, bem como nos estabelecimentos espontâneos de imigrantes.

São profundas as diferenças entre as colônias confederadas, organizadas através da intermediação entre um particular e aquelas em que os indivíduos que a compuseram foram arregimentados por agentes de imigração brasileiros, colônias ianques, grupos estes sim heterogêneos, em contraposição aos grupos organizados por ex-oficiais confederados, que tendiam a possuir ligações de parentesco, amizade ou e de origem social comum entre os indivíduos.

Sem a intermediação de um líder e a força da negociação coletiva, as famílias ianques tornavam-se reféns do governo imperial, estando sujeitas a serem alocadas sob os critérios e necessidades do Império, que poderiam entrar em conflito com os interesses dos imigrantes individuais. Entre os confederados, a força de negociação era tamanha que por diversas vezes o governo Imperial foi acusado de privilegiá-los.

A grande maioria dos integrantes do governo imperial responsável pela imigração, ou mesmo aqueles que votavam projetos relativos a esta, ignoravam os interesses dos colonos e as diferenças entre os interesses políticos de nortistas e sulistas no período imediatamente posterior ao fim da Guerra Civil Americana. Assim, as fontes em que estão expressas as opiniões de seus conterrâneos, evidenciadas pela documentação diplomática, permite nuançar tais distinções de uma forma apropriada.

Demonstrou-se, na tese, as profundas ligações dos imigrantes com o escravismo, seja através de seus líderes ou das famílias de imigrantes que vieram ao Brasil ao fim do conflito que dividiu os EUA. As fontes contrariam a ideia de progresso e modernização advinda de ações de sujeitos como William Huntchison Norris, ex-senador estadual, produtor de algodão e possuidor de escravos no Alabama antes da Guerra Civil, que deu mostras de suas amplas tendências progressistas por conta da abolição da escravidão no Brasil:

Sitio New Alabama Province São Paulo, May 25, 1888
Well Francis,
This is the gloomiest period of my life. I am nearly 88 years of age and not able to perform any labor and by the laws of Brazil all our Negroes are free, and I have no labour to make or attend to my farm.
(…)
I do not believe any man can farm here with free negro labour and make any money. I will not attempt it. I must try to make provision to live on. This whole country is in a demoralized condition. [Alabama Department of Archives and History. William H. Norris family papers, 1867-1906, carta de William H. Norris a Francis, de 24/05/1888, p.1].

Este senhor foi um dos poucos indivíduos que viveram o suficiente para sofrer por duas vezes a abolição da escravidão nos hemisférios setentrional e meridional da América. Considerado o líder do grupo de imigrantes de Santa Bárbara, ou ao menos o pioneiro, sua manifestação de profunda tristeza pela ocorrência da libertação dos escravos reflete o espirito reacionário deste grupo de imigrantes. Como Norris, a maioria daqueles que vieram ao Brasil eram antigos proprietários de escravos que almejavam perpetuar sua posição no Brasil.

O U.S. Federal Census (1840 a 1860) registra a posse de escravos entre as famílias dos imigrantes que se estabeleceram no Brasil, e aponta que em Santa Bárbara d`Oeste havia três famílias consideradas aristocratas por deterem plantéis com mais de 51 escravizados; seis famílias consideradas grandes proprietários produziam com planteis entre 21 a 50 escravizados, sete famílias denominadas de médios proprietários escravizavam de 11 a 20 indivíduos, 10 famílias de pequenos proprietários de 1 a 10; e havia, ainda, duas famílias apontadas como brancos pobres por que não possuíam escravizados.

Considerando-se que, de acordo com o Censo de 1860, qualquer homem branco no Sul dos EUA que possuísse mais que dois escravos detinha mais riqueza que o cidadão médio do norte dos EUA, observamos que a propriedade média em escravos daqueles que imigraram figura-os entre uma camada privilegiada.

Os brancos pobres constituem-se a exceção, enquanto a historiografia fala em extrema pobreza dos imigrantes. Na realidade, as circunstâncias de desorganização da produção algodoeira sulista após a guerra, com a dificuldade de obtenção de mão de obra e a restrição ao crédito, impunham obstáculos à reprodução daquela economia. Além disso, citamos o valor das terras no estado do Alabama, que caiu em cerca de dois terços, e reduziu drasticamente a possibilidade de obtenção de recursos, já que boa parte das inversões em escravos realizadas antes do fim da Guerra da Secessão se perderam com a abolição da escravidão.

Os pequenos proprietários constituíam aquelas famílias cujo plantel não lhes permitia uma vida confortável, tendo muitas vezes que trabalharem junto a seus escravos, em tarefas de menor exigência física para sobreviverem. Somados, os brancos pobres e os pequenos proprietários constituem minoria.

Dentre aqueles proprietários de escravos que não precisavam trabalhar e, se assim o quisessem, realizavam apenas atividades de administração e supervisão da fazenda, encontram-se mais da metade dos senhores.

Mais relevante ainda foi a existência de pequenos proprietários ou não proprietários desejosos de tornarem-se grandes proprietários de escravos e muitas vezes abandonarem suas profissões liberais, como o caso de John Washington Keyes, além daqueles que compraram escravos no Brasil a despeito de não os possuir nos EUA, como Emmett e McFadden. O Brasil representava, assim, a possibilidade de ascensão social dentro do mundo que deixaram, e que havia sido destruído pelo avanço do capitalismo.

Do ponto de vista ideológico, os imigrantes eram extremamente refratários ao liberalismo e ao abolicionismo, participando ativamente dos movimentos em defesa dos diretos do Sul antes da Guerra Civil Americana, ao lado das forças reacionárias sulistas. Alguns propagaram e lideraram a defesa da escravidão através das armas antes mesmo da eclosão do conflito, como Jefferson Buford, proprietário de escravos que arriscou sua posição social em nome de seus ideais reacionários.

Há, portanto, uma coerência entre ideologia, ação política, posição social e modo de reprodução da vida material que não estão desvinculadas. A modernização da agricultura na região de Campinas não seria, pois, possível, porque não haveria como estes imigrantes reinventarem a escravidão brasileira e modernizá-la: buscavam reproduzi-la indefinidamente, tendo como modelo o Sul dos EUA, inatingível em certos aspectos.

Entretanto, foi na região de Campinas onde a recriação confederada aproximou-se de seu ideal, ao estabelecer relações com o circuito mercantil – escravista. Enquanto tais relações perduraram, a concentração de imigrantes se manteve relativamente estável.

Edmund Ruffin, proprietário de escravos que teria dado o primeiro tiro contra o Forte Sumter, e que se suicidou após a rendição em 1865, declarou nas últimas linhas de seu diário, minutos antes de sua morte:

I here declare my unmitigated hatred to Yankee rule – to all political, social & business connection with Yankees – & to the Yankee race. Would that I could impress these sentiments, in their full force, on every living southerner, & bequeath them to every one yet to be born! May such sentiments be held universally in the outraged & downtrodden South, though in silence & stillness, until the now far-distant day shall arrive for just retribution for Yankee usurpation, oppression, & atrocious outrages – ..

Para muitos dos pirófagos, conservadores, seguidores das doutrinas políticas de John Calhoun sobre os direitos dos estados sulistas, a derrota da confederação era insuportável. Como o verso de uma versão militar do hino dos Estados Confederados da América, viver e morrer em Dixie eram as opções que lhes restavam. Para aqueles que se estabeleceram no Brasil, as possibilidades de uma vida em Dixie foram prolongadas por mais vinte e três anos.

Referência bibliográfica:

SILVA, Célio Antonio Alcântara. Capitalismo e escravidão: a imigração norte-americana confederada para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia – UNICAMP, [tese de doutorado], 2011.

As teses e dissertações estão disponíveis no Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp <http://repositorio.unicamp.br&gt;  

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