Vicente de Carvalho and the republican ideals in Brazil.
Por Maria Conceição Arruda Toledo – jornalista (in memoriam). Sócia emérita do IHGG Campinas
Sendo o Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas uma jovem e inquieta instituição dedicada ao estudo e divulgação da história local e nacional e como alguns de seus membros são integrantes das Academias de Letras e Centros de Ciências, Artes e Memória locais, pensei em discorrer sobre fatos históricos relacionados a um vulto de grande projeção também na poesia, membro que fora da Academia Paulista de Letras, Vicente de Carvalho, o poeta do mar, o lírico de Rosa, rosa de amor, o épico de Fugindo do Cativeiro, o emotivo de Pequenino morto, para trazer uma faceta pouco explorada desse grande paulista, que foi também homem de imprensa e de leis, um republicano de profunda convicção.
O primeiro passo para que fosse possível pensar-se em independência no Brasil ocorreu com a chegada da comitiva real na Bahia, em 1808, quando D. João assinou o decreto abrindo os portos às nações amigas, influenciado pelo professor e jurisconsulto baiano, José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu. O segundo passo foi a elevação do Brasil à categoria de reino, a 16 de dezembro de 1815.
Alguns brasileiros, porém, não julgavam suficiente a transferência da sede da monarquia para o Brasil, nem tampouco a sua elevação à categoria de vice-Reino. Era mister que os portugueses deixassem definitivamente o país e, com esse intuito, insurgiram-se os brasileiros, dando início à Revolução Pernambucana, em 1817, quando estava no governo da província Caetano Miranda Montenegro, Marquês de Vila Real da Praia Grande.
Um incidente de rua viria apressar os acontecimentos: um soldado surrou um cidadão português, sendo o fato encarado pelos oficiais do governo como grave ofensa, deflagrando o começo da prisão de civis e militares tidos como conspiradores. O capitão Barros Lima, conhecido como o Leão Coroado, reuniu os militares aquartelados e depuseram o governador.
Vitoriosos, soltaram os prisioneiros políticos e organizaram um governo provisório sob a forma republicana, do qual participavam o Padre João Ribeiro Pessoa, Luís de Mendonça, Domingos José Martins e o Padre Miguelito. Idealizou-se a nova bandeira com as cores azul e branco em linhas horizontais: sobre a primeira lista, azul, o Sol rodeado pelo Arco-íris; sob ele, três estrelas, símbolo das três províncias que aderiram ao movimento: Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Embaixo, sobre a lista branca inferior, uma cruz vermelha, simbolizando a fé cristã.
Os republicanos enviaram emissários ao Ceará e à Bahia para negociarem adesão, mas foram presos ou fuzilados. Logo, o governo central enviou os exércitos sediados na Bahia e no Rio de Janeiro; os revoltosos foram cercados por terra e por mar, vendo-se obrigados a depor as armas depois de 80 dias. Foram condenados à forca ou ao fuzilamento: Domingos Martins, Barros Lima, Luís Mendonça, Padre Miguelito e muitos outros. De tal forma se exorbitaram na vingança os portugueses, que o próprio D. João VI teve de intervir, decretando a anistia geral.
Foram esses os antecedentes republicanos à independência do país. Ao estabelecer as negociações em torno da independência, José Bonifácio de Andrada evitava focalizar dois aspectos importantíssimos da vida brasileira: a abolição dos escravos e a república, justamente para não melindrar interesses que pudessem pôr em risco a integridade nacional. Mas esses ideais estavam latentes na alma brasileira. Até o advento da República muita coisa ainda iria acontecer. Mesmo após o 7 de setembro de 1822, outras lutas houve para a consolidação da independência: na Bahia, no Maranhão, no Pará, no Piauí, na Cisplatina…
Quando as lutas cessaram, em 1824, D. Pedro I outorgou a primeira Constituição Brasileira, não conseguindo contentar a todos, porém. Pernambuco novamente foi palco de um movimento armado, a Confederação do Equador, do qual faziam parte os estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, formando uma república. Essa rebelião foi sufocada, custando a vida de Frei Caneca e outros revoltosos.
Depois da abdicação de Pedro I, em 1831, no período regencial, houve a primeira experiência de governo republicano no Brasil quando, em 1834, foi instituída a Regência Una. No ano seguinte efetuaram-se as eleições, saindo vencedor o Padre Feijó. A situação política agravava-se com rebeliões em Pernambuco, Ceará, Pará e Rio Grande do Sul. Anos depois os farroupilhas, negando-se a receber a anistia concedida por D. Pedro II em 1840, apoderaram-se de Laguna e fundaram a República Juliana, que durou 4 meses, findando-se graças às negociações estabelecidas por Duque de Caxias.
Novamente em Pernambuco logo mais desencadeou-se a Revolução Praieira, cujos altos responsáveis exigiam a expulsão de todos os portugueses que não fossem casados com brasileiras. Novamente foi dissolvida a Assembleia e presos os revoltosos, pondo fim ao movimento. Depois veio a Revolução Liberal de 1842, em São Paulo e Minas Gerais, sob a chefia do Brigadeiro Tobias. No combate da Venda Grande, em Campinas, as forças imperiais bateram os revoltosos, prendendo o Padre Feijó.
Em 1870, o Manifesto dos Republicanos redigido por Quintino Bocaiúva e divulgado no Rio de Janeiro, deu início ao movimento de ação política que implantou a república no Brasil, resultando a reunião que traçaria, em 1872, a linha de ação republicana que deu origem à Convenção de ltu, em 18 de abril de 1873, momento em que estiveram presentes 130 convencionais.
Vicente de Carvalho, que fora um abolicionista ardoroso, após a sanção da Lei Áurea, não descansou. Juntou-se a homens como Silva Jardim e outros, que prosseguiram no rumo da República. Como redator do Diário de Santos e, depois, do Diário da Manhã, por ele fundado em sua cidade natal, ali serviu Vicente de Carvalho à causa republicana. Passado o primeiro ano sob o novo regime, analisou friamente as realizações do governo federal e, com profundas considerações, mostrou suas falhas.
Em 1891 foi eleito deputado ao Congresso Constituinte do Estado e, com seu cunhado Júlio de Mesquita, mais Cincinato Braga e Aureliano Coutinho, não perdia a oportunidade de apresentar medidas garantidoras do progresso e da segurança do Estado, principalmente a sua autonomia.
Quando Deodoro da Fonseca, a 3 de novembro de 1891, desferiu o golpe de Estado e o Congresso Paulista aprovou por maioria a moção que lhe dava apoio, Vicente de Carvalho reuniu sete companheiros de bancada e revoltaram-se. Deposto Américo Brasiliense do Governo Paulista, assumiu Cerqueira César, vice-presidente. Seu primeiro ato após a investidura foi decretar a dissolução do Congresso Legislativo do Estado, alegando ter-se ele autoanulado ao aderir à ditadura do generalíssimo.
No exercício do cargo de Secretário de Interior, nomeado por Cerqueira César e mantido no governo de Bernardino de Campos, Vicente Carvalho mostrar-se-ia dinâmico e eficiente, muito fazendo pela saúde pública, o saneamento, o abastecimento de água, a organização do Serviço Sanitário do Estado, do Instituto vacinogênico, a reforma da instrução pública, criação de Caixas Econômicas escolares etc. Fundou uma Escola Superior de Agricultura e outra de Engenharia. Criou a repartição da Estatística e do Arquivo do Estado; o hospital de isolamento da Capital e muitas outras benfeitorias.
Vicente de Carvalho, o poeta paulista que conquistou um lugar na Academia Brasileira de Letras e, depois outro, na Paulista de Letras, foi igualmente grande político, magistrado, advogado e homem de negócios. Para finalizar, apresento a primeira e a sétima (última) estrofe de seu poema Sonho Póstumo:
I
Poupem-me, quando morto, à sepultura: odeio
A cova, escura e fria.
Ah! Deixem-me acabar alegremente, em meio
Da luz, em pleno dia.
O meu último sono eu quero assim dormi-lo:
– Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.
Bailem sobre o meu corpo asas trêmulas, asas
Palpitando de leve,
De insetos de outro e azul, ou rubros como brasas,
Ou claros como neve.
De entre moutas em flor, oscilantes na aragem,
Úmidas e cheirosas,
Espalhando em redor frescuras de folhagem,
E perfumes de rosas,
Subam, jovializando o ar, canções suaves
– A música sonora
Em que parece rir a alegria das aves
Encantadas da autora.
E cada flor que um galho acaso dependura
À beira dos caminhos
Entreabra o seio ao sol, às brisas, à doçura
De todos os carinhos.
Passe em redor de mim um frêmito de gozo
E um calor de desejo,
E soe o farfalhar das árvores, moroso
Como o rumor de um beijo.
Palpite a natureza inteira, bela a amante,
Volutuosa e festiva.
E tudo vibre e esplenda, e tudo fulja e cante,
E tudo sonhe e viva.
A sepultura é noute onde rasteja o verme …
Ó luz que eu tanto adoro,
Amortalha-me tu! E possa eu desfazer-me
No ar claro e sonoro!
VII
O derradeiro sono eu quero assim dormi-lo:
– Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.
Amortalha-me a noute estrelada: arda o dia
Depois, claro e risonho;
E seja a dispersão na luz e na alegria
O meu último sonho.
* In memorian
Referência bibliográfica:
REVISTA do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas. Número 2. Komedi: Campinas, 2008, pp. 53-62.