Prefácio de: Imprensa e literatura nos primórdios de Campinas

Preface to the: Press and literature in early days, Campinas, SP, Brazil.

Por Ana Maria Melo Negrão – advogada, professora na UNISAL. Titular da Cadeira 25 do IHGG Campinas.

A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. (Rui Barbosa)

O precioso estudo de Duílio Battistoni Filho – Imprensa e Literatura em Campinas nos seus primórdios, Pontes, 2016 – tece a trajetória da imprensa plural e complexa ligada à literatura, mediante minucioso devotamento e olhar de pesquisador histórico. Professor aposentado de História da Arte da PUC-Campinas, membro da Academia Campinense de Letras, do Instituto Histórico de Campinas, da Academia Paulista de História, o autor fez, nesta obra, incursões em fontes de acervos para investigar a imbricação entre progresso, cultura, educação, arte literária, fotografia, censura, sociedade, questões de gênero caracterizando, dessa forma, as presenças femininas e masculinas na imprensa e na literatura.

A arquitetura textual do livro valeu-se de uma longevidade desenvolvida em cronologia a motivar o leitor a caminhar na trilha histórica da imprensa aliada à literatura, mediante jornais dos primeiros tempos, almanaques, revistas, folhetins, romances, crônicas, caricaturas, charges, poesias, roteiros, tudo interligado à tessitura iconográfica, às idiossincrasias de redatores e editores, bem como as influências do Romantismo, do Realismo, do Simbolismo e mesmo da Semana de Arte Moderna de 1922, à ficção dos anos 1930 a 50 e fazendo um elo mais estreito ao interesse da mídia atual.

Ao adentrar na Imprensa local, o autor enfatiza a relevância do cidadão francês, Hércules Florence, que em 1830 se radicou na Vila de São Carlos e, juntamente com Joaquim Correia de Melo, unindo as técnicas da Poligrafia com a Fotografia, em câmara escura, deu origem, em 1836, ao O Paulista, o primeiro jornal do interior da Província de São Paulo, sediado em Sorocaba, embrião do primeiro jornal de Campinas: A Aurora Campineira, sob a responsabilidade dos irmãos João e Teodoro de Siqueira e Silva.

Duílio Battistoni explica a fundação, em 1869, de A Gazeta de Campinas, capitaneada pelo redator principal, Francisco Quirino dos Santos, bacharel na Faculdade de Direito de São Paulo, afeito as causas abolicionistas e republicanas, periódico que perdurou até 1930, com colaboradores de renome como Campos Sales, Jorge Miranda, Joaquim Bonifácio do Amaral, o poeta Carlos Ferreira, Leopoldo do Amaral, Ernesto Kuhlmann, Alvaro Muller, Benedito Barbosa Pupo.

A obra entrecruzou outros jornais, Diário de Campinas, Sensitiva, Folha Popular, O Mensageiro, sob vários ângulos: a inserção da mulher, o enfoque religioso, sociopolítico e econômico, permitindo entrever as relações de poder na elitista Campinas. Relevantes nomes permeiam esses jornais, entre outros, Henrique de Barcelos, José Vilagelim Alberto Sarmento, Hilario Magro Junior, Josefina Sarmento, Dom Néry.

A criação de almanaques e revistas deu uma nova feição e avanço cultural à imprensa e às artes gráficas, com a colaboração de ilustres nomes da mais valiosa expressão cultural do país, em especial, Coelho Neto, César Bierrembach, José de Campos Novais, Rafael Duarte, Alberto Faria.

A fundação da Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, em 1902, e vigente até hoje, constituiu-se em verdadeiro veículo privilegiado de divulgação da cultura e literatura, como valorosa Exposição Lasar Segall, de inspiração expressionista, narrada no número 31, de julho de 1913. As revistas O Ferrão, Tico-Tico, A Onda, tiveram o condão de deleitar o leitor, não apenas pelos textos, mas pelo humor e ilustrações.

A imprensa periódica a circular na cidade gozou da força que lhe é inerente, a propiciar a formação de teias sociais, de opinião pública, de desencadeamento de ideários simbólicos. O poder da imprensa não se ateve apenas a ser veículo de comunicação, mas transcendeu essa dimensão para alçar a um voo maior, ser formadora de novos juízos e divulgadora de espaços de articulação a intervir em comportamentos, berço de produção literária, participação política a induzir alterações nas tramas sociais.

Duílio Battistoni, a cada página, expõe a evolução da imprensa e da literatura sem descuidar de ressaltar as famosas tipografias Ao Livro Azul, da família Castro Mendes, com apresentações cinematográficas, e da Casa Genoud, ambas fundadas em 1876, com excelência nos serviços prestados, venda de brinquedos e pianos europeus, chapéus, bengalas e, acima de tudo, pontos de encontro de intelectuais.

Entre os colégios estaduais eleitos neste livro, sobressaem-se o Culto à Ciência, criado em 1874, com professores-escritores advindos, em maioria, da Faculdade de Direito de São Paulo, salientando-se Coelho Neto – na cadeira de Literatura; Basílio de Magalhães – na de História do Brasil, os quais colaboraram nos jornais locais; o filólogo e teólogo Otoniel Mota – na de Português; Jean Keating – na de Francês e, no corpo discente, o poeta Guilherme de Almeida; o Instituto de Educação Carlos Gomes, em 1902, Escola Normal a formar professores; os colégios católicos Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, em 1897, Externato São João e Sagrado Coração de Jesus, em 1909, Diocesano Santa Maria, em 1918. Posteriormente, criaram-se o Colégio Ave Maria, em 1930, e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1941, futura Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCAMP), detendo a Igreja o monopólio da educação superior até a criação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no fim dos anos 1960.

Ampliando o horizonte da imprensa, o autor relata dois nascimentos jornalísticos: em 1912, o Diario do Povo, com 12 páginas, tendo Álvaro Ribeiro como principal redator, posteriormente, José Correia Pedroso Junior, e jornalistas colaboradores, Mario de Luca Erbolato, Bráulio Mendes Nogueira, Alarico da Silva Lisboa, José Gonsalves Machado; e em 1927, o Correio Popular, com maquinário de tecnologia mais avançada, também capitaneado inicialmente por Álvaro Ribeiro. Também mencionou os difíceis tempos de censura no Estado Novo (1937-1945), não somente na imprensa, como também nas rádios.

Imprescindível reiterar que este trabalho cumpriu sua proposta investigativa e configura-se como uma significativa contribuição à História de Campinas, em que Duílio Battistoni Filho demonstra, com propriedade, a competência de pesquisar trazendo uma obra original a partir de um contexto social distante, perpassando diferentes momentos promissores e sombrios, como o nascimento e o desaparecimento de jornais e revistas por variados motivos; os desmandos para silenciar intelectuais, literatos e jornalistas na ditadura de 1964; a propagação de ideais políticos e econômicos até esboçar o hoje, em que o que mais interessa à mídia é a vida real. Sem dúvida, Imprensa e Literatura em Campinas nos seus primórdios representa mais um presente sobre a construção da História.

Referência bibliográfica:

BATTISTONI FILHO, Duílio. (2016). Imprensa e literatura em Campinas, nos seus primórdios. Campinas: Pontes Editores. 196p.

Para adquirir: http://www.ponteseditores.com.br / Livraria Pontes: Rua Dr. Quirino, 1223 – Centro, Campinas – SP, 13015-081 / fone: 19-3236-0943.

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