Preface to the: Crossed legs, beautiful socks dressed: unraveling stories of Campinas, SP, Brazil (1930-1970)
Maria Carolina Bovério Galzerani (in memoriam) – então professora da Faculdade de Educação da UNICAMP e diretora do Centro de Memória (CMU).
Ana Maria Melo Negrão é graduada em Letras Anglo-Germânicas e em Direito, pós graduada pela UNISAL e doutora em Educação pela UNICAMP. Escreveu: Infância, educação e diretos sociais: o Asilo de órfãs (1870-1960), foi coautora de Memória em Educação e de Sociologia Geral e do Direito, entre outras importantes obras. Também é professora de direito da UNISAL, além de Titular da Cadeira número 8 da Academia Campinense de Letras e da cadeira número 25 do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.
Nesta magnífica obra: Pernas cruzadas, meias rendadas: desvendando histórias de Campinas (1930-1970), a autora nos oferece uma viagem por camadas de tempo inéditas, as quais foram soterradas, escondidas pela historiografia oficial, no que respeita à de Campinas no século XX.
O foco da viagem são os lugares e as práticas da luxúria na elitista e preconceituosa cidade paulista, entre os anos de 1930 e 1970. Período no qual se aprofunda a modernidade capitalista na configuração dos hábitos urbanos desta, que desde o final do século XIX, se apresenta como uma das mais progressistas e civilizadas cidades de nosso país.
Nesta trajetória, a autora potencializa aos mais diferentes tipos de leitores a (re)configuração das paisagens das relações sexuais consideradas tabu pela mesma modernidade, hoje radicalizada nacional e globalmente.
Via linguagem extremamente bem tecida e instigante, a autora nos conduz por diferentes lugares da memória, tais como lupanares, boates, bares, clubes, ruas, bairros, residências da elite, possibilitando o desvendar, pelas frestas perceptivas, de imagens do trottoir, do aliciamento, das relações amorosas dos patrões e de seus filhos com serviçais, dos filhos ilegítimos, da quebra de paradigmas de padrões de moral no universo das famílias tradicionais, da repressão sexual outorgada à esposa, dos mitos e dos medos, da virgindade, do adultério da esposa, das doenças venéreas, dos preconceitos, do discurso médico, da legislação penal – dentre outras tantas práticas sexuais, morais, religiosas, apresentadas neste cenário.
Sob o ponto de vista metodológico, não perde de vista, a autora, o fundamental enraizamento das práticas culturais flagradas nas condições sociais vividas. Seu trabalho de produção de conhecimentos históricos pauta-se em ampla e cuidadosa pesquisa das fontes orais, pois poucos foram os registros escritos e iconográficos disponíveis sobre tal universo das relações sexuais. Nas palavras da autora quantas histórias narradas despertaram a memória adormecida dos depoentes, cujas palavras adquiriram vida, permeada de recordações revividas docemente, deixando entrever o orgulho da virilidade, da juventude!
Trata-se, portanto, de uma ousada e significativa contribuição à história cultural da cidade de Campinas, imperdível aos interessados em compreender historicamente o engendramento das sensibilidades urbanas modernas, especialmente no que se refere à questão da sexualidade. Aliás, pode-se enfatizar que estas sensibilidades estão presentes, com suas especificidades, em tantas outras localidades de nosso país, no período.
Inspirada pela leitura dos textos do filósofo berlinense Walter Benjamin, deixo ao leitor o convite para a realização de sua própria viagem pelos meandros deste livro. Ou seja, viagem (ou Erfahrung, em alemão) significando também a oportunidade de constituição de uma dada experiência, no caso, de leitura, capaz de ampliar os movimentos dialogais do leitor com o próprio texto. Ou melhor, ampliação do diálogo com a pluralidade de vozes ali flagradas (para além do voz do autor), permitindo a produção de olhares outros, nos quais outras frestas perceptivas possam ser criadas! Viagem como sinônimo de experiência de encontro e, ao mesmo tempo, de criação de sentidos, mais livres e significativos ao próprio leitor! Excelente leitura!
Referência Bibliográfica:
NEGRÃO, Ana Maria Melo. (2013). Pernas cruzadas, meias rendadas: desvendando histórias de Campinas (1930-1970). Campinas: CMU. 192p.