O samba em Campinas: histórias e memórias dos negros escravizados

The samba in Campinas (SP, Brazil): stories and memories of the enslaved blacks.

Por Olga Rodrigues de Moraes von Simson – socióloga e professora da Unicamp. Titular da Cadeira 40 do IHGG Campinas.

A nossa região recebeu um número significativo de negros escravizados durante os ciclos econômicos açucareiro e, especialmente, o cafeeiro, durante a maior parte do século XIX. Por isso, o município de Campinas conta, desde então, com sua sempre numerosa população de afrodescendentes e cultiva uma memória sócio-cultural que engloba as formas específicas de Samba, o gênero musical originalmente praticado nas primeiras capitais do Brasil e que se disseminou por todo o país.

Valendo-nos da metodologia qualitativa da História Oral, coletamos depoimentos de sambistas históricos que vivenciaram esse auge de manifestação cultural, assim como ouvimos participantes dos grupos de samba que têm surgido contemporaneamente. Esses grupos mais recentes reúnem tanto os membros da velha tradição sambística, como os jovens oriundos das cinco universidades existentes na cidade, além, é claro, dos membros da comunidade onde vivem. Todos reconhecem a legitimidade desse movimento vigente há muito tempo na nossa região.

Trabalhamos com a memória de homens e mulheres que exerceram certa liderança nesse processo de transformar costumes de origem remota africana em práticas culturais contemporâneas. Pudemos, assim, recolher relatos orais e fotos históricas que nos permitiram traçar os principais territórios da cidade que acolheram e vem preservando tais manifestações culturais de origem africana e já bastante transformadas.

Cabe salientar que, em nossa cidade, surgiu um tipo original de samba: o samba de bumbo campineiro, por imposição da perseguição exercida pela Igreja Católica e pelos fazendeiros, ainda no final do século XIX.

No samba rural tradicional daquela época havia o chamado samba de umbigada, trazido de Angola, pois que na cultura das comunidades angolanas homenageava-se a deusa da fertilidade dançando o passo da umbigada nas comemorações em que todos pediam fartura nas colheitas e sucesso nas investidas de caça.

Samba de Umbigada

Porém, o movimento coreográfico original em que os dançarinos encontravam seus baixo-ventres foi visto como libidinoso, carregado de forte sensualidade e, por isso, proibido de ser dançado pelos fazendeiros, nas fazendas, e pela Igreja Católica em locais públicos da cidade.

Como estratégia para a manutenção do folguedo, os dançarinos resolveram que a homenagem seria feita então para o bumbo, o instrumento de percussão que marca o ritmo da dança. Assim, cada sambadeira, ao finalizar sua apresentação no centro da roda, aproxima-se do tocador de bumbo, que fica situado na grande roda e tem o instrumento de percussão posicionado à frente de seu corpo. A dançarina então joga a sua saia rodada por sobre o bumbo, que representa o falo, segundo a visão do samba de origem angolana, homenageando-o. Essa interpretação foi aceita ou não foi entendida pelos dominadores (fazendeiros e padres), os quais liberaram a realização das rodas de samba na nossa região.

Essa dança que apresenta um resumo da história do samba em Campinas ainda pode ser vista nas apresentações do grupo Urucungos, Puítas e Quinjenges que, apesar de haver recentemente perdido seu fundador e líder Alceu Estevam, ainda resiste atuando pelo esforço e persistência de Rosa, sua companheira de toda a vida.

Tal tradição secular vem sendo reafirmada à medida que grupos de jovens, em sua maioria provindos das cinco universidades locais, passaram a frequentar tais reuniões do povo do samba. Esses jovens buscam, assim, beber na tradição a inspiração necessária para compor seus sambas, chegando mesmo a criarem novos grupos em regiões mais periféricas da cidade de Campinas.

Fotos: O Mercadão de Campinas, um dos locais que abrigou, durante muito tempo, grupos de sambistas nos finais de semana.

Referência Bibliográfica:

SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von. O Carnaval em branco e negro: o carnaval popular paulistano. São Paulo: EDUSP, 2007.

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