A residência e clínica médica de Clemente de Toffoli

Clemente de Toffoli’s residence and medical clinic.

Por Gilberto Gatti – jornalista, economista. Sócio Correspondente em Brasilia, DF,  e Fernando Antonio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da Cadeira 11 do IHGG Campinas.

Em 24 de Outubro de 2013, por iniciativa de um grupo de pesquisadores e especialistas do Centro de Memória – Unicamp (CMU) reunido pelos autores, foi entregue ao Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (CONDEPACC), o pedido de abertura de processo de Tombamento da residência e clínica médica do Dr. Clemente de Toffoli, situada na confluência das Ruas Ferreira Penteado, 417 e José de Alencar, 769, Centro. O pedido recebeu o número: 13/10/51439 PG.

Nossas pesquisas apontam, conforme a escritura lavrada no Primeiro Ofício de Registro de Imóveis de Campinas, datada de 29 de novembro de 1965, que a legitima proprietária do imóvel era, no momento da solicitação de abertura do processo, a Associação Campineira dos Funcionários Públicos (ACFP), com sede neste município, que adquiriu o imóvel dos herdeiros de Clotilde Augustine Baraquet. Recentemente, a ACFP foi incorporada à Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

O prédio apresenta característica ímpar. Foi ao mesmo tempo residência do Dr. Toffoli e sua clínica médica. A dupla função pode ser observada nos detalhes da construção e, fundamentalmente, nas suas duas entradas. A principal, da residência, situava-se na Rua Ferreira Penteado, 417, enquanto que a recepção da clínica funcionava na Rua José de Alencar, 769. Trata-se do exemplo derradeiro de edificação da área de saúde com função conjugada, ou seja, de atendimento médico de urgência, consultório, enfermaria e de residência do doutor. Esta duplicidade de função marca sua importância histórica. Afirmamos ser este o exemplar único na cidade de Campinas que preserva essa dualidade, a par de suas especificidades decorativas e arquitetônicas.

A crônica assinada por Pelágio Lobo, intitulada: Amigos italianos de um bom tempo – O Dr. Toffoli e a roda da Farmácia Italiana, publicada no jornal Correio Paulistano de 16 de abril de 1950, aponta claramente a utilização residência / clínica:

Sua clínica era estafante, e só uma natureza moça e solida poderia dar conta daqueles trabalhos, que lhe ocupava a manhã, na casa, deslocavam-se durante o dia para as visitas na cidade, nos bairros ou nas fazendas e voltavam a fazer-se na casa, à tardinha e à noite.

Clemente de Toffoli morou por muito tempo na Rua Costa Aguiar, 19, onde dava consultas e realizava pequenas cirurgias. Atuou como médico e, depois, como diretor clínico do Hospital do Circolo Italiani Uniti, desde sua fundação, em 1919. Também foi mestre escola da instituição.

No final do século XIX, o jornal Gazeta de Campinas anunciava regularmente os serviços de médicos e suas especialidades. Muitas propagandas informavam horário de atendimento e disponibilidade para internações. Havia diferencial de preços para homens livres e escravizados. Assim, era comum aos médicos habitarem o mesmo espaço físico em que davam consultas e realizavam pequenas intervenções cirúrgicas. Também eram comuns naquela época os chamados para atendimentos domiciliares. As residências / clínicas eram recorrentes em uma cidade que crescia rapidamente.

O primeiro hospital de Campinas foi a Santa Casa de Misericórdia, que começou a funcionar a 15 de agosto de 1876. A Sociedade Beneficência Portuguesa foi inaugurada a 6 de janeiro de 1877.

Em 16 de outubro de 1894, o jornal O Estado de S. Paulo anunciava os trabalhos do médico, cirurgião e parteiro Clemente de Toffoli, recém-chegado da Itália, que recebia chamados e dava consultas em São Roque (SP), na linha Sorocabana. Ele se apresentava como assistente das clínicas e interno do Hospital da cidade italiana de Pádua.

No Brasil, Dr. Toffoli teve que revalidar seu diploma de médico, fazendo-o na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, RJ. Ele passou por seis etapas de habilitação: o exame prático, realizado a 24 de dezembro de 1895; o exame oral, a 27 de dezembro de 1895; o exame de clínica cirúrgica e propedêutica, a 10 de janeiro de 1896; o exame clínico, a 14 de janeiro de 1896; o exame da terceira série (clínicas: obstetrícia, ginecológica e médica), a 15 de janeiro de 1896 e, finalmente a 21 de janeiro de 1896, Dr. Toffoli defendeu sua Tese.

Assim que obteve aprovação plena nas provas de habilitação para médico estrangeiro, Clemente de Toffoli mudou-se para Campinas. O primeiro registro de sua atuação na cidade data de 1896. A partir de 1902, foi, por vários períodos, representante consular do governo italiano na cidade. Teve intensa atuação social: foi membro da comissão de Ciências do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), fundador da Associação de Medicina e Cirurgia de Campinas, patrono da Cruz Azul Brasileira. Dr. Toffoli também foi importante investidor em empresas, entre as quais destacamos a Casa Sotero de São Paulo, a Companhia Fabril de Tecidos, a Companhia Industrial de Campinas, a Companhia Frigorífica e Pastoril e a Drogasil Ltda.

Clemente de Tofolli nasceu em Farra di Soligo, a 1º de dezembro de 1869, falecendo em Campinas no dia 24 de outubro de 1942. Ele trouxe da Itália o título nobiliárquico de Conde e somou ao seu currículo, aqui no Brasil, o título honorífico de Comendador.

O valor arquitetônico do prédio

A residência / clínica foi projetada pelo arquiteto licenciado Ercole Bonetti. Em 6 de abril de 1929, o requerimento da licença de alvará era solicitado à Câmara Municipal, tendo sido encaminhada à Repartição de Obras a 7 de maio do referido ano. A autorização só se deu a 10 de abril de 1930, com aprovação dos cálculos estruturais.

A decoração interna da casa do Dr. Toffoli, assinada pelo estucador italiano radicado em Campinas, Otaviano Papaiz, não tem similar na cidade. Colunas, colunetas, capitéis, faixas decoradas, florões, frisos, golas, mísulas, pisos e escadarias de mármore e ladrilhos hidráulicos são representantes das preferencias estéticas da época. O trabalho realizado na propriedade do conde de Toffoli era apontado no seu portfólio como atestado de qualidade e de bom gosto que o credenciava na sociedade campineira. As belíssimas ornamentações de gesso em estilo Luís XV executadas na sala de jantar da residência do dr. Clemente de Toffoli, é apresentada em peça publicitária.

Anexamos ao processo três fotografias do acervo da família Papaiz, demonstrando as decorações realizadas na sala de jantar, na sala de visitas e no hall de entrada da clínica. Nas fotos, observam-se anotações, de próprio punho de Otaviano Papaiz, apresentando as peças modeladas.

A decoração externa na entrada principal apresenta duas colunas cilíndricas lisas com capitéis arredondados com base e plinto coroadas por um frontão e internamente duas colunetas caneladas arredondadas encimadas por capitéis em volutas. Observamos duas sacadas sustentadas por mísulas e janelas ornadas.

Os vitrais assinados pela Casa Conrado, do alemão de Essen, Conrado Sorgenicht, iluminam o hall das escadas, resistindo ao tempo sem conservação, apresentando uma peça quebrada e substituída amadoristicamente por vidro plano. Os dois vitrais da residência não constam da relação levantada pela pesquisadora Regina Lara Silveira Melo na sua dissertação de mestrado Casa Conrado: cem anos do vitral brasileiro. Peças da Casa Conrado (Vitrais Conrado Sorgenicht S.A.) são encontradas em Campinas na Catedral Metropolitana, na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, na igreja Nossa Senhora Auxiliadora e na Capela do Colégio São José.

Os portões, guarda-corpos e demais peças de serralheria são atribuídas a Francisco Forte.

A situação atual do pedido …

Tombado em Dezembro de 2018!

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