O voto no Brasil através dos tempos

Voting in Brazil throughout time.

Por João Plutarco Rodrigues Lima – médico, escritor. Sócio Emérito do IHGG Campinas.

A primeira eleição de que se tem notícia no Brasil ocorreu na Vila de São Vicente, São Paulo, em 1532, para a Câmara Municipal. Os pleitos do período colonial realizaram-se quase da mesma forma. Além de Portugal e Brasil, eles ocorriam em outras partes do império ultramarino português, como Goa, Macau e São Paulo de Luanda.

A compreensão da lógica de compartilhamento de poder que permeou as eleições de épocas remotas no Brasil nos exige abandonar duas ideias que comumente trazemos conosco quando pensamos em organização do estado: a divisão dos poderes e o estabelecimento rígido de suas competências. São invenções relativamente recentes, elaboradas a partir de uma concepção racionalista do poder e do estado. Sendo assim, é importante nos aproximarmos um pouco mais da forma de como se exercia o poder em Portugal, na época colonial.

Nas oitavas de natal (1º de janeiro), os oficiais, homens bons e o povo se reuniam em Assembleia para escolherem aqueles que estariam à frente da Câmara Municipal nos três anos seguintes. Como mandavam as Ordenações e os costumes, a eleição começava pela escolha dos eleitores que votariam nos candidatos aos cargos municipais. Os presentes escolhiam seis nomes e os diziam ao Escrivão, ao pé do ouvido, de forma que ninguém mais escutasse. Depois que todos escolhessem seus nomes, Juízes e Vereadores apuravam os seis mais votados, que seriam os eleitores. Estes, depois de jurarem honestidade, eram agrupados em duplas para a feitura das listas dos escolhidos. As Ordenações mandavam que não ficassem juntos quem fosse parente, tampouco que as duplas mantivessem contato. Isso porque cada dupla deveria escrever três listas, cada qual contendo os nomes de quem deveria exercer cada um dos cargos nos três anos seguintes. Assim seriam aprontadas nove listas (já que cada dupla elaborava três e eram três duplas): três listas de vereadores; três listas de procuradores e três listas de juízes.

Era preciso, portanto, transformar as nove listas em três, tarefa que ficava sob a responsabilidade do Juiz mais velho. Elaboradas as três listas finais, era hora de metê-las nos pelouros, via de regra, bolas feitas de cera onde abrigavam os nomes dos escolhidos. Segundo as Ordenações, deveriam ser confeccionados nove pelouros, três contendo os nomes de vereadores, três para procuradores e três para os juízes. Esses pelouros eram enfiados em um saco com tantos compartimentos quanto fossem os ofícios a eleger, mais um, para guardar as listas. Tal saco era guardado em cofre com três fechaduras, cujos guardiões eram os últimos três vereadores. Os pelouros ficavam trancados até o dia em que fosse necessário conhecer os eleitos. Neste dia, definido pelos costumes de cada local, perante todos, um moço de 7 anos de idade revolvia cada compartimento e sacava de lá um pelouro. Os nomes sorteados seriam os oficiais daquele ano.

O Brasil do século XIX já não era mais uma colônia – elevara-se ao título de Reino Unido quando da transferência da Corte portuguesa – e, como tal, também escolheria seus deputados para a Corte. É então decretado, em 7 de março de 1821, o modo pelo qual as eleições dos deputados deveriam ser feitas. Seguia o modelo espanhol e estabelecia quatro graus: cidadãos das freguesias elegeriam os compromissários, que escolheriam os eleitores da paróquia, que, por sua vez, elegeriam os eleitores de comarca, que teriam o poder de decidir as pessoas que seriam deputadas na Corte. Processo tanto complicado, mas que marcou o início das eleições gerais no território brasileiro. Pouco tempo depois, o Brasil fez a independência de Portugal.

Já no ano de 1824, a constituição outorgada por Dom Pedro I determinou a realização de eleições para representantes dos poderes legislativo e executivo. Para ser considerado como eleitor apto, o cidadão deveria ser homem e ter, no mínimo, 25 anos de idade.

Além dessas primeiras exigências, o sistema eleitoral daquela época instituiu o emprego do voto censitário. Nessa modalidade, o cidadão estaria apto a votar caso comprovasse uma renda mínima anual. Em uma sociedade escravista, a utilização do voto censitário excluía a grande maioria da população. Assim, o voto se transformou em instrumento de ação política exclusivo das elites. Todavia, as poucas pessoas aptas a exercerem o voto não escolhiam diretamente seus representantes.

No império, os chamados cidadãos votantes eram divididos entre os eleitores de paróquia e os eleitores de província. Os eleitores de paróquia eram aqueles que comprovavam a renda anual mínima de 100 mil réis para votarem nos eleitores de província que, por sua vez, deveriam comprovar a renda anual mínima de 200 mil réis, para votarem nos candidatos a deputado e senador. Assim, o processo eleitoral era organizado de forma indireta: cidadãos eleitores (eleitores de paróquia) elegiam os representantes (eleitores de província) que, por sua vez, escolhiam os deputados e senadores. Estes deveriam comprovar renda anual ainda mais elevada do que os eleitores. Os candidatos a deputados deveriam ter renda mínima de 400 mil réis por ano e os candidatos ao Senado de 800 mil réis. Dessa forma, os principais cargos legislativos do país eram unicamente alcançados por pessoas que detinham poder aquisitivo elevado, sem a participação das camadas populares.

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, representou um marco definitivo para a legislação eleitoral. O modelo até então baseado no francês, passou a ser o norte-americano. O poder legislativo converteu-se no único capaz de criar direitos e deveres. Exercido pelo Congresso Nacional era, como hoje, composto da Câmara dos Deputados e do Senado, cujos componentes deveriam ser eleitos pelo voto direto e secreto, para mandatos de quatro e oito anos, respectivamente.

Com a República Velha ou Primeira República (1889-1930), caíram por terra todos os privilégios eleitorais do Império, mas este período ficou conhecido, pejorativamente, como do voto de compadre, onde os eleitores eram dirigidos e até coagidos a votarem nos candidatos dos patrões e dos coronéis, os chefes políticos do lugar.

Em 1930 iniciou-se a Era Vargas, quando se incorporou avanços ao processo eleitoral, como a instituição da Justiça Eleitoral. No entanto, a Constituição de 1937, outorgada pelo mesmo Getúlio Vargas, excluiu a Justiça Eleitoral dentre os órgãos do Poder Judiciário. Conhecido como Estado Novo, foi período em que não houve eleições, até 1945. Os Legislativos foram dissolvidos e a ditadura governou com interventores nos estados.

O período de 1946 a 1964, conhecido como Quarta República, foi inicialmente tumultuado. Depois, em contexto de desenvolvimento, industrialização e populismo, foram eleitos os presidentes Juscelino Kubistchek, em 1955, e Jânio Quadros, em 1961. Mas, foi no período entre a deposição de João Goulart (31 de março de 1964) e a eleição de Tancredo Neves (15 de janeiro de 1985), chamado de Ditadura Militar, que houve o maior retrocesso no sistema eleitoral brasileiro. A razão é que a época foi marcada por uma sucessão de atos institucionais, leis e decretos-leis com os quais os militares conduziram o processo eleitoral de maneira a adequá-lo aos seus interesses.

Com a extinção dos antigos partidos, em 1966, o regime forçou a criação de somente dois: um de apoio e outro de oposição confiável. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi criada para ser uma ampla frente de apoio ao regime militar e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) para ser a oposição.

Em 1968, o presidente Costa e Silva assinou o Ato Institucional nº 5 e fechou o Congresso nacional. Em 1972, foram restauradas as eleições para senador e prefeito, exceto para as capitais de estados. A anistia, promulgada em 1979 pelo presidente João Figueiredo, foi ponto de partida do processo democrático chamado de abertura política. A sociedade, principalmente nas grandes cidades, continuou mobilizada e clamando por mudanças mais profundas.

A partir de 1979 reconfigura-se o cenário político e novos partidos entraram na disputa eleitoral. O Partido Democrático Social (PDS), sucessor da ARENA, após a demolição do bipartidarismo, e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que sucedeu o MDB. Com expressão eleitoral localizada emergiam três partidos: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Brasileiro (PDT), de Leonel Brizola, e o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado por Luiz Inácio da Silva. Iniciou-se campanhas pela legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Em 1982, o voto vinculado foi eliminado da legislação eleitoral. O início da Nova República foi marcado pela rejeição da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984, que previa eleição direta para presidente e vice-presidente da República. A eleição do primeiro presidente civil, após o período de exceção, se deu ainda indiretamente, por meio de um colégio eleitoral, em 15 de janeiro de 1985.

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um marco na história política eleitoral, pois determinou eleições em dois turnos para presidente, governadores e municípios com mais de 200 mil habitantes. Nos municípios com menos de 200 mil eleitores, os chefes do Executivo são eleitos por maioria simples. A lei ainda estabeleceu o período de 5 anos de mandato do presidente, vedando-lhe a reeleição. Em 1994, reduziu-se para 4 anos e, em 1997, foi permitida a reeleição para um único período subsequente.

O quadro do sistema eleitoral atual permite o voto a todo o cidadão, sendo facultativo para analfabetos e para jovens entre 16 e 18 anos, bem como os maiores de 70 anos. O sistema modernizou-se com a introdução da urna eletrônica e da votação biométrica. Agora, basta ter um documento de identidade para votar.

O resultado da história do sistema eleitoral no Brasil é que, com seus diversos períodos ditatoriais, o Executivo terminou por ser mais valorizado como instituição do que o poder Legislativo.

Referência bibliográfica:

LIMA, João Plutarco Rodrigues. O voto no Brasil através dos tempos. Campinas: Lince, 2018, 72p.Arquivo Escaneado 1

 

2 comentários

  1. Depoimento: fico feliz em constatar pessoas que são verdadeiros educadores, além de historiadores, fazendo parte do IHGG. O Dr. João Plutarco assim como o Dr. Pisani foram parte da diretoria da Maternidade de Campinas onde meus dois filhos e dois netos nasceram. Na época de minha filha Paula Maria os médicos da Maternidade implantaram um plano para parturientes melhor que aqueles tradicionais de Campinas. Administrações sérias realizadas por pessoas de Bem. Muito obrigado Dr. João Plutarco por mais este ensinamento. Muito obrigado Professor Abrahão, por possibilitar mais este aprendizado incentivando todos seus comandados a escreverem neste Informativo. Paulo Espíndola Trani

    Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.

    Curtido por 1 pessoa

Deixe uma resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s