Campinas, seus distritos e desmembramentos: 1850-2000

Campinas (SP, Brazil): districts and territorial secessions: 1850-2000.

Cláudia Gomes de Siqueira – demógrafa, professora da Universidade Estadual de Londrina, PR.

A configuração inicial e o posterior desdobramento da organização territorial e das reorganizações populacionais de Campinas foram influenciadas, em ampla escala, pelas relações intergovernamentais e a interação estado-sociedade.

Durante o regime imperial, o posicionamento da classe dirigente local frente à política de terras e de colonização favoreceu, inicialmente, a integração do seu espaço, contribuindo para que o município, durante pelo menos toda a segunda metade do século XIX, apresentasse uma coesão territorial, que diferenciou Campinas de outros municípios da região.

Este resultado foi alcançado devido ao fato de os cafeicultores locais terem se posicionado contrariamente à política de terras e de colonização do Império, que priorizava a identificação das terras devolutas para o seu posterior parcelamento e venda aos imigrantes, vindos para o país através da imigração particular.

Como tal política mostrou-se essencialmente contrária aos interesses da economia cafeeira, cujo desenvolvimento dependia de grandes extensões de terra e de numerosa mão-de-obra para o trabalho na lavoura, e diante da crescente insatisfação da oligarquia cafeeira paulista frente às políticas implementadas pelo governo central, as classes dirigentes locais desenvolveram e cristalizaram um comportamento político e cultural cujas decisões, direta ou indiretamente, favoreceram a integridade do seu território.

Assim, considerando, de um lado, a composição social da população de Campinas, caracterizada pelo grande peso relativo de população escrava e, posteriormente, de população imigrante, e de outro a tendência da classe dirigente local em priorizar a integridade territorial do município, destaca-se que a especificidade da configuração inicial do espaço local caracteriza-se pelo não surgimento de distritos secundários na maior parte da segunda metade do século XIX, e pela coesão territorial do município, mantida até a década de 1920.

Essa coesão – que dependeu da unidade política da elite local – se fez importante para atender aos interesses dos grupos sociais dominantes, vinculados à economia cafeeira. Assim, qualquer processo de diferenciação político-territorial foi coibido justamente no caso desse representar a possibilidade de surgimento de interesses conflituosos, tanto em relação à priorização da cultura cafeeira, como na própria estrutura fundiária do município.

Neste contexto, a população livre trabalhadora deveria se adequar à forma de inserção social condicionada pelo complexo cafeeiro e, além disso, ocupar os espaços urbanos e rurais preteridos pelos grupos sociais mais abastados e pela própria estrutura da economia cafeeira.

O conservadorismo peculiar da sociedade campineira, em consonância com o da sociedade brasileira, pouco permitiu aos setores mais populares dessa sociedade a expansão de sua participação política. Essa característica evidenciou-se pela não transformação de alguns povoados em distritos, em determinados contextos, evitando a redistribuição do poder municipal através da formação de novos espaços de debate e participação política.

Diante disso, na análise do processo de diferenciações político-territoriais, observa-se que até 1870 Campinas possuía apenas o distrito-sede, que concentrava o poder político do município. Depois, de 1870 até 1896, a criação de primeiro distrito secundário em Campinas relacionou-se com a busca por uma ampliação do espaço de participação política de uma parcela da população com a mesma identidade sócio-política da população do distrito-sede. São distritos nessa época: Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Carmo e Santa Cruz. Posteriormente, de 1896 até 1900, a população formada basicamente por colonos dos distritos surgidos no contexto de transformação da estrutura social, como por exemplo Sousas, ainda não apresentavam uma identidade similar com a do distrito-sede e suas criações estavam mais relacionadas com fatores externos do que internos ao município. Esses dois fatores contribuíram, por sua vez, para o estabelecimento de níveis desiguais de poder político entre esses novos distritos e a sede.

Assim, o espaço campineiro inicialmente marcado pela coesão territorial e pela tendência de manter a distribuição desigual de poder político entre suas diferentes espacialidades, desenvolve-se, ao longo do tempo, partindo de uma fase em que se constituiu como hinterlândia, a partir da qual surgiram diferentes espaços interdistritais, desembocando no momento mais atual, no espaço intermunicipal. Nesse processo, a articulação entre a dimensão populacional e a dimensão político-institucional configurou-se de forma bastante específica.

Nesse sentido, os processos gerais de redistribuição da população condicionaram uma reorganização em espacialidades carregadas previamente de significados, de forma que se constituísse uma diferenciação entre a composição social dos diferentes distritos, que se expressaria na não identidade política e social.

Por sua vez, essa ausência de identidade entre as espacialidades foi reforçada pela dimensão político-institucional, representada pelas relações intergovernamentais e pela interação estado-sociedade, na medida em que elas favoreceram a persistência, no tempo, de uma distribuição desigual de poder político entre as diferentes espacialidades.

Considerando o espaço interdistrital como aquele no qual se tornam evidentes as reivindicações para uma distribuição mais equilibrada de poder político, observa-se que os espaços marcados pela distribuição desigual de poder político entre as espacialidades – como é o caso do espaço campineiro entre 1930 e 1990 – configuraram espaços intermunicipais marcados, justamente, pela falta de identidade política e social entre eles.

Por fim, tal espaço intermunicipal influenciou a configuração de um espaço metropolitano também marcado pela não identidade política e social das unidades que a compõem. Esta não identidade, por sua vez, constituiu um dos fatores estruturais da dificuldade de se estabelecer uma ação conjunta dos municípios que compõem esse espaço, na solução de problemas comuns, ou de se criar consensos em relação a determinadas questões. Considera-se que esse é o caso da região metropolitana de Campinas.

Assim, baseando-nos no tipo de análise desenvolvido na minha tese sobre o processo de transformação da organização territorial e da reorganização populacional, sumariamente apresentado aqui, mas obviamente detalhado na tese, verifica-se que a contribuição do presente estudo reside na consideração de que a fragmentação não é a mesma para os diferentes espaços metropolizados ou para as diferentes regiões metropolitanas. Nem são os mesmos os obstáculos que ela evoca.

Resumindo, o processo histórico de desenvolvimento do município de Campinas está relacionado, basicamente, com os seguintes fatores: 1) posicionamento específico dos grupos dirigentes locais frente à política imperial de terras e de colonização, que favoreceu a manutenção de uma coesão territorial do espaço municipal; 2) a forma como se deu o estabelecimento de núcleos de colonização, espontâneos e oficiais; e 3) a forma de distribuição de poder político entre as populações das diferentes espacialidades, que compõem o espaço municipal.

A forma assumida por esses fatores condicionaram a fragmentação que o espaço campineiro apresentou a partir do momento que seu espaço se metropoliza. Esta fragmentação, por sua vez, é a que emergiu com a formalização da região metropolitana, a partir da implementação da forma de gestão desse espaço.

Essa condição fragmentada, específica de cada espaço, tornou-se mais evidente a partir da comparação com outras regiões metropolitanas, em cujo histórico de desenvolvimento do espaço também atuaram os fatores como o posicionamento frente à política imperial e o estabelecimento de núcleos de colonização, como se considera tratar as regiões metropolitanas de Porto Alegre e de São Paulo.

No caso de Campinas, a não identidade entre as populações de seus diversos “pedaços” contribuiu para que a sua diferenciação político-territorial fosse caracterizada por uma distribuição desigual de poder político, desde a sua consolidação como hinterlândia até a configuração do seu espaço metropolizado.

Espera-se com esse trabalho, contribuir para o avanço nos estudos populacionais, mais especificamente, nos resultados sobre reorganização e redistribuição da população no espaço, através da exploração de elementos político-institucionais e sociais que contribuem para a sua efetivação como um processo social mais amplo.

Trata-se, portanto, não de uma resposta absoluta e definitiva, mas sim de uma nova perspectiva que vem acrescentar às já existentes, novos elementos analíticos que contribuam para desvendar a complexidade do fenômeno estudado.

Referência bibliográfica:

SIQUEIRA, Cláudia Gomes de. Campinas, seus distritos e seus desmembramentos: diferenciações político-territoriais e reorganização da população no espaço (1850-2000). Campinas: IFCH – UNICAMP [tese de doutorado], 2008.

As teses e dissertações estão disponíveis no Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp: http://repositorio.unicamp.br  

 

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