O feriado de 9 de Julho de 2020, uma coincidência feliz

The holiday of July 9, 2020 (São Paulo State, Brazil): a happy coincidence.

Agostinho Toffoli Tavolaro – advogado, titular da Academia Paulista de História. Titular da Cadeira 39 do IHGG Campinas.

Deus escreve certo por linhas tortas, diz a sabedoria popular. Nada mais certo. A iniciativa dos governos do Estado de São Paulo e do Município de Campinas, de promoverem a antecipação do feriado de 9 de julho nesse momento crítico da nossa sociedade é prova desse acerto. Ao trazerem a comemoração do 9 de julho neste ano para maio, a fim de estimularem a permanência das pessoas em casa e, assim, dificultarem a trágica disseminação do vírus COVID-19, ambos proporcionaram que voltasse à minha lembrança o significado do 23 de maio, outro marco indelével na história de São Paulo do Movimento Constitucionalista de 1932, mais conhecido como a “Revolução Paulista”.

Sei que perguntarão os jovens: o quê, porque? O que foi essa tal de Revolução de 1932? Resposta: foi a tomada de consciência do povo paulista de que o Brasil deveria se reerguer por normas específicas que disciplinassem o que o governo, por seus três poderes: 1 – Legislativo, ou seja, o Congresso Nacional (formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal), a Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras de Vereadores Municipais; 2 – Executivo, formado pelo presidente da República, os governadores estaduais e os prefeitos municipais e, 3 – Judiciário, ou seja, o Supremo Tribunal Federal e todos os Tribunais dos âmbitos federais e regionais, devem e podem ou não devem e não podem fazer. Isto porque praticamente todos esses poderes se concentravam na figura do presidente da República, o então ditador Getúlio Vargas, que não encontrava limites às suas ações, fazendo e desfazendo o que bem queria. Por isso esses homens são chamados de ditadores, justamente por exercerem a dominação das pessoas por meio de todos os elementos que constituem os poderes e as autoridades de um país.

Descontentes com a crescente dominação do ditador Vargas, fizeram então os paulistas a chamada revolução de 1932, pegando em armas e lutando para que esse governo autoritário fosse derrubado.

Certo, mas o que foi o 23 de maio? Foi a data em que o povo de São Paulo, reunido em um comício para protestar contra a situação e ouvindo discursos inflamados contrários à ditadura iminente, realizou aquilo que se chamava então de “passeata” no centro da cidade de São Paulo, indo da praça da República para a Rua Barão de Itapetininga, onde estava localizado o departamento da Polícia ditatorial (não confundir com a Força Pública, hoje Polícia Militar de São Paulo). Foi justamente ao chegar defronte a esse local que a passeata foi dizimada a tiros de fuzil, havendo vitimado mortalmente quatro jovens: Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo. Dráusio, este um jovem no verdor de seus 14 anos de idade e Camargo (Antônio Américo de Camargo Andrade) de família desta nossa Campinas. Esse triste evento ascendeu os ânimos e gerou a fogueira cívica, criando-se então o MMDC, sigla que uniu as iniciais dos sacrificados pela violência da ditadura e congregou os esforços para que a sanha ditatorial fosse contida.

9 de julho de 1932 foi o dia em que, exaltados os paulistas pela repressão que lhes impunha a ditadura pela força, teve inicio a revolta com ações militares em que lutaram os paulistas, de nascimento ou por adoção, frações do Exército e a então denominada Força Pública (hoje a Polícia Militar), com coragem e denodo. Somou assim São Paulo uma força de quase 60 mil homens, dos quais com formação militar específica apenas 12 mil (sendo 3 mil do Exército e 9 mil da Força Pública); formando o restante dos civis que voluntariamente marcharam para o sacrifício, a maioria sem qualquer conhecimento militar.

Não somente homens, mas mulheres (mães, esposas, irmãs, noivas) chegaram mesmo algumas a lutar na frente de combate, nos hospitais de campanha, ou trabalharam na costura de fardamentos, na distribuição de mantimentos, nas casas dos soldados, nos comércios e nas fábricas. Também as crianças (lembrando aqui em Campinas a morte do menino Aldo Chioratto, vítima de bombardeiro pela aviação getulista) juntaram-se às forças em luta.

Contra os anseios de São Paulo, que os queria para a Brasil, opôs o governo ditatorial as forças armadas do país em um total jamais divulgado, mas estimado em 350 mil homens, afirmando que a revolução seria separatista, sob a alegação de que São Paulo desejava se transformar em um outro país. Propaganda mentirosa, pois mesmo o brasão paulista então adotado tem em latim o lema: Pro Brasilia Fiat Eximia, ou seja, em nossa língua portuguesa significa Pelo Brasil Faça-se o Melhor. Deve-se lembrar ao jovem leitor que Brasilia é a palavra que em latim significa Brasil e que Brasília, a capital do nosso país, foi criada em 1960 no governo do presidente Juscelino Kubitischek.

Então, amigos jovens e veteranos, essas são datas que não podem ser relegadas ao esquecimento. Lembro de meu pai, Danilo Tavolaro, contar com orgulho sobre a época em que era noivo de minha mãe, Cida. Pois bem, ele se alistou e atuou na Revolução. Ele até escreveu sobre a sua posição e de outros voluntários. Um dos cartazes daquela época chamava o povo à luta, era um soldado com o dedo indicador em riste, sobre o texto: Você tem um dever a cumprir – consulte sua consciência. Ele concluiu: … consultamos nossas consciências, alistamo-nos e cumprimos nosso dever, e ofertamos nosso sangue e abraçamos a causa sagrada.

Que os sentimentos de brasilidade e solidariedade nos guiem hoje, como nos guiaram no passado, agora contra estes cruéis inimigos: o vírus mortal e a desinformação.

 

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