Os artistas italianos e suas esculturas no Cemitério da Saudade

The italian artists sculptures at Saudade Cemetery (Campinas, SP, Brazil).

Romilda Aparecida Cazissi Baldin – genealogista, pesquisadora. Titular da Cadeira 8 do IHGG Campinas.

A escultura é um dos mais difíceis ramos das artes plásticas, cuja técnica necessita de requinte e vibração para que as pedras de mármore e granito, passando pelo bronze, gesso e madeira possam perpetuar o momento da inspiração e criação artística.

Adentremos neste universo da cidade murada!

Uma vez dentro da cidade e passeando por suas avenidas, ruas e alamedas repletas de imóveis sofisticados, onde se nota a riqueza que neles habitam até os mais simples, a cidade arte começa a se apresentar repleta de mármores, bronzes, granitos, mausoléus, capelas, túmulos, anjos, Cristos, cruzes… tudo feito por mãos que trabalhavam a matéria, esculpindo e dando vida à morte.

A maioria dos escultores veio da Itália, da região da Toscana, oriundos de Pietra Santa, Valdicastello, Forti dei Marmi, Carrara, com exceção de Patrício e Marcelino Velez, que apesar de não serem italianos, merecem uma citação neste pequeno artigo, porque possuem obras de rara beleza, e Marcelino aprendeu a técnica italiana de lapidar o mármore, pois foi estudar na Itália.

Os italianos aqui citados eram já artesões nas suas cidades de origem, com cursos de artes em uma das mais famosas escolas da Europa, o Stituto d’Arte Stagio di Pietrasanta, Província de Lucca, na bela Toscana, e vieram com despesas pagas pelos barões do café e aqui ficaram, pois o mercado era uma porta aberta para o sucesso.

Em Pietrasanta e todas as cidades próximas, em raio de 400 km, podem ser vistas as Montanhas de Mármores, chamadas de Alpes Apuanos… muito branco que parecem montanhas com gelo eterno, ao olhar de longe.

Destas montanhas tiravam-se blocos de mármores para esculpir, e aí trabalhavam Giuseppe Tomagnini, Lelio Coluccini, Wilmo Rosada, Giuseppe Rosada, Aldo Puccetti e tantos outros famosos que viveram aqui no estado de São Paulo, inclusive Marcelino Velez, professor de desenho na Escola Normal, que foi enviado à Itália por seu pai Patrício, para aprender a esculpir.

Ao olhar a pedra, o escultor já imaginou a escultura que seria feita. Michelangelo dizia, ao olhar a montanha de onde tiraria o bloco, ao lhe perguntarem o que iria esculpir:

Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição, para revelá-la a outros olhos como os meus já a veem.

A retirada da pedra era feita com duas pessoas, marcava-se a rocha toda com uma ferramenta de ponta e iam “serrando” até o bloco soltar… mas naquele bloco já estava a escultura mentalizada pelo escultor quando era retirada da montanha.

O trabalho no Mármore era feito com uma ferramenta chamada “Violino”, nome dado pelo som que fazia quando se esculpia. O escultor era ajudado por uma pessoa por ele escolhida, que tinha precisão nas mãos, pois esse violino era como se fosse um shaira (amolador de facas), onde se passava uma corda no cabo, que era controlada pelo ajudante, e esse violino ia esculpindo o mármore pelas mãos do artesão. Se o ajudante errasse o jeito de manusear a corda, o trabalho era perdido.

E esse trabalho era feito aqui em Campinas, nas marmorarias – verdadeiros ateliês – que os próprios escultores montaram, para aqui trabalharem e se projetarem; um trabalho, árduo, difícil, em que despendiam dias de trabalho, desde a chegada da Itália do bloco de mármore, passando pelo esboço, até chegar na arte final da escultura pronta e preparada para adornar um “imóvel” da cidade intramuros.

Pela escultura e beleza do túmulo se sabia da riqueza ou realeza da família. O imóvel da cidade eterna era o reflexo do tipo de vida que a família tinha na cidade extramuros.

A maioria dos túmulos em mármore branco Carrara se encontra no Cemitério do Santíssimo Sacramento da Catedral, que se situa ao lado da Capela da Família Ferreira Penteado, e como já citado, são verticais, e é onde foi sepultada a “nata” campineira.

Apesar desses artistas desenharem suas obras, muitas vezes utilizavam catálogos europeus, para que os túmulos ficassem de acordo com a arte funerária vigente. E aqui usaram a estética de modelos europeus para perpetuar a memória dos campineiros até 1950, sobretudo da classe mais abastada.

As camadas mais simples também recorriam a esses artesãos, e como a família não podia pagar pelo túmulo todo de mármore, construía-se de granito e escolhiam a estátua de Mármore de Carrara, e isso vemos claramente em muitos túmulos, mesmo dos cemitérios considerados particulares, dentro do da Saudade.

Mas não foi só na arte tumular que esses artistas artesãos se sobressaíram. Trabalharam desde a fachada do Teatro Municipal Carlos Gomes, até altares de igrejas, casarões, esculturas e bustos espalhados por diversos pontos da cidade.

Citaremos a seguir alguns desses notáveis artistas artesãos, que ilustram as construções funerárias nestes 134 anos de existência do Cemitério da Saudade, bem como dos belíssimos altares de igrejas e tantos outros locais de Campinas.

Giuseppe Tomagnini
Guiseppe e Wilmo Rosada – Famiglia Rosada
Famiglia Coluccini
Aldo Pucetti
Família Zaratini

Referência bibliográfica:

BALDIN, Romilda Aparecida Cazissi. E eles embelezaram a morte enaltecendo a vida: escultores italianos em Campinas. Campinas: Sulution, 2016. 100p.

3 comentários

  1. Ótimo o artigo da Professora Romilda. Tomo a liberdade de mencionar também a família de Orlando Papaiz. Os artesãos esculpiram a imagem de N.Sa. Auxiliadora no Liceu Salesiano. Também as Imagens de Cristo Redentor em cidades da Região como Amparo e Serra Negra. Nos bairros Taquaral, Cambui e Guanabara os armários em granilite eram verdadeiras obras de arte. Só está observação. Obrigado.

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