Historical archives of Center of Memory – Unicamp (CMU, Campinas, SP, Brazil): firefighters, railroads, government taxes and trafica office.
Por Fernando Antônio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da cadeira 11 do IHGG Campinas.
A preservação dos registros da História de Campinas é notável e perene. Lembremo-nos das atividades da Academia Campinense de Letras (ACL), do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) e do Instituto Histórico de Campinas (IHGGC).
Também hoje existem importantes páginas nas redes sociais, que divulgam inúmeros documentos e depoimentos sobre famílias, pessoas, empresas e acontecimentos que ativam e difundem as nossas memórias.
Some-se a essa atividade de entidades culturais e de cidadãos em favor do patrimônio documental público e privado de Campinas o apoio da Unicamp, desde 1985, com a criação do Centro de Memória (CMU).
Ao descrever adiante alguns dos conjuntos documentais disponibilizados ainda nos primeiros dos 30 anos em que eu estive à frente da Área de Arquivos Históricos do CMU, desejo noticiar documentos ainda pouco conhecidos e que têm potencial para sustentarem novas e interessantes pesquisas. Espero que este seja apenas o primeiro artigo de divulgação de arquivos históricos disponibilizados aos cidadãos.
O Corpo Municipal de Bombeiros
A aspiração de dotar Campinas com um serviço permanente de extinção de incêndios é antiga. Tal compromisso foi assumido pela Câmara Municipal pela Lei nº 11, de 2 de abril de 1875, artigo 191, conforme recordou o intendente municipal Antonio Álvares Lobo a 4 de dezembro de 1893, em correspondência oficial àquela Casa.
Até então, os combates eram realizados por funcionários da Câmara, populares e escravos. A cidade era alertada pelo badalar frenético dos sinos da Matriz. O aparato constituía-se de barris montados em carretas, mangueiras de couro, mangotes, baldes, latas, cordas, pequenas escadas e uma bomba manual.
Em 1898 foi criada a Guarda Municipal de Campinas pelo então intendente municipal Major Joaquim Ulisses Sarmento. No texto da Lei nº 54, de 9 de setembro, suas atribuições também previam o combate a incêndios e o salvamento de vidas.
O grupo especializado chamado de Corpo de Bombeiros foi finalmente criado em janeiro de 1900 pelo intendente municipal Manoel de Assis Vieira Bueno, que o desmembrou da Guarda Municipal. Para o comando nomeou-se o tenente Aurélio José Chagas, que exercia a função de inspetor de veículos. Seu efetivo inicial era composto de sete homens: um sargento maquinista, dois cabos condutores e quatro soldados bombeiros.
A Corporação Municipal de Bombeiros foi reorganizada em 1912 e passou a ter seu próprio regulamento. Nos anos de 1930 adquiriu os primeiros automóveis e deixou de fazer o transporte de homens e equipamentos em muares.
A subordinação ao Poder Municipal encerrou-se em janeiro de 1963, quando um convênio com o governo Estadual repartiu seus encargos. A partir daí, passou a denominar-se Companhia Independente de Bombeiros (CIB). Ao contingente do antigo Corpo Municipal foram acrescidos componentes da Força Pública (Polícia Estadual).
O acervo recebido pelo CMU em 1986 é composto de registros da rotina da Corporação enquanto unidade Municipal. São Relatórios de Serviços (Atendimentos), Fotos de incêndios e salvamentos, Pagamentos de soldos, Solicitações de férias, Licenças, Punições, séries de Correspondência e de Publicações oficiais.
A Coletoria e Recebedoria de Rendas
A chegada da Família Real portuguesa em 1808 promoveu significativas transformações nas instituições do Brasil colônia. No âmbito econômico, as principais medidas foram: o fim das restrições e os estímulos para as indústrias locais, maior atenção à infraestrutura viária, criação do Banco do Brasil, da Junta de Comércio e das Coletorias de impostos Gerais e Provinciais.
Com a Independência, em 1822, as instituições econômicas criadas pelos portugueses foram transformadas a fim de suprirem a administração do novo governo. As mudanças ocorreram lentamente e foi durante o governo Regencial – que vai da abdicação de Dom Pedro I, em 1831, até a declaração de maioridade e a coroação de D. Pedro II, em 1841 – que se processaram algumas transformações fiscais.
A Coletoria de Rendas de Campinas foi criada pela Lei de 24 de outubro de 1834, que determinou a separação das rendas gerais (de nível nacional) das rendas provinciais (de nível regional). Suas atribuições eram, resumidamente:
- Arrecadar os impostos ligados ao consumo interno, ao comércio e aos direitos e deveres legais dos contribuintes da região, como: meia sisa e matriculas de escravos, aguardente, décima dos prédios urbanos, armazéns, botequins e tavernas, décima de legados e heranças, novos e velhos direitos, casas de leilão e modas, seges e veículos de condução etc. Além de cobrar as dívidas ativas provinciais.
- Efetuar pagamentos das despesas locais, por exemplo: pagamento de professores de escolas públicas, da guarda municipal permanente, de trabalhadores de obras públicas (estradas, pontes etc.), além de aluguéis, luzes e demais despesas dos prédios de funcionamento das repartições oficiais.
- Enviar o saldo ao Tesouro Provincial.
No Arquivo encontram-se registros de até por volta de 1910, quando o órgão já funcionava com o nome de Recebedoria. Contudo, a série que consideramos significativa é a composta de Balancetes. Estes foram escriturados por pessoas com caligrafia limpa (havia exigência da Tesouraria Provincial para os Coletores locais contratarem escrivães com essa aptidão).
Outra característica: naquela época o Ano Fiscal iniciava em Julho e terminava em Junho do ano posterior e os Trimestres Fiscais funcionavam assim: de Julho a Setembro (1º); de Outubro a Dezembro (2º); de Janeiro a Março (3º); e de Abril a Junho (4º). Somente após o advento da República foi adotado – e permanece até hoje – o critério do Ano Fiscal idêntico ao Ano Civil. Nos cabeçalhos encontram-se as identificações habituais: Nome da Coletoria e Trimestre do Ano de referência. No corpo do documento, em tabelas, discriminam-se as “rendas ou entradas”, com os títulos e valores dos impostos arrecadados; as “despesas”, com os títulos e valores dos pagos pela repartição oficial; as comissões retiradas pelo coletor e seus auxiliares; e os valores Brutos e Líquidos – estes remetidos ao Tesouro Provincial. Finalizam-se com datas e assinaturas.
Esse Arquivo foi salvo por Celso Maria de Mello Pupo, que intermediou sua destinação final ao CMU, em 1987.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro
No quarto final do século XIX, a expansão econômica do Oeste Paulista necessitou de meios de transporte rápidos e seguros para o escoamento da produção cafeeira. A São Paulo Railway – Companhia de construção e exploração de ferrovias – interessou-se apenas em manter o trecho até Jundiaí.
Liderados pelo então presidente da Província, Joaquim Saldanha Marinho, os cafeicultores reuniram-se para capitalizarem uma empresa destinada a construir e explorar os prolongamentos de Jundiaí até as mais longínquas áreas produtivas do estado de São Paulo. A 11 de agosto de 1872, após 29 meses de trabalho, inaugurou-se a primeira linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com 44 quilômetros de extensão, atingindo a cidade de Campinas.
A nova ferrovia foi um marco na união de capital privado nacional para a infraestrutura viária paulista. Depois dela, outras empresas nasceram e, em pouco tempo, as principais localidades da província recebiam as suas estações ferroviárias.
Com o passar dos anos, a Cia. Paulista construiu cerca de 1.200 km de linhas, sempre em direção ao norte e oeste de São Paulo. Na administração de Francisco Paes Leme de Monlevade ela passou a ser conhecida como uma das melhores do mundo, uma empresa conhecida pela segurança, comodidade e pontualidade.
Porém, a Paulista sucumbiu ao declínio gradativo da economia agroexportadora. Em meados da década de 1960, por iniciativa do governo estadual, a Cia. Paulista foi reunida com outras ferrovias ao grupo estatal denominado Ferrovias Paulistas SA (FEPASA).
Em 1986, uma pequena e significativa parte do Arquivo da Paulista chegou até o CMU pelas mãos de João Falchi Trinca, bibliófilo e estudioso da cidade, que havia recebido o material do amigo Pelágio Lobo, antigo advogado das empresas ferroviárias. Trata-se de 80 documentos: Pareceres, Minutas de Contratos, Abaixo-assinados, Cartas e Ofícios recebidos pela diretoria, principalmente do governo da Província e de diretorias de outras ferrovias, entre 1873 e 1893.
Apesar da quantidade relativamente pequena, os documentos são relevantes para o estudo das relações político-econômicas entre a diretoria da empresa, o governo de São Paulo, empresários, pequenos e grandes comerciantes, engenheiros, delegados e diretores de outras companhias, com destaque para a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Cerca da metade dos documentos (37) são ofícios enviadas pelo Palácio do Governo de São Paulo e tratam de: concessões de linhas; aumentos e/ou isenções de cobranças de impostos de trânsito de mercadorias; aprovações das contas pelo governo; autorizações de tráfego; estabelecimento de linhas telegráficas; remessas de impostos ao Tesouro Provincial; prazos para contratações de obras de prolongamentos; apreciações de plantas, perfis, projetos e relatórios; nomeações de fiscais de linhas e outros, entre 1876 a 1889. São documentos que revelam a relação Estado-Empresa.
Já relação Empresa-Empresas pode ser analisada na correspondência com a Cia. Mogiana. São 11 ofícios enviados pela diretoria da Paulista, que tratam de: bases para renovação de aluguéis; para renovação de contratos de serviços de baldeação; adoção de tarifas móveis em relação ao câmbio na cobrança de fretes; comunicações diversas; além de um ofício onde o Barão de Ataliba Nogueira, então Presidente da Mogiana, apresenta as condições da sua empresa para uma possível fusão entre ambas.
A existência de 2 abaixo-assinados solicitando revogação de tarifas, enviados ao presidente da Província confirma a suposição de que a política de tarifas fazia parte das decisões do governo Provincial, demonstrando assim haver restrições às relações de mercado entre as empresas ferroviárias e os usuários.
Nas relações entre empresa e fornecedores (importadoras e fábricas de vagões ou de equipamentos necessários para o trabalho) não se verifica a intervenção do governo. Os poucos documentos entre as partes não nos permite afirmar a existência de imposições ou regulamentos, mas, por inferência, as necessidades de modernizar, comprar novos equipamentos e melhorar o atendimento aos usuários eram questões resolvidas pela administração das Companhias.
Prontuários da 7ª Circunscrição Regional de Trânsito
A história do atual Departamento Trânsito do Estado de São Paulo (DETRAN-SP), responsável pela fiscalização de veículos e condutores de veículos é antiga. Suas origens remontam à antiga Diretoria de Serviço de Trânsito do Estado de São Paulo, criada em meados da década de 1930.
O crescimento de Campinas e das cidades que hoje compõem a sua Região Metropolitana justificou a solicitação por maior autonomia e descentralização dessas atividades. Em fins de 1981, por meio de um acordo dos governos Estadual e Municipal, foi criada a CIRETRAN de Campinas, que passou a atender a população local e dos municípios da região.
Uma parte de registros antigos (1935) antes arquivados em São Paulo foi doada ao CMU em 1986 e é constituída de 120 prontuários de motoristas. Os principais documentos são: Exames e Atestados médicos, Guias de recolhimentos fiscais, Guias de pagamentos, Laudos periciais de acidentes, Fichas pessoais com dados cromáticos, Cartas de motoristas em vários modelos, Autos de infrações e multas, Boletins de acidentes e Tabelas de taxas e emolumentos.
Concluindo, salienta-se a importância dos dossiês da Cia. Paulista, da 7ª CIRETRAN e dos Arquivos da Coletoria e Recebedoria de Rendas e do Corpo Municipal de Bombeiros para quem estuda ou quer conhecer um pouco mais da história da cidade. A Área de Arquivos Históricos do CMU sempre estabeleceu uma relação favorável entre o pesquisador e o acervo, tornando esses e outros conjuntos documentais conhecidos e acessíveis ao público. Vamos à pesquisa!
Referências Bibliográficas
ABRAHÃO, Fernando Antonio. Os balancetes da Coletoria de Rendas Provinciais de Campinas. In: Boletim do CMU, v.2 n.4, p.24-28, jul/dez 1990.
ABRAHÃO, F.A. Inventário Sumário do Fundo Corpo Bombeiros de Campinas. In: Boletim do CMU. Campinas, v.3 n.5, p.50-53, jan/jun 1991.
ABRAHÃO, F.A. Os prontuários da 7ª Circunscrição Regional de Trânsito. In: Boletim do CMU. Campinas, v. 3, n. 6, jul/dez 1991.
ABRAHÃO, F.A. A correspondência passiva da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. In: Boletim do CMU. Campinas, v. 4, n. 7/8, p.77-84, jan/dez 1992.
Professor Fernando Abrahão: bom dia! Relatos e artigos apresentados pelo Sr. Professor e demais membros do IHGGC, constituem verdadeiras aulas de história onde não somente os fatos, mas também as interações entre a cultura, os costumes e as tradições são apresentadas aos leitores de maneira didática. Sobre as ferrovias, tomo a liberdade de enviar-lhe um breve relato sobre o início profissional de meu bisavô Albino da Silva Espíndola que começou na estação de Cachoeira da Ferrovia Paulista, atual Vinhedo (anexo 1 , pesquisa de Ralph M. Giesbrecht, ) e logo após ingressou na Mogiana em Casa Branca, constituindo uma família de ferroviários que trabalharam em várias Estações nessa ferrovia. Um de seus filhos, Tancredo (meu avô), escreveu para o Jornal de Casa Branca em 1954 (anexo 2) um breve relato da vida ferroviária de Albino. No anexo 3, a foto de meu bisavô Albino, pioneiro das ferrovias Paulista e Mogiana. As fotos nos anexos 4 e 5 , mostram Tancredo (ao lado da irmã Elisa) em época de início de seu trabalho na Mogiana e um relato (cópia do Boletim do extinto Centro Ideal Ferroviário de São Paulo) sobre sua trajetória nesta ferrovia em seus 33 anos de trabalho. Naquele período, trabalhando em diversas Estações da Mogiana, meu avô Tancredo escreveu um diário, composto de 7 cadernos escritos a nankin, relatando fatos do dia a dia de trabalho, onde pode ser encontrada parte da história da Cia.Mogiana de Estradas de Ferro. Aos Historiadores do IHGG: parabéns pelos posteres e pela qualidade de vossos artigos. Paulo Espíndola Trani ________________________________
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Caríssimo Paulo Trani.
Sua opinião nos é muito importante e suas palavras são incentivos para todos nós. Agradeço em nome do IHGG.
Quero conhecer os anexos. Ainda não os recebi.
Peço que nos envie os anexos para o e-mail ihggcampinas@gmail.com
Abraço, Fernando Abrahão.
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