The A.A. Ponte Preta stadium at Júlio de Mesquita Avenue, Campinas, SP, Brazil.
Por Gilberto Gatti – jornalista. Sócio correspondente em Brasília, DF, e Fernando Antonio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da Cadeira 11 do IHGG Campinas.
Em julho de 2011, a professora Dra. Maria Carolina Boverio Galzerani, então diretora do Centro de Memória – Unicamp (CMU), o historiador Dr. Antonio Carlos Galdino, diretor do Arquivo Público de Campinas e nós, autores, formalizamos ao Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (CONDEPACC), um Pedido de Tombamento (Nº11/10/34818) para preservação do bem público de valor cultural, localizado entre as ruas Guilherme da Silva e Alferes Domingos, no Cambuí.
Trata-se de um Muro de alvenaria, com medidas aproximadas de 65 metros de comprimento e altura variável de 5 metros na sua parte mais elevada e 90 centímetros em sua parte mais baixa – considerando medições realizadas tomando dois pontos na rua Alferes Domingos como referências.
Imagens do Muro de arrimo nas ruas Guilherme da Silva e Alferes Domingos, Cambui, 2017.
O Muro em questão é remanescente do antigo Stadium da Associação Atlética de Campinas (AAC), agremiação esportiva que funcionou de 1921 até 1927. Trata-se do primeiro complexo poliesportivo da cidade de Campinas, constituído de piscina para a prática de polo aquático e natação, rinque de patinação, pista e tanque de areia para saltos, quadra de basquete, campo de futebol e pista circular para atletismo.
Selecionamos trechos de reportagem do jornal Diário do Povo, veiculada na edição de 15 de fevereiro de 1927, que descreve com detalhes a composição da praça:
(…) sociedade esportiva que se ergue soberbamente no largo de Santa Cruz, dominando uma área de 20 e tantos mil metros quadrados, a maior parte com frente para a linda avenida Augusto Cezar, a aristocrática avenida Paulista de Campinas. As instalações são magníficas: um prédio artístico todo cheio de torções, sacadas e patamares. Por dentro, ricas colunas, teto de estuque, ricos florões e relevo de gesso. O Salão Nobre deslumbra. A iluminação encoberta é de efeito surpreendente.
(…) Campos para esporte tem ali de tudo e organizados com arte e gosto. Logo na frente do prédio se estende um rinque de patinação, todo circundado por um lindo passeio ornado de pérgula e balaustrada. Ao lado, um campo igual, com saibro, para exercício de peso, atletismo, etc.
(…) Na frente do parque, fazendo entrada pela avenida Augusto Cezar ergue-se um majestoso portão monumental. Majestoso, sim, porque não dizê-lo? Igual, tão vistoso assim, nenhum dos ricos clubes do Rio ou de São Paulo o possuem. Nenhum! Ao lado desse portal está localizada a piscina de natação de tamanho regulamentar para o jogo de polo aquático.
(…) Há ainda um campo de tênis todo fechado, de acordo com as regras e com instalações para o jogo de basquete; um campo de futebol, cuja terraplenagem ficou em mais de 20 contos de réis.
(…) O terreno é todo murado e em grande parte com muros novos seguindo o mesmo estilo do prédio (…).
Não há registro fotográfico do prédio sede, mas, felizmente, há do campo de futebol, de atletas, torcida e das imediações.


Em 1927, a praça esportiva passou para a propriedade da Associação Atlética Ponte Preta (AAPP). Essa incorporação pode ser verificada no acervo judicial sob a guarda do CMU. Há uma ação de cobrança de dívida hipotecária, datada de 1926, envolvendo André Massini e a AAC. Massini informou ter emprestado aos diretores da AAC, em 1925, a quantia de 100 contos de réis, e que esses se obrigaram a pagar o débito em quatro parcelas semestrais, com juros de 12% ao ano, oferecendo como garantia, justamente, o imóvel. Sem receber os pagamentos das parcelas, Massini pediu o procedimento de penhora no imóvel e bens hipotecados. O processo se arrastou até 1927, quando, em comum acordo das partes, o complexo passou da AAC para a AAPP. Neste ground, de onde resta apenas o Muro divisório com função de arrimo, a Associação Atlética Ponte Preta realizou 75 partidas oficiais.
Todavia, o mesmo imóvel reaparece em outra execução de hipoteca datada de 1931, desta vez tendo como autor o Doutor João Penido Burnier, então presidente da AAPP. Nessa nova ação, Burnier pediu a execução de penhora do agora Stadium da AAPP, pois que a associação havia contraído com ele um empréstimo de 200 contos de réis e dado o imóvel como garantia hipotecária. Executada a ação, a praça esportiva foi demolida e em seu local estabelecido, já em 1933, o empreendimento imobiliário denominado Vila Júlio de Mesquita, com 47 lotes e duas ruas projetadas, que receberam, posteriormente, as denominações de Pedro de Magalhães e Alferes Domingos. O novo perfil da ocupação imobiliária, ditado pela demanda de edificações de alto padrão, valorizou os lotes do bairro e condenou a praça poliesportiva.

Outros dois documentos encontrados no Arquivo Público Municipal são significativos da história do Stadium que foi da AAPP:


A literatura histórica de Campinas praticamente ignora essa importante praça de esportes do início do século XX e a maior parte dos moradores do bairro, atualmente, não identifica o Muro como o remanescente de um estádio com as proporções e afluência significativas. Assim, cumpre-nos dar conhecimento dessa face da nossa história e incluir neste pequeno artigo uma citação esclarecedora de Sérgio Rossi, presente na obra História da Associação Atlética Ponte Preta:os primeiros 35 anos, 1900/1935, à página 253:
Com o passar dos anos, todo o quarteirão foi retalhado, vendido em lotes, finas residências foram surgindo, restando hoje, como remanescente daquele glorioso passado, apenas um pedaço de muro divisório do antigo estádio com a rua Guilherme da Silva, adentrando em curva pelas atuais vias Alferes Domingos e Pedro Magalhães.
Referências
ARQUIVOS do Instituto Penido Burnier. Vol. 52, fascículo único, março de 2010.
ROSSI, Sérgio. História da Associação Atlética Ponte Preta: os primeiros 35 anos, 1900-1935. Campinas: R. Vieira Gráfica Editora, 1989.
Acervo do jornal Diário do Povo.
Arquivo Público de Campinas (acervo de plantas de edificações).
Centro de Memória – Unicamp (acervo judicial).
Excelente o seu trabalho sobre a antigo campo da AAPP. Sugestão: por que você não o transforma numa espécie de livreto. Cordialmente, Duílio.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Que interessante matéria! Moro nessa rua e nem imaginava o que foi antes. Um motorista me falou a respeito e então procurei a respeito. Obrigada por compartilhar.
CurtirCurtir
Obrigado pela mensagem, nos faz trabalhar ainda mais.
CurtirCurtir
ótimo, não havia lido !! como disse prof Duílio transforma em livreto
CurtirCurtir