Arilda Inês Miranda Ribeiro – professora de educação da UNESP, pesquisadora. Titular da Cadeira 20 do IHGG Campinas.
Resumo
O artigo apresenta vestígios sobre a Educação Liberal em Campinas no final do período Imperial brasileiro. Aponta contribuições dos ideais libertários para o processo de desenvolvimento da educação no município e as transformações sociais que o acompanharam. Ao final, desvela importantes momentos sobre a educação feminina, destacando contribuições dos/as “libertários/as” e o “repasse” da responsabilidade da instrução de meninas para a iniciativa de particulares.
Notes on Liberal education in Campinas at the end of the Empire
Abstract:
This article presents trace elements of Liberal education in Campinas at the end of the Brazilian Imperial period. It points out the contributions of libertarian ideals to the process of development of education in the municipality and the social transformations that accompanied it. In the end, it reveals important moments of women’s education, highlighting the contributions of “libertarians” and the “transfer” of the responsibility of girls’ education to private institutions.
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Campinas, às vésperas de completar 250 anos (faltam dois anos!) é atualmente, uma das cidades com maior desenvolvimento educacional no Brasil. Atrai estudiosos de diversas áreas dos saber em suas universidades, faculdades e polos de referências em pesquisa. Neste sentido, nela tudo se move: a ciência, a cultura, a tecnologia. Mas como será que tudo começou?
Fundada em 1774, a cidade se desenvolveu inicialmente sob a égide da economia do açúcar. É preciso ressaltar que a cana de açúcar, foi durante o final do século XVIII e início do XIX a economia preponderante no nordeste brasileiro e na região sudeste nas cidades de Itu e Campinas.
No entanto, Campinas ganhou destaque no cenário nacional a partir da segunda metade do século XIX, com a cultura cafeeira. O “ouro verde” foi por excelência, o motor econômico desta expansão e se espalhou vertiginosamente pelo Oeste Paulista, responsável a certa altura, por 70% da exportação brasileira (PRADO JR, 1976; ABRAHÃO, 2019).
O café enriqueceu rapidamente muitos fazendeiros e Campinas cresceu e atraiu comerciantes e imigrantes liberais para residirem na urbe.
Campinas sempre foi uma localidade atraente para os imigrantes. Excetuando-se os portugueses, os primeiros estrangeiros residentes na região trabalharam inicialmente nas expedições científicas europeias das décadas de 1820-1830, como foram o francês Hércules Florence na então Vila de São Carlos e o alemão Carlos Engler em Itu. (ABRAHÃO, 2019, p. 15).
A maioria desses imigrantes se transformaram em lideranças de destaque na política brasileira: “Em 1872 a cidade possuía oito dentistas, dez médicos, sete hotéis, dezoito açougues, dois tipógrafos e vinte e cinco advogados”. (Almanaque de Campinas, 1872 in: Gazeta de Campinas, 7/4/1872). Este grupo, mesclado de fazendeiros, imigrantes, comerciantes fazia efetiva oposição à manutenção da monarquia, no momento inicial da fundação e da pregação republicana. Eram, invariavelmente, maçons que se utilizavam de suas “Lojas” (a primeira foi a Independência) como centros de encontros de partido político. Intensas e concretas foram às estratégias de divulgação de seus ideais à população emergente: entre elas, fundaram jornais (A Gazeta de Campinas, O Diário de Campinas) Boletins, Revistas e Almanaques, entre outros.
Também criaram às suas expensas, visto que possuíam condições financeiras avantajadas para isto, benemerências para com os empobrecidos, órfãs e necessitados. Além disso, fundaram uma plêiade de instituições, tais como: clubes, associações culturais, musicais, religiosas, sanitárias, hospitais, associação de lavradores. Dentre estas iniciativas, destacamos a criação, sob suas subvenções, de instituições escolares. Uma profusão de escolas privadas, particulares, internatos, externatos, beneficentes, filantrópicas, de imigrantes, para meninas e meninos surgiram a partir de 1860. Seus objetivos? Denunciar as mazelas do ensino imperial existente! Em seus discursos e edificações culturais e educativas, se contrapunham ao governo vigente, criticavam nos jornais à forma como que as instituições monárquicas, na pessoa de D. Pedro II, conduziam o terreno do conhecimento, vistas na época com graves deficiências e diminuta. O novo grupo político em ascensão, os republicanos, visibilizavam a Educação, entre outros aspectos essenciais a emancipação, como o meio privilegiado de difusão do saber para que indistintamente, todos pudessem ser livres, ou em outras palavras: transformá-los-ia em “cidadãos de um novo Estado a ser constituído.” (MORAES, 1982, p. 234). Mais tarde, destituído o monarca, seriam eles, os republicanos emergentes, os dirigentes deste novo aparelho do Estado.
Assim as três últimas décadas do século XIX, marcou um período de tentativas de sistematização desta nova política educacional, escolarizada, realizada majoritariamente com o apoio financeiro de fazendeiros do café, imigrantes citadinos, republicanos, liberais e maçons. Sob suas influências foram criadas inúmeras escolas de estudos primários e secundários, destinados à elite masculina e feminina, crianças brancas empobrecidas e em número reduzido, escolas para negros escravos. Neste sentido, é preciso ter clareza de que a expansão do Ensino em Campinas, não se fez com a iniciativa individual e isolada de criação de escolas, mas como parte fulcral do corolário republicano.
Outro fator que facilitou a liberdade de instituir o ensino particular diz respeito ao Ato Adicional de 1834 que desobrigou as províncias de entregarem os relatórios ao governo central. Cada escola redigia as normas que lhe parecesse cabível. Como o Governo Central destinava verbas diminutas ao ensino, pouco poderia exigir da iniciativa privada. Mesmo a Reforma Couto Ferraz de 1854, que deveria primar pela fiscalização e controle deste ramo de instrução, se fez inócua: “na prática, o ensino particular se mantém livre da supervisão do poder público em virtude da inoperância de fiscalização e da crença de que a total liberdade de abrir escolas favorecia a expansão do ensino particular.” (FERREIRA, 1982, p.176).
Em outro trabalho (RIBEIRO, 2006) já afirmávamos que proporcionar ensino gratuito às camadas desfavorecidas, criar suas próprias escolas sem prestar contas à Monarquia era um dos principais posicionamentos de combate que a ala radical dos liberais praticava. A cidade de Campinas já havia dado provas anos atrás que era reduto da resistência liberal. No Combate da Venda Grande (1842) ficou registrado na história, por exemplo, o levante que contou com fazendeiros e liberais da região que estavam insatisfeitos com o governo central e se insurgiram. Foram neste local, presos pelos soldados da Guarda Nacional Monárquicos, que se localizava nos arredores da cidade.
Esta mesma ala liberal, formada e ativa desde 1868, através do Jornal Opinião Liberal unia o liberalismo e a causa democrática. Expoentes como Rangel Pestana e Luís Monteiro, se tornariam republicanos responsáveis por mudanças substanciais na política brasileira. Quando em 1869 fixavam as metas republicanas, se destacariam a descentralização, o ensino livre, uma política eletiva, a extinção da guarda nacional, etc. (FAORO, 1976,). Seriam eles, republicanos e liberais e maçons que fundariam escolas gratuitas para as camadas mais baixas de poder aquisitivo. Entre estas escolas: As aulas noturnas da Loja Maçônica Independência, as aulas do Asyllo de Orfãs. Acrescidas a estas, foram criadas pelas associações particulares e beneficentes, cursos noturnos de alfabetização e profissionalizantes para adultos (FERREIRA, 1982).
Alguns fazendeiros tiveram a iniciativa de criarem escolas para seus escravos, como já mencionado, o que à primeira vista parece não ser compatível com o ideal da liberdade dos republicanos. É o caso do Capitão Bento Dias de Almeida Prado:
A escola começou com 20 alumnos, sendo 15 ingenuos e 5 adultos captivos, havendo aulas durante o dia e, pelo que ali se observa, os resultados produzidos até hoje são os mais satisfatórios pois os alunos lêem, escrevem, e contam já com alguma presteza. (A Gazeta de Campinas, 25/02/1883).
As primeiras escolas particulares em Campinas
Até 1854, havia poucas instituições de ensino no município. A cultura canavieira se restringia ao campo, não havia necessidade de instrução. Do que temos conhecimento até o momento, havia o Colégio São João, de propriedade do Professor João Brás da Silveira Caldeira; O Colégio do Professor João Baptista Pupo de Morais, na Fazenda Laranjal, em Joaquim Egydio; as escolas dos Professores Malaquias Ghirlanda, de Joaquim Roberto Alves e outros, de acordo com o Professor Carlos F. de Paula, em Monografia Histórica do Colégio “Culto à Ciência” (MORAES, 1982, p. 110). Muitas famílias abastadas optavam por colocar seus filhos em internatos ou contratar preceptore(a)s particulares, como foi o caso da alemã, Ina Von Binzer, na Fazenda do Senador Vergueiro (BINZER, 1982).
Nesta época a população campineira carecia de instrução e da criação de escolas. O Governo provincial oferecia apenas parcas cadeiras no ensino primário. Em 1876 o editorial do Diário de Campinas mencionava que a iniciativa particular era um modelo que devia ser seguido pelo poder público:
A absoluta necessidade de instrucção é hoje felizmente, uma cousa que todos reconhecem. (…) No Brasil, não chegam à instrução ao ponto desejado, mas há batalhadoras infatigáveis nessa cruzada em prol da luz. (…) Isso vem aqui, a propósito dos belíssimos resultados obtidos em todos os colégios e escolas desta cidade. (O Diário de Campinas, 24/12/1876).
Primeiros passos para a Educação Feminina
Não há notícias de escolas destinadas à educação das mulheres, até o ano de 1860. No ensino secundário havia apenas o Colégio “Nossa Senhora do Patrocínio” em Itu, fundado em 1858, com mensalidades elevadas e claramente destinado à vida intramuros. Aliás muitos pais resistiam a ideia de colocar suas filhas nesta instituição com receio de virarem freiras, dispensando casamentos acertados economicamente.
O Colégio “Cezarino” ou Colégio “Perseverança” foi o primeiro que surgiu em 1860 em Campinas em regime de internato e para meninas desfavorecidas. Fundado pelas irmãs Bernardina e Amância Cesarino, ensinava ler, escrever, contar, gramática nacional e francesa, geografia, música e prendas domésticas. Em 1872, Manuel Ferraz de Campos Salles, futuro presidente do Brasil, diria sobre esta instituição: “O colégio Perseverança dirigido por uma família, que no seio das contrariedades da proeza soube educar-se e elevar-se à nobre missão de preceptora da comunidade” (Gazeta de Campinas 29/12/1872). No mesmo jornal, Américo Brasiliense elogiava as alunas, que infelizmente terminados os estudos, deveriam ficar restritas ao espaço doméstico: “dando por finda sua educação tinham que retirar-se do colégio para o seio de suas família” mas que “não se divorciassem dos livros” pois “a mulher instruída é um poema de enlevos para o homem e a sociedade”. Ou seja, que as estudassem, mas com o fim último de cuidar de sua casa, de seu marido. Este era o ideal feminino durante o século XIX, período da era vitoriana, da castidade e do puritanismo. Dez anos depois a escola contava com mais de 30 alunas. Em 1883 o jornal “A Gazeta de Campinas” diria: “Muitas meninas orphans pobres, têm recebido ali naquele colégio, há mais de vinte anos educação, ensino e os meios de subsistência, formando-se ao influxo d`aquelle excelente regimem, virtuosíssimas mães de família” (7/4/1883). Os jornais enfatizavam as solenidades dos exames do final do ano. Os republicanos compareciam e exaltavam a qualidade e o progresso das alunas. Infelizmente depois deste ano o Colégio desaparece.
Outra instituição feminina que merece destaque é o Colégio Florence, objeto de nossos estudos de Doutoramento. Fundado em 03 de novembro de 1863 por uma dedicada educadora alemã, protestante, natural da cidade de Cassel. Mary Carolina Krug Florence estudou em Altona, na Suíça, com discípulo de Pestalozzi, criador da Pedagogia Moderna, fundamentada no método intuitivo de Comenius (RIBEIRO, 2006). A Educadora veio para o Brasil em 1852 e se casou, com 24 anos de idade, em 1854, com o viúvo e pai de sete filhos, Hércules Florence, inventor da Fotografia e posteriormente professor de Desenho na instituição. Teve auxílio de seu irmão o farmacêutico, Jorge Krug, maçon, liberal e republicano para edificar sua escola na Rua das Flores (hoje José Paulino). Começou com sete alunas e ensinava inicialmente apenas a ler, escrever, contar, história pátria, aritmética, geometria, desenho, música, doutrina cristã e prendas domésticas.
Durante o seu desenvolvimento, o Colégio Florence incluiu o regime de internato e externato. A cada ano recebia filhas de fazendeiros, comerciantes, políticos da cidade e da região. Em média de 70 a 80 alunas por ano. Seu corpo docente, além da diretora e de seu esposo Hércules Florence, contou com uma plêiade dos melhores professores de Campinas: Francisco Rangel Pestana, Francisco Caldeira, Júlio Ribeiro, Amador Florence (filho de Hércules Florence, do seu primeiro casamento), João Kopke, Francisco de Almeida Salles, Laura Tell, Padre José Joaquim Vieira, Miguel Alves Feitosa, Campos da Paz, Theodoro Jahn, Emílio Henking, Emílio Giorgetti, Miquelina Pinto Ferraz e suas filhas Isabel e Augusta, além de sua irmã Anna. Carolina Florence se dirigia frequentemente a Europa para contratar professoras europeias. Entre elas, Guilhermina Brodd, Frau Catarina Huffenbecher e Matilde Beyrodt. Entre as alunas de destaque, durante os vinte e cinco anos que permaneceu em Campinas citamos Maria Monteiro, cantora lírica que foi descoberta por D. Pedro II em uma de suas visitas ao Colégio Florence.
Tivemos n’essa ocasião ensejo de admirar a mais fresca, bela e symphatica voz de contralto que de há muito nos é dado ouvir. (…) voz da gentilissima menina, que conta com apenas 15 annos, e possue já uma adorável voz e canta com a máxima correção e sentimento. (…) S.M.o Imperador (…) externou agradável impressão que recebera e teve esta frase: Esta menina pode vir a ser uma grande cantora. (Diário de Campinas, 03/11/1886).
Deu-lhe, o Imperador inclusive, logo depois, uma bolsa de estudo para a Itália, onde se tornou, como previu o monarca, uma cantora de grande expressividade. Viveu na Europa dos dezesseis aos vinte e seis anos de idade, falecendo prematuramente devido a uma pneumonia mal curada. Também estudaram na instituição as irmãs de Santos Dumont. Sophia Dumont é citada na atuação das atividades de final de ano do Colégio Florence. Em 1886, a escola registra 80 alunas frequentando e uma biblioteca de mil volumes. O Jornal noticiava as provas e exames entremeados com peças de música, executadas ao piano, coros e poesias em português e línguas estrangeiras. “(…) Recitaram trechos da Tragédia Infantil de Guerra Junqueiros: Antonietta Moraes, Arnalda Cintra, Leonor Barreto, Sophia Dumont, Nerina Almeida, Delphina Cintra. (…)” (A Gazeta de Campinas, 16/12/1886).
Com o advento da Febre Amarela, Carolina Florence transfere a instituição para a cidade de Jundiaí para proteger suas alunas.
De uma maneira geral, tanto a educação feminina como outras propostas educativas continuavam escassas durante o Império e obra dos particulares. Tanto que em 1884, o Conselheiro Leôncio de Carvalho diria que “pouco se cuida do sexo feminino, para o qual existem em todo o país 1.315 escolas” (MORAES, 1982, 110). Nesse sentido, embora lacunas sejam visibilizadas nesse processo, pode-se destacar que a partir da iniciativa do ideal liberal houve um movimento em prol da educação que contribuiu para a transformação social campineira.
Referências e fontes:
PRADO JR., C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976.
ABRAHÃO, F. A. Riqueza e mobilidade social na economia cafeeira: Campinas, 1870-1940. Campinas: Pontes editores, 2019.
BINZER, I. V. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma alemã no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
FAORO, R. Os donos do poder. 3ª ed. Porto Alegre: Globo, 1976
FERREIRA, S. B. B. X. A expansão escolar campineira e a grande lavoura do fim do império (1860-1889). Campinas: Unicamp, 1982 (Dissertação de Mestrado)
MORAES, C. V. de O ideário republicano e a educação: O Colégio Culto à Ciência de Campinas (1869-1892). Campinas: Unicamp, 1982.
RIBEIRO, A.I.M. 2006. A educação feminina durante o século XIX: o Colégio Florence de Campinas (1863-1889). 2ª ed. Campinas: CMU/Unicamp, 2006
Almanaque de Campinas de 1872
Jornal A Gazeta de Campinas
Jornal O Diário de Campinas
O seu artigo é muito bem redigido e contêm informações relevantes para se compreender o desenvolvimento do contingente feminino em nossa cidade, durante o século XIX e início do XX, esclarecendo as dificuldades que as jovens mulheres, vindas das classes populares e que queriam estudar, precisavam enfrentar.
Mesmo assim, muitas conseguiram uma boa formação e ocuparam postos importantes nas instituições educacionais campineiras. Sugiro que você selecione algumas dessas mulheres corajosas e lutadoras e construa pequenas histórias de vida das lutadoras pela educação que atuaram em nossa cidade.
Seria interessante ressaltar as irmãs de origem afro-brasileira que, vindas de Minas Gerais se preocuparam com as meninas negras e fundaram uma instituição educacional que as recebia e formava para enfrentar a vida numa sociedade intensamente discriminadora como a nossa.
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