Bruno Gabriel Witzel de Souza – Pesquisador associado ao Instituto de História Econômica e Social da Universidade de Göttingen; membro do Ibero-Amerika Institute. Sócio correspondente do IHGGC em Gottingen, Alemanha.
Resumo:
Durante o XIX Congresso Mundial de História Econômica (25-29 de julho de 2022), o projeto “Trabalho, vivências e imigração em uma plantation brasileira: os arquivos da fazenda Ibicaba (1847-1975)” recebeu o prêmio Humanidades Digitais, categoria Divulgação Científica da Associação Francesa de História Econômica (AFHE). O Projeto Ibicaba criou um novo arquivo de documentos históricos na referida fazenda e digitalizou-os como parte do Modern Endangered Archive Program, uma parceria entre a Universidade da Califórnia, Los Angeles, e o Arcadia Fund. A AFHE concedeu o prêmio ao projeto pelo caráter massivo da digitalização e pelo uso, já demonstrado – e discutido neste artigo –, de seu conteúdo para fins de popularização científica. Objetivando discutir algumas inovações no uso de tecnologias e métodos digitais em história econômica e social, este artigo apresenta ainda um panorama dos demais projetos participantes nas sessões sobre as Humanidades Digitais nas categorias Inovação Digital e Divulgação Científica.
Project “Labor, livelihood, and immigration in a Brazilian plantation” & the Digital Humanities Competition of the World Economic History Congress
Abstract:
In the 19th World Economic History Congress (July 25-29, 2022), the project “Labor, livelihood, and immigration in a Brazilian plantation: the archives of Ibicaba farm (1847-1975)” received the Digital Humanities Prize, category Science Outreach from the French Association of Economic History (AFHE in the French acronym). The Ibicaba Project founded a new archive with historical documents in that plantation and digitalized them as part of the Modern Endangered Archive Program, a partnership between the University of California, Los Angeles, and the Arcadia Fund. AFHE awarded the prize for the project’s massive scale of digitalization and for the already demonstrated use of its content for purposes of scientific outreach, as presented in this article. With the goal of discussing some innovations in the use of digital technologies and methods in economic and social history, this article also gives an overview of the other projects that took part in the Digital Humanities sessions, categories Digital Innovation and Science Outreach.
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O projeto “Trabalho, vivências e imigração em uma plantation brasileira: os arquivos da fazenda Ibicaba (1847-1975)”[1] recebeu o prêmio Humanidades Digitais, categoria Divulgação Científica, organizado pela Associação Francesa de História Econômica (AFHE) durante o XIX Congresso Mundial de História Econômica, realizado em Paris entre os dias 25 e 29 de julho de 2022.
O Projeto Ibicaba produziu cerca de 75 mil imagens de alta resolução, em dois formatos diferentes, para os mais de 200 livros de contabilidade, livretos, cadernetas e documentos históricos que agora constituem o novo arquivo de Ibicaba, criado na própria fazenda pelo projeto. Os detalhados dados que serão derivados deste novo arquivo, em grande medida coletados a nível individual e diariamente, cobrem um período de aproximadamente 150 anos e referem-se principalmente à contabilidade de trabalhadores rurais e à administração da fazenda. Essas fontes fornecerão dados inéditos sobre bem-estar econômico, produtividade do trabalho e desigualdades sócioeconômicas em momentos decisivos da história brasileira. Para além deste potencial de pesquisa científica, outro resultado central do projeto foi a preservação dos documentos na própria fazenda em que foram produzidos, formando um importante patrimônio histórico no interior paulista. Em linha com as metas de preservação do patrimônio cultural em projetos de Humanidades Digitais, o material deste novo arquivo já tem sido utilizado para promover o turismo histórico na região de Cordeirópolis (SP) e para fomentar novas ferramentas pedagógicas para o ensino de história local, relacionando-a à história brasileira e global nos séculos XIX e XX.
Ao eleger o Projeto Ibicaba para o Prêmio Humanidades Digitais, categoria Divulgação Científica, a Associação Francesa de História Econômica salientou o maciço processo de digitalização em Ibicaba e suas diversas contribuições à popularização do conhecimento científico nas áreas de educação, artes e desenvolvimento local.
O Prêmio Humanidades Digitais
Ao sediar a 19. edição do Congresso Mundial de História Econômica em Paris, a Associação Francesa de História Econômica estabeleceu, organizou e financiou a Competição Humanidades Digitais, contando também com o apoio institucional da Associação Internacional de História Econômica (IEHA) e da Cambridge University Press.
De início, a AFHE abriu uma chamada de submissões para dois tipos de projetos relacionados às Humanidades Digitais em história econômica: a categoria Inovação Digital focou-se em tabalhos que utilizassem novas ferramentas e/ou métodos em diferentes tipos de pesquisa, inclusive em trabalhos já publicados; a categoria Divulgação Científica, por sua vez, visou projetos de divulgação do conhecimento científico para um público mais amplo, não-acadêmico, e que fizessem uso de vários instrumentos de popularização.
O comitê estabelecido pela AFHE – Profa. Manuela Martini (Université Lyon 2 Lumière), Prof. Frédéric Clavert (Université de Luxembourg), Dr. Sébastien Pautet (Université de Paris Cité), Dr. François Rivière (Université Paris 1 Panthéon Sorbonne) e a Dra. Francesca Sanna (Université Paris Est Créteil) – selecionou dez finalistas para apresentarem seus trabalhos durante o congresso. A cada projeto foi garantida uma apresentação de dez minutos e uma breve rodada de perguntas. Os projetos selecionados tiveram ainda a oportunidade de enviar uma apresentação automática de três minutos, que foi transmitida durante todo o evento no salão do Grand équipement documentaire, Campus Condorcet. Dado que a competição de pôsters e o pavilhão de livros do evento localizavam-se no mesmo salão, as apresentações automáticas alcançaram ampla audiência.
O prêmio foi entregue pela Profa. Manuela Martini na Cerimônia de Premiação, que tradicionalmente precede o encerramento dos congressos mundiais de história econômica. O júri premiou dois projetos na categoria Inovação Digital (ex-aequo): “AveTransRisk database” & “Mass digitization of historical tables” (vide detalhes abaixo). O Projeto Ibicaba venceu na categoria Divulgação Científica.

Categoria Inovação Digital
A sessão relativa às inovações digitais ocorreu no dia 27 de julho de 2022, das 12:45 às 13:45 no Centre de Colloques.
O Dr. Antonio Iodice apresentou o projeto “The AveTransRisk Database: Mapping trade, risk, and disasters in the first globalization (16th-18th centuries)”[2]. Contando com vasto time de pesquisadores coordenado pela Profa. Maria Fusaro (Universidade de Exeter), este projeto, financiado pelo Conselho Europeu de Pesquisa (ERC), utiliza-se de um instrumento legal chamado “General Average” para estudar o desenvolvimento de instituições e do comércio internacional entre os séculos XVI e XVIII. De acordo com as definições do projeto, “averages” eram desembolsos relacionados a viagens marítimas que incluíam danos e perdas voluntárias e involuntárias a navios e/ou cargas; estas perdas eram cobertas ou pelo proprietário da embarcação ou pelas partes interessadas. O projeto levantou dados em Arquivos de grandes portos europeus (Gênova, Pisa, Veneza, Sevilha, Bilbau, Malta e outros na França, Bélgica e Holanda). O resultado é uma vasta base de dados sobre embarcações, cargas, riscos envolvidos e instrumentos para lidar com eles. A plataforma online desenvolvida inclui mecanismos de busca para as diversas averages, assim como para viagens, eventos, portos, embarcações, pilotos e mestres, relatórios e subscritores/seguradoras; além disso, o acervo inclui mapas de portos e eventos de 1500 a 1900. O banco de dados é bastante intuitivo.
O projeto “Detecting global financial crises over history: a multivariate nonlinear denoising strategy” foi apresentado pela Profa. Cécile Bastidon (Universidade de Toulon & NBER)[3]. O time de pesquisadores é parte do projeto Cliometrics and Complexity do Institut Rhônalpin des Systèmes Complexes – ENS Lyon. A meta é aplicar novos métodos estatísticos e um instrumento de processamento de sinais que permitam identificar crises financeiras (globais). O processo de detecção é inteiramente determinado pelos próprios dados, mas o método é bastante parciminioso quanto aos dados requeridos, especialmente se comparado a métodos alternativos. O projeto combinou dados de preços de mercados financeiros de 32 países cobrindo um período de 40 anos, a partir dos quais uma nova metodologia em três etapas foi desenvolvida para identificar e classificar vários tipos de crise. O método provou-se bastante acurado em sua habilidade de identificar as principais crises do período coberto pelas informações. Todo o material desenvolvido está disponível online, incluindo discussões completas de metodologia e aplicações.
O engenheiro de dados Paul Girard apresentou os projetos “GeoPolHist”[4] e “RICardo”[5]. O primeiro baseia-se em uma questão tão simples quanto central para pesquisas que envolvam longos períodos de tempo: “o que é um país?” O projeto faz uso dos dados de Correlates of War para identificar várias unidades geopolíticas e seus status políticos a partir de 1816, fornecendo categorizações que podem ser usadas para pesquisa (por exemplo, “maior número de soberanos”, “maior número de colônias”, ou “extintos mais recentemente”). RICardo, por sua vez, é um consórcio de pesquisadores baseados na Science Po que objetiva criar um banco de dados exaustivo sobre a história do comércio internacional. Sua declaração de metas inclui estender a cobertura geográfica e temporal dos dados sobre comércio bilateral e apresentá-los a partir de múltiplos métodos de visualização de dados para facilitar o acesso do público não especializado. A plataforma online permite que os pesquisadores categorizem os dados por período histórico, por unidades geopolíticas e por importações e exportações. A tab “data” inclui uma lista bastante intuitiva das fontes utilizadas e da cobertura histórica das várias unidades geopolíticas. Ao fim de sua apresentação, o Sr. Girard comentou sobre o interesse em vincular as duas plataformas para estudar os efeitos simultâneos entre a formação de Estados nacionais (ou suas dissoluções) e o comércio internacional.
A Dra. Mengyue Zhao, atualmente uma cientista de dados independente, apresentou o projeto “CVHistorical – Reading historical documents with computer vision techniques”[6]. A Dra. Zhao iniciou este projeto em 2016 para solucionar o desafio de digitalizar e transcrever dados históricos. Notando as limitações de softwares comerciais, a Dra. Zhao utilizou-se de técnicas de machine learning para elaborar um método próprio. Seu programa de trabalho inclui (i) uma customização dos segmentos das páginas (i.e. a divisão por colunas e linhas das tabelas históricas) que forneça uma formatação adequada; (ii) um retreinamento e melhoria do sistema Tessaract OCR Engine; e (iii) uma fase de pós-processamento. Os resultados provaram-se muito satisfatórios, com uma acurácia superior aos softwares no mercado para a transcrição de tabelas históricas. Toda a documentação e os códigos do método de trabalho estão disponíveis gratuitamente e online.
A Profa. Pérola Goldfeder Borges de Castro (Universidade Federal de São Paulo) apresentou o projeto “Digital Interactive Atlas of 19th century Brazilian Economic History”[7]. Este projeto é o resultado de uma colaboração entre pesquisadores de universidades públicas brasileiras, liderada pelo Prof. Luiz Fernando Saraiva, Profa. Íris Kantor e Profa. Goldfeder. Os atlas geo-referenciam dados dos censos brasileiros de 1872, 1890, 1900 e 1920, classificando-os em categorias demográficas, de produção e de transporte-comunicação. Os resultados estão hospedados em http://www.cartografiahistorica.usp.br/, uma plataforma com informações detalhadas sobre os bancos de dados e suas elaborações. A natureza intuitiva da plataforma permite aos pesquisadores elaborarem seus próprios mapas e combinarem diferentes categorias de dados. O time de pesquisadores pretende agora estender o banco de dados temporalmente, incluindo dados do século XVIII, e geograficamente, de modo a criar uma plataforma unificada para outros países Sul-Americanos e, eventualmente, para as Américas de maneira geral.
Categoria Divulgação Científica
A sessão relativa à divulgação científica ocorreu no dia 28 de julho de 2022, das 12:45 às 13:45 no Centre de Colloques.
O projeto “Biography of an uncharted people”[8] fez uso de várias ferramentas das humanidades digitais para estudar a história dos negros, mestiços e povos indígenas da África do Sul, lançando novas luzes sobre a centralidade dessas etnias não-brancas à história econômica e desenvolvimento do país[9]. Ao reconhecer a necessidade de promover novas plataformas de popularização científica – cuja produção é, em larga medida, financiada com recursos públicos -, o Prof. Johan Fourie (Universidade de Stellenbosch) organizou uma exibição de arte para comemorar os três anos do projeto em 2021. A exposição foi vista também como uma alternativa à saturação de reuniões online por conta do Covid-19. A curadoria ficou a cargo da Sra. Clara Babette e a exposição ocorreu de fevereiro a março de 2022 na Galeria da Universidade de Stellenbosch. A exibição reuniu quatorze pesquisadores em diversos níveis na carreira e quatorze artistas de ponta na África do Sul, que re-interpretaram o trabalho acadêmico dos pesquisadores – em diversos formatos artísticos –, tornando-os acessíveis, em uma linguagem completamente nova, a um público mais amplo.
A Sra. Aude Martin (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos) foi a principal apresentadora do projeto “Bibliothèque numérique de la statistique publique (BNSP): Digital library of the French Official Statistical System”[10]. Este projeto de largas dimensões é uma iniciativa do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos da República Francesa, cujos objetivos incluem coletar, digitalizar e publicar dados estatísticos históricos e atuais relacionados à França. A enorme quantidade de dados pode ser trabalhada em plataformas bastante intuitivas, que permitem sua sistematização por temas, regiões, períodos históricos e parceiros (ou seja, várias instituições que colaboraram para a coleta e análise de dados). A pesquisa por temas inclui dados demográficos, econômicos, de infraestrutura, performance social, índices e dados de organizações e companhias. Finalmente, os dados internacionais cobrem informações do Alto-Volta, Burundi, Camarões, Comores, Costa do Marfim, Madagascar e Tunísia.
A Dra. Leigh Gardner (London School of Economics) apresentou o projeto “Money, exchange, and authority in Africa”. Conduzido em cooperação com a London School of Economics e com o Museu Americano de História Nacional, este projeto sistematizou uma coleção de peças numismáticas da África Ocidental nos séculos XIX e XX[11]. Dando continuidade à ideia, o projeto agora inclui a digitalização de material do Sul da África. Esta coleção numismática online contém não apenas moedas metálicas e papel-moeda tradicionais, mas também vários meios circulantes utilizados na África Ocidental e do Sul, o que levou a uma reavaliação da hipótese de que os colonizadores europeus foram capazes de impor uma homogeneização do sistema monetário africano. Cada objeto numismático da coleção inclui sua imagem digital, metadados detalhados e informações históricas da peça. A coleção está disponível no Smithsonian Learning Lab, uma plataforma aberta que pode ser personalizada e usada para fins de ensino em diferentes níveis educacionais.
O projeto “Multiscale trade in eighteenth-century La Rochelle region” foi apresentado pela chefe de administração de plataformas para banco de dados, Sra. Christine Plumejeaud (LIttoral ENvironnement et Sociétés – CNRS & Universidade de La Rochelle)[12]. Às vésperas das Guerras Revolucionárias na França de fins do século XVIII e início do XIX, a região de La Rochelle passou por um profundo declínio econômico; este projeto documenta as conexões daquela região francesa – definida de modo amplo para incluir também suas áreas interioranas – com o restante do mundo por meio do comércio internacional. O projeto usou ampla gama de ferramentas das humanidades digitais para digitalizar, harmonizar e corrigir dois bancos de dados. O Navicorpus contém dados de Liberações do Antigo Regime, ou seja, registros de autorização para partida de navios. O Toflit18, por sua vez, foca-se em dados administrativos do Departamento de Comércio Francês. Para além do impressionante trabalho gráfico com dados geo-referenciados (tab “Visualization atlas”), a plataforma online do projeto traz ainda análises científicas detalhadas (tabs “Decline of La Rochelle region”, “A strong portual specialization” e “A dominating, but not structuring port”).
Projeto Ibicaba & divulgação científica
A apresentação do Projeto Ibicaba resultou de uma colaboração entre todos os membros do time de pesquisadores e contou ainda com o apoio institucional da diretora do MEAP, Dra. Rachel Deblinger, que compartilhou o material oficial do programa. O Dr. Bruno Witzel de Souza e o Sr. Leonardo Santin Gardenal foram responsáveis pelo conteúdo da apresentação. A formatação e design ficaram a cargo do Sr. Donali Delgado, consultor fotográfico e gráfico do projeto. A Sra. Carolina Carvalho da Silva elaborou o primeiro memorando sobre o uso do arquivo histórico de Ibicaba em visitas guiadas de escolas à fazenda, como fomento ao turismo histórico rural.
Após introduzir as metas e escopo do MEAP e de colocar Ibicaba no contexto da história econômica brasileira nos séculos XIX e XX, o Dr. Witzel de Souza focou a apresentação na interação entre o caráter digital do projeto e a criação de um arquivo físico na Ibicaba, explicando as diversas fases do trabalho, que incluíram: levantamento dos documentos históricos; treinamento em conservação dos documentos com o parceiro arquivístico no Brasil (Centro de Memória da UNICAMP – CMU); digitalização; criação e homogeneização dos metadados; e, finalmente, acomodação do material histórico na fazenda.

Dado que a categoria da competição foi em Divulgação Científica, a discussão dos resultados do projeto mencionou apenas brevemente as potencialidades científicas dos microdados criados por ele. O time do Projeto Ibicaba preferiu enfatizar três aspectos de popularização científica: “fontes de história local”, “pesquisa genealógica” e “novas ferramentas pedagógicas: histórias locais e globais”.
O Dr. Witzel de Souza mencionou três trabalhos que já fizeram uso do novo material histórico da fazenda Ibicaba. O primeiro é a exposição “Fazenda Ibicaba. Berço da colonização paulista, 1817-2022”, sob curadoria da Casa de Cultura de Cascalho, em Cordeirópolis (SP). Esta exposição utilizou alguns documentos ora digitalizados para apresentar a história de Ibicaba. Em parceria com a Fazenda Ibicaba, a Casa de Cultura de Cascalho também promoveu o evento Rota do Imigrante em 7 de maio de 2022, incluindo uma visita à exposição e um passeio guiado à fazenda – iniciativas que demonstram o interesse popular no turismo histórico rural, assim como na promoção da memória local e do desenvolvimento sócioeconômico da região. A segunda menção foi a conexão existente entre um mapa de 1931 da Colônia Grande de Ibicaba e o livro Ibicaba (1817-2017). Entendendo, vivendo e construindo futuros, editado por Bruno Witzel de Souza e Leonardo Santin Gardenal para comemorar o bicentenário de Ibicaba, em 2017. O referido mapa foi encontrado no novo arquivo de Ibicaba; uma das casas ilustradas nele foi a residência em que nasceu, em 1932, um dos entrevistados no livro, representando, assim, a interconexão entre a memória viva (refletida na história oral), o espaço físico no qual a história foi feita e as interpretações historiográficas dessas diversas fontes, confirmadas pela nova evidência documental agora trazida à luz. O terceiro trabalho mencionado na apresentação baseou-se no memorando da Sra. Carvalho da Silva, auxiliar de pesquisa do Projeto Ibicaba, que é também guia turística na fazenda e professora de geografia. A Sra. Carvalho da Silva tem trabalhado na elaboração de um conceito pedagógico para uso do novo arquivo de Ibicaba durante as visitas à fazenda. Baseando-se em suas observações, ela escreve: “[Durante as visitas escolares,] os monitores, agora mais inteirados do que os arquivos contêm, trazem a locução de que naquelas folhas estão muitos sobrenomes e nomes conhecidos na localidade, já que ali, naquele espaço, viveu grande parte dos braços que ergueram a região. Nesse momento, a interação entre o grupo é muito comum: contam-se histórias individuais que tropeçam na história da cidade, do estado e do Brasil. Os relatos passeiam entre hábitos alimentares, locais de moradia, tipos de trabalho e origem étnica”. O conceito pedagógico da Sra. Carvalho da Silva fornecerá em breve novas perspectivas sobre o uso de arquivos rurais em visitas guiadas a fazendas – material este que, em nosso entendimento, deve ser sempre colocado em um contexto global.
Concluindo a apresentação, o Dr. Witzel de Souza mencionou o interesse do time em continuar a colaborar com instituições locais para promover a divulgação científica. Além disso, os planos de trabalho, cronogramas e protocolos criados pelo Projeto Ibicaba poderão agora ser utilizados para a digitalização de arquivos de outras fazendas. Dado o caráter único e a riqueza desse tipo de documento para a pesquisa e divulgação científicas, seus coordenadores intencionam fomentar projetos semelhantes em outras unidades rurais brasileiras.
Considerações finais
Descobertas de novas fontes documentais; big data – metadados – e bancos de dados cada vez maiores e mais complexos; novas técnicas de machine learning e de inteligência artificial: estas são apenas algumas das novidades que vêm lançando as bases para uma clara linha de pesquisa futura nas Ciências Sociais e Humanidades. A Competição Humanidades Digitais, organizada em 2022 pela Associação Francesa de História Econômica durante o XIX Congresso Mundial de História Econômica, evidenciou a centralidade das inovações digitais e da divulgação científica para os campos da história econômica e social.
Três características foram compartilhadas por todos os projetos. Todos eles combinam novas técnicas (de novos métodos estatísticos e machine learning para transcrição de dados a novos protocolos de digitalização de documentos ou objetos tridimensionais) com formas inovadoras de interpretar os dados. Segundo, por envolverem o tratamento e processamento de bancos de dados cada vez mais vastos e complexos, os projetos que incluem visualização de dados apresentaram seus resultados em plataformas sempre muito intuitivas (permitindo que os usuários escolham os links específicos que desejem explorar) e com uma estética sempre bastante agradável – elemento particularmente relevante para atrair a atenção do público não-acadêmico. Finalmente, todos os projetos são de acesso aberto (open-source). Não apenas os resultados e os bancos de dados são tornados públicos, mas também as fontes, métodos, protocolos e planos de trabalho são de acesso livre. Assim, são características centrais desses trabalhos a reproducibilidade científica e a extensão dos mesmos métodos (ou de métodos análogos) para outros projetos – características perfeitamente alinhadas às metas das Humanidades Digitais entendidas como uma empreitada científica levada adiante por redes cada maiores e melhor conectadas ao redor do mundo.
Notas e Bibliografia:
(1) As opiniões, visões e interpretações deste artigo, inclusive as referentes aos projetos
citados, são exclusivamente as do autor. Estas opiniões, visões e interpretações não refletem
aquelas das instituições citadas, nem das instituições às quais o autor tenha sido ou seja afiliado.
(2) Os PIs do Projeto Ibicaba dedicam este artigo à memória do Dr. Fernando Abrahão, que sempre se prontificou a auxiliar-nos, mesmo quando todos os demais apoios institucionais pareciam muito distantes ou mesmo inalcançáveis.
[1] Vide também https://ihggcampinas.org/2021/05/03/trabalho-vivencias-e-imigracao-em-uma-plantation-brasileira-os-arquivos-da-fazenda-ibicaba-1890-1970-apresentando-o-projeto/.
[2] https://humanities-research.exeter.ac.uk/avetransrisk/
[3] http://www.ixxi.fr/equipes/detecting-global-financial-crises-over-history-a-multivariate-nonlinear-denoising-strategy
[4] https://medialab.github.io/GeoPolHist/#/GeoPolHist/
[5] https://ricardo.medialab.sciences-po.fr/
[6] https://beczzzhao.github.io/CVHistorical/
[7] http://usp2.arritje.com.br/digital-interactive-atlas-of-19th-century-brazilian-economic-history/
[8] https://unchartedpeople.org/
[9] Por motivos organizacionais, este projeto foi apresentado no dia 27 de julho de 2022.
[10] https://www.bnsp.insee.fr/bnsp/
[11] https://learninglab.si.edu/collections/money-and-exchange-in-west-africa/5riFCVvFDNcXodgL