Maria Luiza Silveira Pinto de Moura* – escritora, pesquisadora do CCLA, patronesse da Cadeira 37 do IHGG Campinas e Décio Silveira Pinto de Moura* – escritor, psiquiatra.
Resumo:
Este artigo compõe o livro: Os ballets na ópera de Carlos Gomes, dos autores, e agrega Ilustrações do artista plástico Egas Francisco. O livro trata das principais obras de Carlos Gomes retratadas de maneira didática e objetiva, afim de que o grande público conheça o gênio campineiro da música clássica. O Guarani é sua obra de maior sucesso. Assista ao vídeo no final.
The Guarani (1870). The first Carlos Gomes’s Opera.
Abstract:
This article is part to the book: The ballets in the Carlos Gomes Opera’s, by the authors, and also includes illustrations by Egas Francisco. The book discusses the main Carlos Gomes opera’s portrayed in a didactic and objective writing, so that the general public knows the genius of Brazilian classical music. The Guarani is his most successful opera. Watching the video at the end.
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O enredo da primeira ópera do maestro Carlos Gomes está baseado no romance homônimo de José de Alencar. O libreto foi escrito por Antônio Scalvini e Carlos D’Orneville. A história se passa em 1560 e, curiosamente, a data está no interregno de duas longas campanhas em que os portugueses se envolveram com os franceses e com os índios inimigos, aquele sob o comando de Villegagnon, assunto não mencionado no romance e no libreto.
Na data escolhida, um pequeno grupo de caçadores retornavam da mata e no grupo são notados o espanhol Gonzalez e o português D. Alvaro, quem tinha o coração preso em amor pela jovem Cecília, filha de D. Antônio de Mariz. Na comunicação entre os dois, D. Alvaro revela-se contrafeito com as pilhérias de Gonzalez sobre esse amor, pois o sarcasmo mostra que Gonzalez também desejava Cecília, e mantinha intenção de disputá-la contra o rival.
Chega ao grupo D. Antônio de Mariz, quem mora no castelo vizinho, transmitindo a todos a notícia de que os aimorés, índios mais agressivos, estavam planejando ataque à povoação em vingança pela morte de uma jovem da tribo que um português matou por acaso.
Os componentes do grupo oferecem-se às armas para lutar ao lado do fidalgo que, todavia, os acalma informando-lhes que a ajuda se faz desnecessária, pois um amigo salvou Cecília de uma emboscada dos aimorés. E, em resposta à curiosidade de todos sobre o autor do ato heróico, apontou Peri, quem se aproximava. Diante da repulsa geral D. Antônio explica que Peri é filho do cacique dos guaranis, índios mais dóceis, e ali estava para oferecer-se aos portugueses na luta contra os aimorés.
Entra Cecília e D. Antônio lhe informa sobre o retorno de D. Alvaro, a quem Cecília havia sido prometida em casamento. Cecília se surpreende com a promessa, pois ainda ignorava.
Ao soar dos sinos que anunciavam a Ave-maria todos se ajoelham e oram, pedindo proteção a Deus para a luta futura contra os aimorés. Entram no castelo, mas Cecília permanece no local, chama Peri, quem se afastava e o interroga: Por quê você não deseja permanecer na minha casa? Ao que Peri responde dizendo-se humilde servidor sem o mérito de gozar da sua companhia, novamente quando já se sabe sobre o compromisso com D. Alvaro, quem a ama. Cecília retrucou que somente tem amor por seu pai e por ninguém mais. Peri confessa-se tomado por estranho sentimento, difícil de descrevê-lo, mas que sabe tratar-se de uma força inconsolável que o impele para ela. A jovem sem demora também declara a sua paixão, além da admiração por ter sido por ele salva da violência dos aimorés. Na ópera esta cena se transcreve na famosa ária Sento una forza indomita.
Despedem-se e Peri segue a caminho da floresta com o propósito de observar Gonzalez, por ter notado que este confabulou com os amigos no momento em que os demais ergueram a prece. Ele ouvira a confabulação e desejava desvendar o enredo. Aliás, ao despedirem-se os dois enamorados, Peri relatou a Cecília e esta lhe pediu que não fosse e que apenas denunciasse a trama, afirmando temerosa que somente em sua companhia se sentiria protegida. Mas ele partiu, após encorajá-la prometendo sua proteção. Na ópera, aqui termina o primeiro ato.
Na gruta, onde estavam os dois conspiradores, tramavam raptar Cecília de seu pai para que pertencesse a Gonzalez. Ao ouvir a trama, Peri não se conteve e pronuncia em voz alta: Traidores. Com isso Gonzalez diz aos demais: Fomos descobertos. Saí Peri do esconderijo, aborda Gonzalez e ambos travam forte discussão. Gonzalez puxa de um punhal o tenta agredir Peri. Todavia foi dominado, mas Peri não o fere. Deixa-o partir, com a advertência de que a trama está agora descoberta. O grupo ouve de Gonzalez a decisão de apressar o rapto para aquela mesma noite.
Os aventureiros reúnem-se em uma taverna bebendo e festejando o pacto para o sequestro. Nesta cena é que cantam a conhecida canção dos aventureiros: Senza teto senza cuna.
Em seu quarto, Cecília a sós, contempla o céu e as estrelas, cantando em seguida a balada C’era una volta un príncipe. Momentos após Gonzalez, pela janela, adentra o quarto e tenta convencer Cecília a segui-lo, confessando amor. Cecília reage exigindo que ele saia. Nesse momento, Gonzalez, ao estender a mão para oferecer à moça foi ferido por uma flecha, pois Peri havia seguido o raptor. Sentindo-se apanhado, Gonzalez dispara o arcabuz. Seus amigos ouvem e penetram no aposento com espadas em riste. Contudo entram também D. Antônio e D. Alvaro, além dos escudeiros.
O pai de Cecília exige que acusem o chefe dos bandidos. Entra Peri e acusa Gonzalez, apontando o ferimento. Gonzalez faz ameaças, mas o episódio é interrompido por um ataque dos aimorés que raptam Cecília e a levam para a aldeia. Ao chegarem, querem matá-la imediatamente. O cacique, todavia, apaixona-se pela beleza da jovem e tenciona faze-la rainha da tribo. Nesse momento também chega preso Peri seguro por guerreiros.
Ao ver Cecília, Peri grita que veio salvá-la e que, por cautela, no caso de fracassar, havia tomado veneno de efeito lento para que os aimorés que o devorassem perecessem. Iniciam-se os preparativos para o sacrifício. Mas é costume entre os selvagens, que os guerreiros presos e que devam morrer, possam usufruir de um momento de amor. O cacique decidiu que o par conjugal fosse Cecília. Ela suplica para que Peri fuja, mas ele prefere morrer ao lado da mulher amada. Eis quando aparece D. Antônio e os seus homens e a aldeia indígena se transforma em praça de guerra. O cacique foi ferido e carregado pelos índios.
Inicia-se o ballet com uma introduzione, ballabili e azione mímica enquanto, em cena, Peri é conduzido preso. Seguem em allegro brilhante e, em cena, ve-se ao fundo um conjunto de índias idosas pintadas em listras negras e amarelas, a prepararem a refeição, arranjando uma pedra que sirva de mesa e afiando facas de ossos.
Na cena em que o cacique chama uma indígena e ordena que sirva a Peri algumas frutas e um vaso de vinho, recusado por Peri, entra um andante expressivo. Depois do crescendo, o cacique toma a mão de Cecília para iniciar com ela uma dança.
Inicia-se a dança selvagem com homens e mulheres da tribo, que se desenvolve até a entrada da Dança das flechas. A cena prossegue em sucessão de bailarinos com arcos e flechas, com coristas em dois grupos sucessivos, com lanças curtas e longas. O cacique está presente, em pé, carregado por quatro índios e Cecília vê o cacique que é seguido pelas quatro velhas pintadas, portando facas de osso. Ele se desloca ao meio do palco e se rodeia de índios que o homenageiam, até que ganham a formação com as armas erguidas. Pouco antes dessa formação, os bailarinos fazem dança vivaz, com saltos e movimentos rápidos.
Nessa parte do ballet, a música cria apreensão nos expectadores, com a indefinição da linguagem musical que prepara a definição melódica para a morte de Peri. Do ponto de vista das emoções já se prevê a tensão emocional do público que, pela primeira vez, está na presença de índios antropófagos. Talvez eles pensassem presenciar, no palco, uma cena de canibalismo, especialmente na apresentação de estreia. O final do ballet, com a orquestração concebida, torna-se tão emocionante em reforço ao enredo, que é de afirmar-se: somente um motivo muito imperioso impediria alguém de assistir ao quarto ato. O ballet de O Guarani tem realmente concepção musical muito rara.
Retornando ao castelo, em companhia da filha após o resgate, D. Antônio ouve Gonzalez acertar minúcias sobre nova tentativa de sequestro de Cecília. Os conspiradores estavam no subterrâneo do castelo. D. Antônio determina que a passagem que leva ao subterrâneo seja vedada. A intenção era provocar a explosão da pólvora ali guardada, matando os conspiradores. Como o castelo seria totalmente destruído ele também morreria, mas, honrado. Não nutria ele esperança de vencer novo confronto com os aimorés.
Recebendo Peri, que após curar-se do veneno ingerido dirigia-se ao castelo, aconselha-o a fugir e levar Cecília com ele para que fiquem a salvo. A Peri foi sugerido que se batizasse, pois era pagão e D. Antônio não entregaria a filha nessa condição. Peri sem dificuldade ajoelhou-se e pediu o batismo. D. Antônio mostrou-lhe a cruz da espada e disse Juras que serás fiel a Deus e que converte-se à sua fé bendita! Peri não relutou em aceitar a fé. Cecília recebe a ordem paterna para seguir Peri e faz ver ao pai que aceita retirar-se somente em obediência à ordem recebida, Neste momento os bandidos conseguem derrubar a porta que os prendia e tentam dar ordem a Cecília e Peri para que retornem. D. Antônio, tomando de um archote da parede, joga sobre os barris. Ao longe, do alto de uma colina Cecília e Peri assistem à explosão do castelo e juntos se ajoelham em homenagem à memória de D. Antônio.
Ao encerrarmos o resumo, é digno que se registre que D. Antônio de Mariz existiu realmente e participou da fundação do Rio de Janeiro, como também, em 1567, tomou parte na luta que derrotou os franceses de Villegagnon e consolidou o domínio do Rio de janeiro ao reino de Portugal.
Referência:
MOURA, Maria Luiza S. Pinto de e MOURA, Décio Silveira Pinto de. Os ballets na ópera de Carlos Gomes. (s.d.). Ilustrações de Egas Francisco. Campinas : Cia. Aluminis. 62p. (pp. 10-16).
* In memoriam