Ana Maria Melo Negrão – vice-presidente da ACL e titular da Cadeira 30 do IHGG Campinas.
Em imponente e clássico templo retangular, com plano arquitetural de excelência, altaneira, ergue-se a Academia Campineira de Letras (ACL), na rua Marechal Deodoro, 525, construída sobre uma elevada plataforma, em que a porta de entrada, encimada com data em algarismos romanos MCMLXXVI, é precedida por um espaçoso pórtico, cuja laje se sustenta em seis pilastras brancas de grande espessura sulcadas de alto a baixo em estilo dórico, e acesso por meio de uma extensa escadaria em formato de trapézio com dez degraus. Complementa a magnífica fachada um frontão triangular acima das colunas e um telhado, nos moldes de edificações gregas, esteticamente belo com duas águas, ostentando no ponto central a Fênix mitológica a simbolizar o renascimento de Campinas dizimada após a epidemia de febre amarela.
Há exatos 65 anos, em 17 de maio de 1956, o professor Francisco Ribeiro Sampaio fundou a Academia Campinense de Letras. E por que Campinense?
“Francisco Sampaio acreditava que ‘campineiro’ relacionava-se com a profissão do homem do campo, da mesma forma que mineiro. E, portanto, tal termo era indigno para ser usado para um povo ‘tão nobre’. Visando tratar a questão acadêmica com a devida adequação, achou mais apropriado denominar a nova instituição de campinense”. Houve contendas sobre o termo campinense, todavia, com o esclarecimento de que o sufixo “eiro” caberia para designar o labor como em padeiro, açougueiro, carpinteiro, pedreiro… enquanto o sufixo gentílico “ense” referia-se à localidade onde alguém nasceu como amazonense, paraense, cearense, corumbaense… A justificativa de que nascidos na cidade de Campina-Grande, na Paraíba, eram campinenses demonstrou ser uma impropriedade gramatical, pois o gentílico advindo de topônimos compostos privilegiava o sufixo no segundo elemento, como em mato-grossense, rio-grandense, portanto, o correto seria campina-grandense. Diante disso, o termo campinense para referir-se à cidade de Campinas seria perfeitamente aceitável. Todavia, continuou a haver discordância.
Em 22 de novembro de 1956, pudéssemos transfixar o âmago de um ser, vislumbraríamos o coração do filólogo Francisco Ribeiro Sampaio, inundado de júbilo pelo coroamento do projeto literário a atingir a concretude, após um árduo empenho – a sessão de instalação e posse da Academia Campinense de Letras, dedicada a agregar expoentes dedicados às manifestações artísticas da língua portuguesa, cabendo a ele a presidência para um mandato de dois anos.
Francisco Ribeiro Sampaio, professor de Português no Colégio Culto à Ciência, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Secretário Municipal da Cultura era um insigne homem das letras, magistral cultor do idioma pátrio de quem sorvi preciosos ensinamentos pelo privilégio de tê-lo por mestre e preceptor durante sete anos, compreendendo o curso clássico e o curso de Letras. Confesso que jamais me esqueci dos temas inusitados de redação, dos cantos e estrofes de Os Lusíadas, das aulas de Filologia, de seu rigor em exigir dos alunos o domínio da língua portuguesa. Reverencio-me a ele pelas marcas em mim impressas. Ser membro da ACL permite-me observar seu ar austero e, ao mesmo tempo, cândido, pois materializado em um busto no salão nobre, em devaneios, sinto o seu olhar a chamar-me para declamar sonetos de Camões à frente da classe…
Constituída por 40 cadeiras de caráter vitalício, em idêntico formato à Academia Brasileira de Letras, 16 nomes compuseram o quadro para a fundação do novel sodalício, juntamente com Francisco Ribeiro Sampaio, tais sejam, Paulo Mangabeira Albernaz, Theodoro de Souza Campos Júnior, Armando dos Santos, Heládio Brito, Herculano Gouvêa Neto, Stênio Pupo Nogueira, Carlos Francisco de Paula, Mário Gianini, Valdemar César Silveira, Luso Ventura, Benedito Sampaio, mons. Emílio José Salim, Carlos Foot Guimarães, Antônio Leite Carvalhaes, José Roberto do Amaral Lapa, que tiveram o condão de eleger outros 24 homens de dedicação às letras e à cultura para o cômputo necessário de membros dignos de terem como patronos personalidades esculpidas na história nacional e guardiões de nosso idioma, literatura e cultura.
Fiel à sua vocação literária, a ACL caminhava, nas duas primeiras décadas, com as reuniões em locais variados todavia instáveis, até que, em uma memorável sessão de posse, em 20 de abril de 1974, realizada no Salão Nobre do Centro de Ciência, Letras e Artes, o prefeito Lauro Péricles Gonçalves, presente ao evento, pressentiu a premência de a Academia ter sua sede própria. A semente lançada germinou e com o ininterrupto afinco e exponencial dedicação do prefeito, a obra por ele sonhada como um majestoso templo grego, veio à luz em 16 de maio de 1976, ano afixado sobre a porta que se abre ao átrio engalanado com o belo candelabro inglês, doado pelo Lauro Péricles, e às dependências sóbrias e condignas às atividades pertinentes do augusto silogeu.
No fluir do tempo, a ACL caminha alicerçada na representatividade literária de seus confrades e confreiras, na lealdade a seus princípios, na reverência à memória de membros falecidos que ajudaram a construí-la e protagonizar a sua história, no engajamento de novos acadêmicos meritosos, na abertura de suas portas à comunidade e às novas gerações, nas exposições em sua Galeria Lélio Coluccini e demais atividades.
As ações acadêmicas desenvolvem-se em: sessões literárias abertas ao público, na primeira segunda-feira de cada mês, com palestrantes de currículos robustos para desenvolverem temas alinhados ao espírito das Letras e da Cultura, e apresentação musical a seguir; lançamentos de livros; “Minuto da Memória Campineira”, transmitido pela Rádio Educativa de Campinas; homenagens a personalidades de destaque no cenário nacional e acadêmico; reuniões festivas de congraçamento em datas como Natal, Dia da Mulher, aniversário da Academia; eventos cívicos; worshops para estudantes das redes municipal e estadual; consulta ao acervo bibliográfico; parcerias com: a Secretaria Municipal de Educação; a Unicamp; o Centro de Ciências Letras e Artes; a Associação Brasileira Carlos Gomes de Artistas Líricos (ABAL); o Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas; a Casa do Poeta; o Centro de Poesia e Artes de Campinas; a Academia Maçônica de Letras; a Academia Campineira de Letras, Ciências e Artes das Forças Armadas; o Instituto de Formação e Educação (IFE)…
Ilustres Presidentes sobejamente estiveram à frente da Academia Campinense de Letras, nessas últimas décadas, salientando-se a gestão de 10 anos (2007-2016) de Agostinho Tóffoli Tavolaro, com magistral desempenho a propiciar-lhe significativa visibilidade com a vinda de exponenciais conferencistas das Academias Brasileira de Letras e Paulista de Letras. Seguiu-se a presidência de Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva (2017-2018) de ímpar dinamismo e espírito ilibado a deixar uma dolorida lacuna pelo falecimento em 07.07.2020. Atualmente, com a segunda condução, o Presidente Jorge Alves de Lima ( 2019-2020 e 2021-2022), incansavelmente, providenciou emergentes obras de manutenção e aprimoramento do prédio, mobiliário novo, decoração, tendo fortalecido as parcerias, com destaque ao Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Secretaria Municipal de Educação, cujos alunos participaram, com incomum interesse, das sessões literárias, workshops, acompanhados por professores, com ônibus fretado, entrega de livros, lanche comunitário a fortalecer o propósito de abrir a Academia aos estudantes.
Neste contexto em que o mundo parou, a ACL viu-se forçada a fazer uma pausa nas atividades presenciais, seguindo as normas preceituadas pelos Órgãos de Saúde e almeja retomá-las quando possível for. Apesar de os acadêmicos e acadêmicas continuarem a produzir suas obras e a encaminhar artigos ao Jornal Correio Popular, há um desejo incontido de retorno à convivência em nossa Casa de Letras. Sem podermos comemorar os seus 65 anos com um evento literário e partilha da refeição, o 17 de maio há de ocupar um lugar de destaque em nossa mente e coração. Parabéns pela trajetória, ACL, farol altaneiro das Letras!