O imigrante e a empresa familiar – parte final

THE IMMIGRANT AND FAMILY BUSINESS: FINAL

Fernando Antonio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da Cadeira 11 do IHGG Campinas.

Continuação da edição anterior.

As sucessões: momentos de crise ou de crescimento?

Os casos de sucessão empresarial das empresas alimentícias Sadia e Perdigão – ambas originárias do estado de Santa Catarina – foram estudados pelo economista Armando Dalla Costa. Segundo ele, a Sadia (fundada em 1944) caracterizou-se por expandir atividades no maior mercado consumidor do país, São Paulo, por diversificar seus produtos, ampliar sua capacidade produtiva e atualizar seu parque industrial. Com isso, a família manteve o controle da empresa por mais tempo. Por sua vez, a Perdigão (fundada em 1934) permaneceu no local e só foi adquirir empresas fora de Santa Catarina a partir de 1985, estratégia que resultou na venda da empresa antes da passagem da segunda para a terceira geração. (COSTA, p. 205-226).

Dalla Costa baseou-se no Modelo de Três Círculos da empresa familiar (GERSICK et al, 1998), usado para definir os papéis dos indivíduos e compreender os conflitos, dilemas, prioridades e limites dessas firmas.

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Modelo de Três Círculos. Gersick et al, p. 6.

O modelo descreve o sistema da empresa familiar composto de três subsistemas independentes, mas sobrepostos: a Família, a Propriedade e a Gestão. Os membros da família se inserem no círculo da esquerda, 1; o(s) proprietário(s), sócios ou acionistas pertence(m) ao círculo superior, 2; os funcionários posicionam-se no círculo da esquerda, 3. Qualquer pessoa também pode pertencer a um dos quatro setores formados pela sobreposição dos círculos: chamados de setores 4, 5, 6 e 7. O familiar que é proprietário mas não trabalha na empresa pertence ao setor 4, formado na sobreposição dos círculos da Propriedade e da Família. O proprietário que trabalha na empresa, mas não é da família pertence ao setor 5, na sobreposição dos círculos de Propriedade e da Gestão. O familiar que não é proprietário, mas trabalha na empresa, pertence ao 6, na sobreposição dos círculos da Família e da Gestão. O elemento que é membro da família, tem ações ou cotas e trabalha na empresa pertence ao setor 7, formado na sobreposição dos três círculos.

O resultado cumulativo do progresso do Modelo de Três Círculos ao longo do tempo resulta no Modelo Tridimensional de Desenvolvimento da Empresa. Cada subsistema – Propriedade, Família e Gestão – registra uma dimensão de desenvolvimento, uma sequência específica de estágios cujos processos acabam por influenciar uns aos outros, ainda que independentes entre si.

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Na dimensão Propriedade temos, no estágio inicial, a figura do Proprietário-controlador. No momento em que este distribui suas cotas aos filhos, as empresas entram na fase de Sociedade entre Irmãos. Por sua vez, quando estes distribuem suas cotas aos filhos configura-se a fase do Consórcio de Primos.

A dimensão relativa à Família capta o desenvolvimento estrutural e interpessoal por meio de aspectos como casamento, paternidade e relacionamentos entre irmãos adultos, cunhados/as e sogros/as. No estágio inicial, Jovem Família Empresária, as atribuições de cada indivíduo estão por ser definidas, mas o papel de dirigente já está bem claro. No estágio seguinte, Entrada na Empresa, a família deve promover a inserção da próxima geração no negócio, estabelecendo critérios e planejando carreiras, justamente para a ligação ideal com o próximo estágio, do Trabalho Conjunto, este fundamental para o dirigente abastecer-se de informações fundamentais para escolher a quem deve “passar o bastão”.

A terceira dimensão descreve o Desenvolvimento da empresa. O Início abrange a fundação e os primeiros anos de funcionamento. No segundo estágio, Expansão/Formalização, estão as empresas que se estabelecem no mercado e desenvolvem movimentos crescentes até estabilizarem-se. O último estágio, Maturidade, tem raízes na avaliação de mercado e ocorre quando um produto ou uma marca deixa de evoluir e suas expectativas de crescimento tornam-se modestas. Este estágio oferece duas saídas para a continuidade da empresa familiar: renovação e reciclagem, ou a morte. Vejamos os caminhos tomados pelas empresas aqui estudas.

No Frango Assado, o estágio da Sociedade entre Irmãos (2ª geração) foi se conformando a partir de 1956 e estendeu-se até 1969, quando a empresa decidiu ampliar o antigo prédio e diversificar os serviços. Antes meros ajudantes de José e Rosa Mamprin, três netos pediram a direção da empresa. Para eles, a continuidade e a expansão da empresa dependia da ampliação das dependências, como demonstrava a concorrência. Contratou-se uma consultoria para essa passagem. Em linhas gerais definiu-se: a) reorganização funcional; b) reorganização administrativa; c) planejamento financeiro; d) integração com negócios coligados.

A consultoria finalmente colocou a direção da empresa nas mãos do Consórcio de Primos (3ª geração), mas há indicações claras da necessidade dos avais dos pais e do avô para investimentos. Em 1974 a nova direção inaugurou as reformas de modernização da sede. Uma negociação com a Petrobrás, em 1975, substituiu a antiga “bandeira” do posto de combustíveis (Atlantic) e angariou a exploração de um ponto comercial na recém-inaugurada rodovia dos Imigrantes, onde se fundou a 1a filial. Em 1977, a empresa estabeleceu a 2ª filial em Jacareí (SP), na rodovia Presidente Dutra. Essa expansão continuou até o fim da década de 1980, especialmente com a implantação da Indústria de Doces Figobom, sediada na antiga propriedade rural da família, e o Hotel Fonte Santa Tereza, também em Valinhos.

Em 1989 a empresa contratou nova consultoria para promover a transição para a próxima geração. Durante o processo de adequação societária foi criada a Cozinha Central, em 1990. A unificação da transformação de alimentos fez a empresa ganhar em produtividade e competitividade: padronizou-se cardápios e produtos, concentrou-se gastos, redimensionou-se espaços nas lojas, dentre outros itens de custeio.

Já presente nas principais estradas paulistas, a marca Frango Assado despertou interesses de investidores no lucrativo mercado de alimentos e serviços, justamente quando o governo estadual ampliava e modernizava nossas principais rodovias para concedê-las à administração privada.

Ainda em 1996, o Consórcio de Primos criou a Frango Assado Participações S/A (FASPAR), para levar ao debate dos demais familiares as conquistas e os percalços dos antepassados, como forma de engajar a 4ª geração. Todavia, em outubro de 2008, após inaugurar a 12ª filial, a FASPAR decidiu ceder a marca Frango Assado e as operações de suas lojas para um grupo econômico formado por investidores estrangeiros.

No caso do EMS, a década de 1980 marcou a expansão da pequena indústria de medicamentos do ABC Paulista com a aquisição do Laboratório Doria, em Hortolândia (SP), distante cerca de 21 quilômetros de Campinas. Nessa época, Campinas já liderava um polo econômico capaz de evidenciar a crescente interiorização industrial paulista.

Emiliano Sanches queria posicionar a empresa no mercado de medicamentos éticos, como são conhecidos os remédios comercializados com base em receituários médicos. Porém adoeceu e o prognóstico da doença o fez iniciar, em 1986, o processo de sucessão. Ele reuniu os diretores (familiares próximos) e criou um conselho para dirigir a empresa enquanto preparava os filhos Carlos e Nancy.

Carlos Sanches assumiu a direção da empresa em um dos períodos mais turbulentos da economia brasileira, a transição do governo José Sarney para o de Fernando Collor de Mello (1989-1990), onde havia inflação em torno de 80% ao mês, descontrole das contas do governo, congelamento de preços e bloqueio do capital de pessoas físicas e jurídicas aplicados no sistema bancário, o fatídico Plano Collor.

Vencida essa etapa crucial da economia brasileira o EMS adquiriu os Laboratórios Legrand e Novaquímica e, assim, realizou o sonho do fundador. Agora, com produtos de classe ética em catálogo, a empresa pode participar das concorrências promovidas pelo governo federal a fim de atingir-se a meta social de oferecer medicamentos para a população carente. Decerto, as diretrizes do Plano Real (1994) frearam a corrupção e o desperdício que imperavam na Central de Medicamentos do Governo Federal (CEME), criada na ditadura militar, e revigoraram a produção nacional (NEGRI, 2002, p.7-9).

Diante da crescente produção, a unidade fabril de São Bernardo do Campo chegou ao limite. No entanto, a unidade de Hortolândia vislumbrava enorme potencial. Assim, a empresa investiu na construção da nova sede e em maio de 1999 transferiu a administração e a maior parte da produção para Hortolândia.

A indústria farmacêutica nacional preparava-se para adentrar ao século 21 com impulso aos medicamentos similares. A renovação da legislação nacional envolveu debates políticos sobre pesquisa e desenvolvimento, quebra de patentes, venda e distribuição, propaganda e marketing. Finalmente, a 10/2/1999, a Lei Federal Nº 9.787 instituiu a produção e o comércio do medicamento genérico no país, de acordo com as normas internacionais adotadas pela Comunidade Europeia, Estados Unidos da América e Canadá, com respaldo da Organização Mundial da Saúde (OMS). As industrias passaram a produzir e comercializar e distribuir os medicamentos genéricos, desde que comprovadas as propriedades de bioequivalência e biodisponibilidade do medicamento de referência, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), além de vencido o prazo de 20 anos de exclusividade de produção e comércio garantidos ao laboratório inovador. Não tardou para que os medicamentos genéricos tomassem as prateleiras das farmácias do Brasil e o EMS se tornasse uma das maiores indústrias farmacêuticas de capital nacional.

Considerações finais

A venda ou cessão no momento de sucessão pode ser vista como o momento de fracasso da empresa familiar. Nessa fase, lembre-se, são necessárias novas estratégias de crescimento, pois, caso contrário, restará aos proprietários desfazerem-se da empresa. A opção pela venda da marca e das operações da Rede Frango Assado, no auge econômico, revela o desejo de um número cada vez maior de proprietários a dispor de suas cotas para iniciar ou capitalizar negócios próprios e independentes. O plano de passagem para a 4ª geração falhou porque os rendimentos tendem a diminuir quando o número de cotistas aumenta e as decisões de expansão tornam-se desgastantes. Esse caso também é emblemático por revelar a importância das consultorias na melhora da administração, na preservação das tradições e dos significados do trabalho familiar, características que levaram a empresa ao amadurecimento coeso, ao sucesso da marca e à liderança no mercado de prestação de serviços nas rodovias paulistas. Além de adquirirem o processo lucrativo de uma empresa familiar, espera-se que os investidores entendam a importância manter-se a tradição de marca por todo o complexo processo social que a criou, a fez crescer e a ser recordada por gerações de clientes.

Assim como a Farmácia original, o EMS foi instituído como uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada entre Emiliano Sanchez e sua esposa Ana Defillo. Após 40 anos e diante das perspectivas do mercado global de medicamentos, alterou-se a razão social para uma S/A, em 2004. Como ocorre com quase todas as empresas do gênero, a trajetória do negócio se confunde com a da família. Sabe-se que a empresa foi constituída com iniciativa, criatividade e arrojo empresarial dos fundadores e sucessores, como também com o trabalho de pais, primos, irmãos e tios e com aconselhamentos de profissionais. Diferentemente do caso da rede de restaurantes, neste não se havia alcançado a terceira geração até o fim do presente estudo. No entanto, percebemos movimentações no sentido de formar e favorecer a inserção dos filhos de Carlos e Nancy na administração da empresa. Até recentemente a empresa continuava sob a presidência da família Sanches.

Imagina-se que ainda outras empresas familiares brasileiras devam ser estudadas, para que os resultados ajudem a definir os melhores caminhos para as sucessões e a sobrevivência.

Referências:

COLEMAN, Donald. “History, economic history and the numbers game”. In: The Historical Journal, v. 38, no 3. Sep. 1995, p. 635-46. Cambridge University Press.
COSTA, Armando Dalla. “Sadia e Perdigão: diferentes trajetórias administrativas nas empresas familiares”. In: COSTA, Armando D., FERNANDES, Adriana S. e SZMRECSÁNYI, Tamás (orgs.). Empresas, empresários e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 205-26.
GERSICK, Kelin, DAVIS, John, HAMPTON, Marion McCollom e LANSBERG, Ivan. De Geração para geração: ciclos de vida das empresas familiares. São Paulo: Negócio Editora, 1998.
GRAS, Norman. S. B. “Questions and Answers in Business History”. In: Bulletin of the Business Historical Society, V. 20, 1, Feb. 1946, p. 25-27.
NEGRI, Barjas. Política nacional de assistência farmacêutica: 1990 a 2002. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2002.

2 comentários

  1. ótima postagem…as empresas familiares em sua maioria era de imigrantes.Temos a Gessy Lever atual da Familia Millani, e hoje é a Unilever..a propria empresa que temos ainda hoje com 65 anos é familiar..Parabéns Prof Fernando

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