Prefácio de: Quem matou a mãe de Carlos Gomes? Se sà minga

Alcides Ladislau Acosta – musicista, jornalista. Titular da Cadeira 9 do IHGG Campinas.

Preface to the: Who killed Carlos Gomes’s mother?

Resumo:

Dois assassinatos chocaram a pequena e pacata cidade de Campinas em 1844. O primeiro aconteceu na madrugada de 25 para 26 de julho daquele ano, quando a jovem Fabiana Gomes, de 28 anos, foi encontrada morta no local onde hoje se conhece como Largo do Mercadão Municipal. Ela era mãe do então menino e futuro maestro, Antônio Carlos Gomes. O segundo aconteceu na noite seguinte: Francisco Zuanda, liberto, o principal suspeito pelo assassinato de Fabiana.

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Carlos Alberto Marchi de Queiroz, delegado de Polícia aposentado, professor, titular da cadeira número 43 do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, presenteia-nos com revelações, raciocínios, exercícios de lógica e senso comum, extraídos de árdua, meticulosa, extensiva e criativa pesquisa investigatória. E produz um documentário singular, a partir de um tema que, por longo tempo, fomentou versões, teses, interpretações e especulações, tais a profundeza do mistério e a importância dos personagens envolvidos neste episódio histórico e trágico.

Em 1844, já na segunda metade do ano, a cidade Campinas estremeceu com a notícia de intrigante assassinato. Sucedido no quase alvorecer, o infausto e sangrento feminicídio surpreendeu a pacata população. A vítima era a mulher de Manuel José Gomes, o Mestre de Capela na Matriz Velha, conhecida como Nhá Biana, ou Fabiana Maria Cardoso Gomes. A identidade do autor do nefando crime jamais ficou estabelecida pelas autoridades policiais da época.

Esclarecer esse fascinante enigma é tentador ao nosso experimentado delegado, calejado no mister paciencioso de investigar e compor quebra-cabeças de inquéritos policiais. Carlos Alberto realiza sua empreitada com eficiência, mesmo diante do repto de ter que mergulhar em ensaios biográficos, livros de história, artigos de jornal, registros eclesiásticos, compulsar empoeirados e centenários documentos e preencher, com inventividade, lacunas causadas por um inquérito perdido, extraviado ou destruído do arquivo policial. Sabe-se lá com quais motivações, existentes a acobertar pessoas, atos e fatos.

O tempo, em sua marcha inexorável, sói construir novas realidades, substituir, alterar e soterrar fatos, além de atropelar situações que, pouco depois, estarão demolidas ou comprometidas pelo avanço de um Chronos, impávido e incontível.

Daquela trágica cena, a morte de sua mãe Fabiana, o menino Tonico e seu irmão Juca, guardaram o horror e o trauma que, mais tarde, fariam seu talento gestar dramas musicais. A Música era a grande herança da família Gomes.

Como compositor, Antônio Carlos Gomes delineou, em vivas e rubras tintas, a morte de muitas heroínas em suas operas. Vejamos. A Condessa Leonor se apunhala na cena final de A Noite do Castelo, inconformada com a morte de Henrique, o guerreiro cruzado, Cavaleiro Negro. Joanna de Flandres, da segunda ópera de Carlos Gomes, protagonista em enredo de capa-e-espada, morre vitimada por uma punhalada. Fosca, por sua vez, se envenena e morre no final do drama veneziano. Finalmente, Isabella, filha do Duque de Arcos, em Salvator Rosa, é apaixonada por Masaniello, chefe dos revoltosos da batalha de Nápoles, o qual morre. E o leitor já imaginou: Isabella volta o punhal contra si mesma, para imolar-se e assim juntar-se ao amado, no inescrutável reino de Hades.

Mesmo em canções, Carlos Gomes vale-se da morte como elemento de catarse musical. Em Realtá, contempla a própria sepultura, sob um calmo céu azul onde andorinhas (rondinelle) planam em voo feliz; no solo, ao lado da solitária campa, vicejam juncos e violetas; e sob a terra e à sombra de negra cruz o corpo repousa pela eternidade. Na La Preghiera dell’orfano, um menino órfão vagueia no ermo cemitério onde encontra e beija o mármore, que recobre a tumba de sua saudosa mãe; fala com a extinta, como se viva estivesse, e indaga se é verdade que, um dia, estarão no céu juntos. Ambas canções tomam por base poemas de Antônio Ghislanzoni, amigo de Carlos Gomes em Milão, e seu libretista. A inspiração dessas páginas poéticas pode, perfeitamente, ser resultante de conversas entre ambos. A tragédia de Fabiana Maria Cardoso Gomes certamente terá sido compartilhada com o poeta, autor dessas estrofes. Outra canção, Addio, sem autor declarado, pode ser atribuída ao próprio Carlos Gomes, e nela, um trovador expressa o desejo pelo fim definitivo e se despede, romanticamente, de uma certa Marina.

Deixemos o leitor percorrer as páginas de Quem Matou a mãe de Carlos Gomes? Se sà minga, onde a reconstituição da sanguinolenta tragédia, que enlutou Campinas em 1844, é feita com peculiar esmero e savoir-faire pelo autor. Certamente, haverá curiosidade de chegar ao último capítulo. Mas, conselho é abster-se de lê-lo anteriormente e aguardar o desfecho, como quem assiste à narração de um suspense policial.

Saboreemos, pois, o passo-a-passo da investigação e sejamos expectadores do inquérito policial, que toma forma, peça por peça, no exercício indispensável para se chegar a conclusões.

Referência:

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Quem matou a mãe de Carlos Gomes? Se sà minga. 2a Ed. Campinas: Pontes Editores. 2018, 218p.

Um comentário

  1. Comenta-se que seria o próprio pai de Carlos Gomes, que assassinou a esposa por razões de honra ultrajada. Mas, fala-se que na noite fatídica, ele estava em seu botequim com diversas pessoas. Como sairia de lá sem notarem sua falta e voltar após o assassinato. Ouvi comentários que, na noite do homicídio, ocorrerá um sumiço de 4 contos de réis da Igreja do Carmo, e que a mãe de Carlos Gomes, que auxiliava nos serviços da igreja, fora testemunha desse ato. O possível as assino foi “encontrado” na mesma noite com 2 moedas de alto valor e na mesma noite foi assassinado em uma casa abandonada na fazenda no Chapadao. Como ele negro conseguiu todo aquele dinheiro? Não seria o pagamento para sumir com a única testemunha do roubo/furto e logo depois ele foi preso e morto por outros capangas do autor do roubo? Por que o processo sumiu? Ou não foi instaurado, dado às circunstâncias das vontades dos responsáveis pelo roubo e homicídio?

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