Sensibilidades da quarentena: Vamos conversar

Duílio Battistoni Filho – historiador, professor. Titular da Cadeira 6 do IHGG Campinas.

Quarantine feelings: Let’s talk.

Ao final da década de 50 do século passado, havia em Campinas diversas rodas de conversas onde se cultivava o hábito do bate-papo e, sobretudo, do convívio ameno e estimulante entre pessoas inteligentes, algumas, bem informadas, outras, bem falantes, sem esquecer as que quase nunca falavam, mas sabiam ouvir.

O escritor francês André Maurois já chamava a atenção para o fato de que a arte de conversar estava desaparecendo na França, pois não mais existiam os famosos salões franceses comandados pelas “madames inteligentes” e, mesmo no Brasil eles estavam desaparecendo.

Com a agitação da vida moderna quase não sobra tempo para longas conversas de outros tempos. O ser humano tem muita pressa, muitos motivos, além dos horários rígidos e compromissos. Lembro-me bem das conversas de roceiros depois da missa, à porta dos botecos.  Eram tempos de visitas demoradas, às vezes, em dias marcados. As mulheres se visitavam; tinham tempo e muitos assuntos. As conversas se prolongavam, quase sempre trocavam receitas de bolos e doces, receitas de crochê, de rendas. As crianças ficavam no quintal brincando. Era deselegante criticar outra pessoa, exibir conhecimento, como ostentação.

Campinas teve locais importantes para que muitos se reunissem. Um estabelecimento que traz grandes recordações foi o Bar Ideal, que reinava soberano na Rua Barão de Jaguara, esquina com Conceição. Na parte térrea funcionava o bar e na parte superior, o salão de festas. Era o local onde durante o dia e pela noite afora reunia pessoas de todos os créditos políticos, jornalistas, funcionários públicos. Era o reduto da boemia alegre.

A Seleta, mercearia do Chiquinho, também na mesma via, era o ponto de senhores de meia idade, muitos torcedores do Guarani Futebol Clube. Quem sempre aparecia era o Dolor Barbosa, um dos proprietários do Cine Rink, contando as novidades do cinema e dos filmes que seriam exibidos. A famosa prainha, na Avenida Francisco Glicério, era o local longas paqueras e namoros, quando muitos estudantes ali se reuniam após o término das aulas do dia.

A cidade contava ainda na mesma avenida com o Hotel Términus, cuja Doceria atraia as senhoras que se deliciavam com chá, bolos e tortas. Havia também o restaurante Armorial, na General Osório, mais elitizado, onde advogados, artistas plásticos e jornalistas apreciavam, além dos pratos saborosos, a boa música, ao som do piano tocado magistralmente pelo Arnoldo e pelo Orlando Fagnani.

Merecem destaque os Cafés, pontos de reunião, lugar de encontros e de negócios, pois representam um excelente ponto de observação para os espíritos curiosos. Nesse particular, despontava o Café do Povo situado na Barão de Jaguara, esquina com Gen. Osório, local preferido dos estudantes universitários. Hoje a cidade ainda conta com excelentes cafés. Digno de registro é o Café Regina, ótimo para conversas por causa de seu ponto estratégico, bem central e pelo seu saboroso café no coador. É o local preferido pelos políticos campineiros. Foi ali que tive o prazer de conhecer Mendonça de Barros, na época, prefeito municipal.

Haveria eu de escrever um artigo sobre esses lugares de conversas, há tantos.

Atualmente fatores e circunstâncias determinam o desaparecimento desses locais e de rodas de conversa na cidade: em primeiro lugar está o aumento da população; em segundo lugar, novos hábitos de alimentação com lanchonetes nos shoppings; em terceiro lugar, a violência urbana e a falta de segurança e, em quarto lugar, a magia da televisão e do telefone celular, obrigando as pessoas a ficar durante muito tempo frente aos aparelhos. Pergunta-se: será que estamos perdendo a capacidade de conviver com as pessoas e de conversar? Na crônica que publicou em 1886, na Gazeta de Notícias, Machado de Assis indagava:

(…) mas que é que durou neste mundo, a não serem as pirâmides do Egito e a boa fé de minha comadre?

O homem tem que voltar a se relacionar com seu próximo. Concordam?

Imagem de Susanne Jutzeler, suju-foto por Pixabay

3 comentários

  1. Devemos ao Prof. Duílio Battistoni Filho uma verdadeira antologia de escritos sobre o buliçoso cotidiano de Campinas de um passado não muito distante, quase esquecido ante a velocidade da renovação urbana, do crescimento populacional e da complexidade das relações sociais acarretadas pela modernidade/tecnologia. Esse retrospecto nos enriquece culturalmente e reaviva o nosso emocional, as sensações de ser e de pertencer. Congratulações, Prof. Duilio.

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  2. Mais uma vez nos brinda com locais e pessoas importantes para a nossa como foi o modo como conheceu o Prefeito Antonio Mendonça de Barros.

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    1. Alcides. Agradeço seus comentários sobre o meu artigo sobre “Vamos conversar”. É uma Campinas que não existe mais. Um abraço do Duílio.

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