Tarcísio Abrahão (in memoriam) – contador, poeta e escritor.
Quarantine feelings: The canary and the fig tree.
Uma lembrança de algum tempo atrás.
O canário e o figueiro – dedicado à menina Lia,
Um pássaro, bem ligeiro,
Pousou sobre um figueiro:
“Que terrível viageiro
Veio aqui repousar.
Ele é muito bonitinho,
Parece ser canarinho,
Quer roubar do meu frutinho,
Vai-te embora a voar”.
Mas ele nem confiança
Daquela boa lembrança,
Foi enchendo sua pança
Pra então depois partir.
O figueiro a lamentar
Tentou, pois, desafiar
O canário que ao voar,
Beliscou-o a sorrir:
“Tu não sais nem do lugar
Como podes me pegar?
Teu recurso é chorar
E o meu voar… voar”.
“Teu destino é aí pregada
No quintal de uma morada
Ou nalguma matarada
Sem qualquer apelação…
E o meu, vou te contar,
Não é só voar… voar,
Também posso encontrar
Alguém pro meu coração”.
“Tu és bela, és formosa,
Mas posso tirar tua prosa
Deformando tua beleza.
Mas já que serves de ninho,
Me alimentas com frutinho,
Não darei-te essa tristeza”.
A árvore acabrunhada
Com as folhas arriadas
Quase deu uma risada
Vendo em si um alçapão;
E o canário esganado,
Dos frutos já esgotado,
Pulou pra dentro, coitado,
Para dentro da prisão.
Figueiro não debochou,
Pelo contrário, chorou
Vendo o pobre canarinho
Que apesar de ser malvado,
Mal-tratar e ser tratado,
Era mesmo bonitinho.
Canário vemos agora
Somente triste a chorar,
Porque seu destino outrora
Era bom: voar… voar…
Porém a árvore é boa
E o procura consolar.
Pobre figueiro, coitado,
Mesmo sendo mal-tratado
Com mui dó no coração,
Reconhece seu destino,
Porém o do canarinho
Não é dentro do alçapão.
E o canário teimoso
Deixou de ser orgulhoso,
Seu destino tão gostoso
Pelo meio foi cortado;
E o figueiro robusto,
Tal qual um rei resoluto
Alimenta, com seu fruto,
O bom, o mau, o coitado.