Luiza Xavier de Andrade, the baroness and her distinguished Guest, Alberto Santos Dumont.
Eliane Morelli Abrahão – historiadora do CLE e professora colaboradora da Unicamp. Titular da Cadeira 26 do IHGG Campinas.
Amanhece a sexta-feira, dia 18 de setembro de 1903. A estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e as ruas centrais de Campinas estão coloridas com faixas, galhardetes e bandeirolas. Os principais prédios públicos também se revelam decorados e embandeirados… A cidade acorda respirando festividade.
O que está por acontecer?
Pontualmente às 10 horas da manhã chega à estação o comboio de São Paulo, trazendo à cidade um ilustre visitante: o intrépido astronauta brasileiro, Alberto Santos Dumont. O nobre convidado desce de sua cabine ao som de vivas, palmas, do ecoar dos apitos das locomotivas ali estacionadas e dos acordes de quatro bandas de música que executam hinos patrióticos.
Representantes da magistratura, da política, da imprensa, das senhoras, diretores dos grupos escolares e das escolas particulares, líderes do comércio, da indústria, da maçonaria e de associações culturais, de classes e de benemerência estão presentes. Destacam-se o Circolo Italiani Uniti, a Sociedade Alemã de Instrução e o Centro de Ciências, Letras e Artes, este último representado por Frederico Lobe, Octacílio de Camargo e Gustavo Enhe.
Rui Pompeu, Orosimbo Maia, Álvaro Ribeiro, J. Álvaro e Cesar Bierrenbach integram a comissão executiva dos festejos, enquanto a comissão diretora pelos Barões de Ataliba Nogueira, de Ibitinga, Geraldo de Rezende, os doutores Campos Novaes, Cesar Bierrenbach e o coronel José F. Aranha.
Santos Dumont é cercado pelo povo que apinha na estação da Paulista. De lá parte, ora sobre um landau ora caminhando, para a praça Floriano Peixoto, para as ruas 13 de Maio, General Glicério, Conceição e Barão de Jaguara. Das janelas dos sobrados as mulheres jogam confetes e pétalas de flores, e das sacadas pendem colchas de damasco, aumentando a beleza das cores nas ruas centrais.
No palacete do comerciante Henrique Armbust e de sua esposa Paulina, Santos Dumont é recepcionado, adentra e, da janela que dá para a Praça Bento Quirino aprecia a grandeza do préstito que se alegra ao som das bandas musicais, dos vivas e dos aplausos. Ao término da rápida cerimônia, Santos Dumont toma o braço da senhora Luiza Xavier de Andrade e, acompanhados pela comitiva, caminham até a residência dela e de seu marido, o barão de Ataliba Nogueira, na rua Regente Feijó.
Ressaltemos que convidados ilustres, naquela época, deveriam ser recepcionados com elegância e as refeições festivas eram parte importante da tessitura social. Isso significa dizer que a alimentação também assumia um caráter de distinção social, seja pela escolha e o preparo das iguarias, como também pelas práticas de sua apresentação, revelando comportamentos das elites. Aquela sexta-feira, 18 de setembro de 1903, não foi diferente, assim o fez Luiza Xavier de Andrade ao recepcionar Santos Dumont e outros convidados importantes para o seu lauto almoço.
As mulheres modernas eram as principais agentes da difusão da moda europeia, assim como as responsáveis por transformarem e manterem seus lares refinados e agradáveis. As salas de visitas e de jantar eram os espaços em que, indubitavelmente, a sociabilidade delas se apresentava aos pares.
Ao adentrarem à sala de jantar, os convidados avistam uma mesa em forma de “I”, na qual tomam assento Santos Dumont, tendo à sua direita a baronesa Ataliba Nogueira e à esquerda Gabriela Coelho Netto, esposa do ilustre escritor e professor, que naquela época lecionava no Culto à Ciência. Entre os demais convidados à mesa estão Isabellita Ribeiro de Oliveira, Cesar Bierrenbach, Orosimbo Maia, Sant’Anna Gomes, Leopoldo Amaral, Luiz Queiroz Telles, Bento Quirino e o irmão e sobrinhas do homenageado, Henrique Dumont, Sophia e Maria Amalia.
Outras oito mesas menores estão postadas ao redor da mesa principal. Nelas tomam lugar estudantes ilustres, cavalheiros e senhoras da sociedade. O Menu impresso em artístico cartão anuncia as iguarias a serem servidas.
O almoço foi servido ao modo à la russe, conhecido por nós como à francesa. Neste serviço, estruturado em: hors d’ouevre, potage, entrées, rôti, entremets e desserts – os comensais servem-se da travessa que lhes é apresentada a cada serviço. O chefe de mesa tem o cuidado de facilitar o acesso à comida. Os assados eram fatiados previamente nos aparadores, móveis estes comuns nas salas de refeições das residências paulistas, desde meados do século XIX.
Menu
As iguarias são disponibilizadas obedecendo a ordem pré-estabelecida no cardápio. Observa-se a sequência não apenas de sabores, mas de temperatura e substância. Inicia-se um banquete pelos pratos leves, as entradas: sopas, saladas, cremes; depois os pratos substanciosos: peixes, aves e carnes, e finalmente as sobremesas. O ponto central ou o prato principal são os assados. Vejamos como a baronesa elaborou o almoço em homenagem a Santos Dumont.
Ela observou uma sequência recomendada pelos grandes chefs franceses: os caldos abriram o serviço com o Creme d’árpeges e a Canja. Em seguida peixes variados, como o camarão recheado, a pescada e o dourado, estes últimos acompanhados de Sauce piquente.
Houve um terceiro serviço antes dos assados, composto por Vol-au-vent (torta de massa folhada), a Galantine (típico da França e de Portugal, confeccionada com diversos tipos de carne de aves, desfiadas, preparadas e cozidas com gelatina feita com o caldo da própria ave. A iguaria é servida fria). Por fim, Cotteletes de mouton (bolinhos de carne de carneiro).
O Dindon a la brésilienne, o Jambon d’York e o Roast-beef conformaram o quarto serviço, chamado de Rôtis. Ressalta-se que o peru (dindon) era presença certa em noventa por cento das refeições formais e a denominação desta iguaria descortina as fases políticas do Brasil – “Dinde imperiale”, “Dinde a la Republique” a “Dinde à brésillienne”. Ao Dessert, sobremesa, a baronesa ofereceu Gâteaux variés, Pièces montèes (montados em camadas ou em formatos decorativos), Compotes, Fromages e Fruits.
A harmonização dos vinhos é mais um capítulo dessa minuciosa elaboração dos almoços e jantares cerimoniosos. Acompanharam as delicatessens os vinhos Madére, Porto, Rhin, Bordeaux, Bourgogne e o Champagne, seguindo a mesma ordem dos pratos, do mais leve ao mais encorpado. O café e os licores eram oferecidos aos presentes durante a sobremesa.
Os brindes e as homenagens normalmente eram realizados durante o Dessert. Nesta comemoração o encarregado de prestar os vivas a Santos Dumont foi o ilustre professor Coelho Neto, que saudou o homenageado com um belo discurso.
Em seguida, Isabellita Ribeiro de Oliveira, neta do barão de Ataliba Nogueira, declama um poema e investe-se de acompanhar o convidado até a rua Barão de Jaguara. Neste local foi erguida uma estátua em homenagem a Carlos Gomes e coube a Santos Dumont colocar a primeira pá de cimento no monumento que ali depois foi (e ainda está) erguido. Ao término da cerimônia, o visitante segue para o Club Campineiro e para o Centro de Ciências Letras e Artes. Neste último local, recebe das mãos do presidente, José de Campos Neto, o título de sócio honorário do CCLA.
O incansável visitante ainda segue de landau para o Ginásio de Campinas, o Culto a Ciência. Dumont percorre todas as dependências da escola onde estudou por curto período, acompanhado de alunos e professores fascinados por ele.
Diversas atividades para um só dia, mas o ilustre aviador encontra tempo para mais uma pausa. É levado novamente para o palacete Armbrust, onde um grupo de mulheres o aguardava. Paulina Armbrust oferece-lhe um copioso lunch e ao champagne, mais vivas a Dumont. Entre as distintas mulheres estão Isabellita Ribeiro de Oliveira, Elisa Miranda, Evangelina e Elizabeth Vieira Bueno, Dallia Barbosa de Oliveira, Noemia Vicentina Bierrenbach, Elisa e Marietta Rezende, Zuleika de Castro Prado e Mercedes Braga.
Chega o momento da despedida. Em vagão especialmente reservado a ele e a sua comitiva, Alberto Santos Dumont segue para São Paulo, onde chegou às 7 horas e 40 minutos da noite.
Imagens:
Palacete Armbrust. Desenho a bico de pena de Antonio Carlos Marotta. Campinas, riquezas do passado. Ed. Komedi, 2007.
Menu do jantar a Santos-Dumont, imagem cedida da coleção de Gilberto Gatti.
Referências bibliográficas:
ABRAHÃO, Eliane Morelli. “A coreografia de louças e alimentos nas mesas do Brasil (1860-1930)”. In: ALGRANTI, Leila M. e MACÊDO, Sidiana (orgs.). História & Alimentação (Brasil séculos XVI-XXI). Pará, ed. Paka-tatu, 2020.
CORREIO Paulistano (SP). Santos Dumont. 1903.
COMMERCIO de São Paulo, O. Santos Dumont em Campinas. 1903.
DUBOIS, Urban. Grand livre des pâtissier et des confiseurs. Tomo 2, 1883.
ESTADO de S.Paulo, O. Campinas, 18. 1903.