The Campinas’s Old Buildings (SP, Brazil).
Benedito Barbosa Pupo* – jornalista, pesquisador. Patrono da Cadeira 43 do IHGG Campinas.
O povoamento da região campineira, a partir do segundo quartel do século XVIII, deveu-se à decadência da mineração e à expansão da agricultura no Planalto Paulista. Embora a busca do ouro ainda fosse atividade de que se ocupavam muitos paulistas, a agricultura já constituía uma preocupação da gente bandeirante.
Abrindo-se a Estrada dos Goiases, em 1722, sesmarias começaram a ser concedidas na região campineira, formando-se aí, em consequência, uma pequena comunidade rural. Esta, de acordo com o primeiro recenseamento, feito em 1767, possuía 53 fogos, o que quer dizer 53 sítios, abrigando 265 almas. Esse recenseamento abrangia área maior do que a ocupada hoje pelo município de Campinas, pois nela incluíam-se os atuais municípios de Valinhos e Vinhedo.
Dentro de uma economia de subsistência, a população do bairro rural situado nas Campinas do Mato Grosso vendia os excedentes aos itinerantes, que pernoitavam no pouso aqui então existente.
A introdução da cultura da cana-de-açúcar, que veio substituir a lavoura de subsistência, segundo Saint-Hilaire, foi o fator responsável pelo progresso de Campinas, que assim conseguiu ser elevada a município com o nome de Vila de São Carlos.
Incluso no chamado Quadrilátero do Açúcar, na região delimitada por Sorocaba, Piracicaba, Jundiaí e Mogi-Guaçu, o município de Campinas, desde essa época, começou a revelar vocação exportadora. A expansão da lavoura canavieira nessa região, sob os auspícios de D. Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus, que governara São Paulo de 1765 a 1775, veio incrementar o progresso campineiro.
Ao lado dessa atividade agrícola e com tendências a substituí-la, conheceu-se, desde o início do século XIX, a lida com o café que, segundo o botânico Joaquim Correa de Melo, em sua obra Café Campinas, de 1872: era trazido em cerejas da chácara do tenente Francisco Antônio d’ Andrade, aqui era despolpado, seco ao sol, estendido na rua em frente à casa de sua residência, sita à Rua Barreto Leme; e depois era socado a mão em pilões. Com a ida do tenente Francisco Antônio d’Andrade para o Sul a fim de tomar parte na campanha militar, essa pequena lavoura ficou abandonada, aniquilando-se.
Outras lavouras, como a do capitão Francisco de Paula Camargo, formada em 1817, e a de seu parente, o tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto Camargo foram iniciadas e abandonadas por motivos vários. O primeiro exportador de café de Campinas foi Francisco Egídio de Souza Aranha que, parente e genro do tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto Camargo, deste recebeu a fazenda e a ampliou.
Estimulados pelos ótimos resultados obtidos pelo lavrador Francisco Egídio, José de Souza Campos e Bernardo José Sampaio passaram, por volta de 1835, a dedicar-se à cafeicultura. À vista de sua bem-sucedida experiência, os seus vizinhos e outros foram pouco a pouco abandonando as plantações de cana, substituindo-as pela do ‘café’, de sorte que nos anos de 1842 e 1843 já fizeram-se colheitas importantes. Conclui Correia de Mello seu histórico com esta afirmação: É destas últimas datas que começou a imensa riqueza e florescimento deste município, que o deve ao pequeno fruto oriundo da Ásia.
Segundo o relato do engenheiro agrônomo J. E. Teixeira Mendes, na introdução ao álbum de aquarelas de José de Castro Mendes, que contém ilustrações de construções das velhas fazendas de Campinas, a cafeicultura nesse município passou por três períodos, reflexo do que ocorreu no restante da Província. O primeiro deles refere-se à fase do elemento servil que, base da economia agrícola da época, foi o esteio da cafeicultura, quando de sua introdução em terras paulistas. O segundo é marcado pela presença do colono estrangeiro, quando a migração de trabalhadores rurais, provindos principalmente da Itália, foi intensificada. O último caracteriza-se pela diminuição do fluxo migratório para o Brasil e saída de colonos de São Paulo, que se dirigiam ao Norte do Paraná, atraídos pelas terras roxas.
Apresentavam-se também em Campinas, evidentemente, as características da estrutura da sociedade colonial brasileira que, para Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, repousa fora das cidades. Foi a partir de 1888, com a abolição da escravatura, que a vida brasileira se deslocou do campo-para a cidade. Foi só então que se implantou a urbanocracia.
A cidade, segundo esse autor era uma simples dependência da zona rural, pois toda a atividade se desenvolvia nesta. Os fazendeiros viviam mais tempo em suas fazendas, mantendo suas casas na cidade somente para as grandes ocasiões, como as festas religiosas. A tendência, portanto, era de que cuidassem esmeradamente de suas casas rurais, descuidando-se das residências urbanas, pois era nas primeiras que havia a possibilidade de receberem com mais requinte, e aí concentravam-se as peças de luxo. Não consta, porém, que isso tenha acontecido em Campinas, cujos fazendeiros, se se esmeravam em requintes em suas residências nas fazendas, jamais descuidaram de suas moradias urbanas, verdadeiras mansões, onde também imperavam a pompa e o luxo.
Abordando as construções nas fazendas, J. E. Teixeira Mendes, no já citado álbum de aquarelas de José de Castro Mendes, refere-se às peças fundamentais como a casa grande e a senzala. Estas eram as peças obrigatórias em qualquer fazenda. A casa grande, não possuindo um estilo arquitetônico próprio, tinha, entretanto, identidade em seus traços gerais. Muitas dessas residências eram assobradadas, com um rés do chão sem grande utilização, a não ser para depósito de objetos utilizados na jornada de trabalho ou fora de uso. Com amplas varandas, salões enormes, abundância de quartos e grande cozinha, a casa grande podia abrigar dezenas de pessoas ao mesmo tempo.
Vinculada à casa grande, visto que não se admitia ficasse longe dos olhos do fazendeiro, a senzala ou curro era o alojamento dos pretos durante a noite. Com um único portão, janelas e portas abrindo-se para o pátio interno, a senzala era assim de fácil fiscalização.
Quanto à zona urbana, dois tipos de habitação – sobrado e casa térrea – predominavam, caracterizando-se o primeiro por ser assoalhado e o segundo de chão batido. Com isso, definiam-se as relações entre os tipos de habitação e os estratos sociais: o sobrado demonstrando a riqueza, e a casa térrea de chão batido, a pobreza.
As casas em geral, construídas de modo uniforme, tinham, em alguns casos, sua padronização fixada nas Cartas Régias ou em posturas municipais. No século XVIII, eram exigências correntes dimensões e número de abertura, altura dos pavimentos e alinhamentos das edificações vizinhas. Com as normas estabelecidas para as construções no período colonial, procurava-se reproduzir nas cidades brasileiras uma aparência portuguesa. Nesse período, as ruas eram definidas pelas casas.
Ao contrário dos espanhóis, que dispunham de legislação abundante nesse sentido, podendo assim disciplinar a cidade desde o seu nascimento, os portugueses não planejavam convenientemente seus centros urbanos, desleixando-se mesmo na sua implantação e desenvolvimento. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda retrata a situação com estas palavras:
As casas eram semeadas com desalinho, em volta de uma igreja toda branca e situada quase sempre em lugar mais elevado; com um desalinho que faz pensar um pouco nesses jardins de Portugal, evocados por Gilberto Freyre, cheios de uma poesia meio selvagem e onde aparecem, aqui e ali, flores de nome, que pedem poemas: Flor de Noiva, Três Marias, Cinco Chagas, Brinco de Princesa, Flor de Viúva, Suspiros, Saudades, Resedá, Palmas de Santa Rita.
Campinas, ao contrário de muitos núcleos urbanos, pode ser considerada uma cidade criada. As normas para arruamento e construção de casas, estabelecidas pelo Morgado de Mateus, governador da Capitania de São Paulo no período de 1765 a 1775, seriam um plano urbanístico sem os requintes tecnológicos dos atuais, é claro. Elas já revelavam uma certa preocupação com a localização do povoado e suas características urbanas.
Continua na próxima edição.
* In memorian
Referências bibliográficas:
GONÇALVES, Fúlvia e PUPO, Benedito Barbosa. Testemunhos do passado campineiro. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1986.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: José Olympio Editora, 1971.
MELLO, Joaquim Corrêa de. Café Campinas. (s.n.t.), 1872. Original digitalizado pode ser encontrada em: <http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com/2011/01/memoria-escrita-cafe-campinas-por.html> , acessado em outubro de 2019.
REIS FILHO, Nestor Goulart dos. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1973.
Bom dia! Parabéns pelo texto sobre as construções antigas de Campinas, pois eu como bom filho desta terra tenho orgulho de nossa história.
Somente fiquei triste com nossa biblioteca pública, pois depois de mais de trinta e cinco anos entrei novamente e não vi mais as fotos antigas de Campinas. Espero que as mesmas estavam guardadas adequadamente para que gerações futuras possam ter a oportunidade de aprecia-la também.
Atenciosamente
Amauri Paes
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Obrigado, há muita gente boa cuidando dos documentos de Campinas. Também chamo a sua atenção para a parte final do artigo, que será publicada na próxima quinta-feira à tarde. Mais uma vez obrigado.
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