Carta de repúdio à manifestação pública neonazista de Roberto Alvim, ex Secretário Nacional de Cultura

Note of repudiation against the neo-Nazi public manifestation of Roberto Alvim, Special ex-Secretary of Culture in the Brazilian Federal Government.

Bruno Gabriel Witzel de Souza – pesquisador, professor universitário, Correspondente do IHGG Campinas em Gottingen, Alemanha.

Sou sócio correspondente do IHGG Campinas em Gottingen, cidade situada na região central da Alemanha. Atuo em Georg-August Universitat (a mais antiga da Baixa Saxônia, criada em 1734). Também atuo no Grupo de pesquisas Davatz-Sangbaul que, em linhas gerais, estuda a imigração alemã para a região de Central do Estado de São Paulo. Nesse momento, a diretoria constitutiva desse Grupo (ao final nomeada), com o apoio da diretoria do IHGG Campinas, vem expressar seu mais profundo repúdio ao pronunciamento do Sr. Roberto Rego Pinheiro, que se apresenta pelo nome artístico de Roberto Alvim.

A nota oficial do dia 17 de janeiro de 2020 da Secretaria Especial de Cultura é uma afronta à civilização. As paráfrases ao discurso de Joseph Goebbels, assim como as escolhas estéticas – de composição do cenário e símbolos audiovisuais – demonstam a proximidade intencional do referido discurso com a propaganda nazista. O ex-secretário da cultura serviu-se deliberadamente do Estado Brasileiro para propagar a mais profunda barbárie à qual se rebaixou um dia a espécie humana.

A demissão desse senhor foi condição necessária à manutenção dos princípios mais elementares da democracia brasileira. No entanto, ela não é suficiente. A posteriori, o Sr. Roberto Alvim declarou que A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha, e não se pode depreender daí uma concordância minha com toda a parte espúria do ideal nazista.

Com tal declaração, o ex-secretário demonstra, mais uma vez, má-fé ou ignorância absoluta sobre um tema que lhe deveria ser auto-evidente pela função que ocupara. Isto porque a visão (anti)artística do nazismo é indissociável de seu projeto totalitário, de destruição civilizacional. O ataque sistemático à cultura através do extermínio físico, psicológico e intelectual foi um dos pilares do regime nazista. O totalitarismo não pode aceitar qualquer forma de pluralidade. Naquele contexto, arte, cultura e ciência já não serviam ao homem, mas tão somente à ideologia nazista.

Por outro lado, é com algum alívio que lemos maciças expressões de repúdio a esse discurso de um representante do governo federal. Órgãos do próprio Executivo e do Legislativo já manifestaram sua repulsa, assim como notas diplomáticas e, principalmente, a opinião pública brasileira.

No entanto, a frase clássica de Berthold Brecht – ele próprio perseguido e exilado pelos nazistas – continua a uivar em nossos ouvidos: A cadela do fascismo está sempre no cio.

O próprio fato de o termo fascismo ter tido seu significado tão profundamente banalizado, quase relativizado, no cenário político brasileiro dos últimos anos é revelador de um problema latente. Há hoje no Brasil uma receptividade potencial para regimes extremistas. Embora a polarização permaneça também à esquerda, é a ascensão da extrema direita que hoje preocupa – não menos pelo fato de um secretário de cultura ter-se usado de palavras e posturas nazistas enquanto representante do Estado Brasileiro. Expressões de cunho fascista há muito deixaram as redes sociais – onde quase se banalizam pela quantidade a que chegaram – para alcançar movimentos de rua, organizações políticas e mesmo a atividade criminal direta, como o ataque contra a produtora de audiovisuais Porta dos Fundos.

Nesse contexto, a responsabilidade para a manutenção dos valores democráticos está nas mãos de dois atores principais.

Cabe aos agentes públicos cumprirem efetivamente o dever de seguir e guardar a Constituição Brasileira. Tarefa obrigatória, essa simples prerrogativa implica o seríssimo dever de defender o Estado Democrático de Direito, em sua estrutura federal e republicana.

Idealmente, os agentes públicos deveriam também promover uma adequada política educacional, científica e cultural. Frente às enormes dificuldades atuais enfrentadas no Brasil para compor tais quadros e traçar os planos que estas políticas requerem, compete então à sociedade civil assumir mais diretamente tal função.

É também com vistas a contribuir neste sentido que o Grupo Davatz-Sangbaul, com este apoio do IHGG Campinas, vem externar sua posição hoje. Assim, cumpriremos a nossa obrigação de atuarmos de maneira positiva na promoção cultural do Brasil e, com isso, estreitarmos os laços de cooperação internacional pela diplomacia cultural.

Nesse sentido, é preciso a todo custo alertar sobre os perigos da polarização.

O extremismo sempre nos parece muito distante – no tempo e no espaço. No entanto, apenas oito anos separaram a queima de livros de 1933, na Alemanha, do início do extermínio dos judeus europeus pelos nazistas.

Ali, onde se queimam livros, há de se queimar também pessoas, profetizara o poeta judeu-alemão Heinrich Heine, em 1821. Depois de queimar páginas, foi a vez de destruir a arte degenerada. O passo seguinte, um pouco mais lento, mas orquestrado com botinas de ferro, foi desacreditar a ciência. Daí a expulsar professores e dissidentes artísticos foi apenas outro passo. Prendê-los por suas ideias, por que não? E assim terminamos olhando para campos de extermínio de seres humanos na década de 1940.

Toda essa vergonha mascarada e aliada a um discurso de que havia um novo projeto artístico, que seria heróico […] ou não seria nada.

É em memória da verdadeira cultura brasileira que devemos nos resguardar contra esse perigo.

É em memória de um Lasar Segall e de um Stefan Zweig que não podemos aceitar um Roberto Alvim ou seus apoiadores, sabidamente espalhados pelo país.

Assinam o artigo como diretoria constitutiva do Grupo Davatz-Sangbaul: Bruno Gabriel Witzel de Souza – Flávia Renata da Silva Varolo – André Luiz Bovo – Leonardo Antonio Santin Gardenal – Éder Rodrigo Varussa.

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