Preface: To come, to live and maybe to die in Campinas (SP, Brazil): study of germans.
Tamás Josef Szmrecsányi (in memoriam) – professor da UNICAMP, e ex-coordenador associado do Centro de Memória (CMU).
Com um desenvolvimento que precedeu no tempo o crescimento da capital e de sua área metropolitana, o interior do estado de São Paulo transformou-se há décadas no segundo mercado consumidor de bens e serviços do país. Além disso, e em comparação com o interior da maioria dos demais estados brasileiros, ele tem se destacado igualmente pelo estágio avançado que alcançou em vários campos socioculturais, notadamente na ciência, na tecnologia e no ensino superior.
As raízes dessa situação atual remontam à segunda metade do século passado, quando simultaneamente tiveram início na então província de São Paulo, de um lado a expansão cafeeira do Oeste Paulista, e do outro a progressiva substituição, na mesma região, do escravismo pelo trabalho livre. Esses dois processos foram acompanhados de perto, quando não acelerados, pela modernização do seu sistema de transportes, através da implantação e expansão das ferrovias.
Campinas e suas imediações foram um importante centro irradiador dessas profundas e abrangentes mudanças. Por outro lado, todos esses movimentos tiveram entre seus fatores subjacentes e determinantes a crescente imigração estrangeira que se encaminhou para essas áreas, bem antes mesmo da Abolição, em 1888.
Uma boa parte dessa imigração – que seria responsável, em grande medida, pelo intenso progresso econômico e social das décadas subsequentes – foi promovida pelos fazendeiros de café e destinou-se fundamentalmente a prover de mão de obra os seus estabelecimentos agrícolas. Mas, ao lado dela, e em decorrência das outras mudanças que estavam acontecendo, também houve fluxos migratórios espontâneos, que se dirigiram predominantemente aos núcleos urbanos em formação ou crescimento. Tais fluxos eram integrados não só por trabalhadores autônomos, técnicos e artesãos de vários tipos, mas também por pequenos empresários e até por alguns profissionais liberais.
O livro Vir, viver e talvez morrer em Campinas: um estudo sobre a comunidade alemã residente na zona urbana durante o segundo reinado. (1999). Campinas: Editora da Unicamp / CMU publicações, de Andrea Mara Souto Karastojanov, resultante de sua dissertação de mestrado defendida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, procura examinar um desses fluxos, constituído de alemães e seus descendentes, que foram sendo atraídos para a cidade de Campinas, na qual acabaram se instalando com seus familiares. Embora tivesse sido relativamente pouco numerosa, essa imigração foi muito expressiva do ponto de vista qualitativo, afetando profundamente a vida econômica e cultural dessa cidade.
Os efeitos econômicos de sua ocorrência se fizeram sentir através do surgimento de novas atividades, de novos produtos e de novas maneiras de produzir. Por sua vez, a influência cultural dos imigrantes exerceu-se fundamentalmente por meio do estabelecimento de escolas e de outras entidades que perduram até hoje, moldando a formação de várias gerações de campineiros.
Tais processos tiveram uma desaceleração, mas não chegaram a ser interrompidos, pela epidemia de febre amarela que assolou Campinas por ocasião do advento da República, em 1889-1890. Uma epidemia que perdurou praticamente até o final do século, paralisando temporariamente o desenvolvimento da cidade, fadada desde aquela época a tornar-se um dos principais centros urbanos do estado. Essa inflexão acabou balizando o final do período estudado pela autora, cujo início se situa – como já foi dito – na década de 1850.
Foi nesse período que Campinas transformou-se em um importante entroncamento ferroviário, e viu nascer as suas primeiras indústrias. Seu traçado urbano, a arquitetura de suas edificações, os usos e costumes de sua crescente população, revelaram significativas alterações, nas quais os imigrantes de origem alemã tiveram uma participação considerável.
Uma parcela ponderável da análise institucional da autora concentra-se no capítulo relativo à criação e evolução da Sociedade Alemã de Instrução e Leitura da cidade. Tratava-se de uma entidade originalmente fundada, em 1863, como associação de defesa mútua dos alemães residentes em Campinas e nos seus arredores, mas que, naquele mesmo ano, acabou sendo rapidamente transformada numa agremiação cultural e beneficente – mantenedora de uma escola, de uma biblioteca e de um cemitério.
No início do livro, a autora faz um importante retrospecto histórico das relações sociais e demográficas entre o Brasil e os países europeus de língua germânica, realçando as mudanças que houve nesse plano a partir da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. Por seu lado, o capítulo seguinte traz estudos de casos de imigrantes julgados mais significativos.
Essa análise não se limita àqueles que se tornaram mais conhecidos, ou que foram economicamente mais bem-sucedidos, procurando abranger todos os que de alguma forma influenciaram o desenvolvimento da cidade naquele período. Finalmente, o capítulo derradeiro aborda o término deste primeiro ciclo, não apenas da imigração alemã para Campinas, mas também do seu crescimento econômico e demográfico.
Completam a obra uma introdução metodológica, relativa às fontes de dados disponíveis e ao seu uso, e um anexodocumental e iconográfico. A leitura de todo o conjunto certamente será útil para os que quiserem aumentar seus conhecimentos quer sobre a imigração alemã para Campinas, quer sobre a própria história dessa cidade na segunda metade do século passado.
* In memoriam
Referência bibliográfica:
KARASTOJANOV, Andrea Mara Souto. Vir, viver e talvez morrer em Campinas: um estudo sobre a comunidade alemã residente na zona urbana durante o segundo reinado. Coleção Campiniana, volume 19. Campinas: Editora da UNICAMP / CMU publicações, 1999, 375p.