Colégio Internacional de Campinas: luzes da fé e da razão

International School: lights of faith and reason (Campinas, SP, Brazil).

Sérgio Eduardo Montes Castanho – professor e pesquisador de História da Educação na UNICAMP. Titular da Cadeira 35 do IHGG Campinas.

A criação do Colégio Internacional em Campinas, em 1869, foi, diretamente, obra dos missionários presbiterianos George Morton e Edward Lane. Indiretamente, porém, resultou do próprio núcleo do projeto de missão: levar as luzes da civilização, venham elas do avanço da ciência ou da crença religiosa, a sociedades supostamente vivendo nas trevas da ignorância ou do pecado.

Pretendo nestas rápidas linhas apresentar a fundação dessa escola como um fruto da cosmovisão iluminista.  Embora o amplo guarda-chuva iluminista possa abrigar concepções diversas e diversificadas como o positivismo, o cientificismo, o racionalismo, o socialismo, o evolucionismo e daí por diante, há em comum entre todas elas a ideia de progresso contínuo e de predomínio da razão. Mesmo se abstendo, em geral, de uma visão religiosa do homem e do mundo, o iluminismo deu-se bem com o cristianismo reformado, especialmente na vertente calvinista, em que se aloja o presbiterianismo. O paradigma iluminista (ou moderno) na historiografia foi bem caracterizado por Ciro Flamarion Cardoso (1997), que o opôs ao paradigma pós-moderno, sendo este marcado pela desconstrução da explicação racional única e unitária e, daí, por um relativismo radical.

O republicano irmão de Francisco Glicério, Jorge Miranda, vereador em Campinas eleito em 1876, exaltou na Gazeta de Campinas, em novembro de 1871, o projeto desses missionários presbiterianos de fundação de um colégio na cidade. São sintomáticas as palavras de Miranda: Faça-se, pois, a luz. Derrame-se a instrução, eduque-se o povo e a ignorância e o fanatismo desaparecerão como por encanto. (…). Doutrinai o vosso rebanho se quereis a fé pura e o império da religião, disse Laboulay. (CAMARGO, 2019). Nada mais expressivo para chancelar a união entre saber científico e fé religiosa que esse projeto de cariz iluminista.

A mesma Gazeta de Campinas apresenta, em dezembro de 1871, o elenco das disciplinas do colégio: Latim, Grego, Línguas Modernas, Filosofia Moral, História, Literatura, Retórica, Economia Política, Matemática, Filosofia Natural, Química, Matemáticas Aplicadas, Engenharia Civil, Química Analítica, Industrial e Agrícola, além, é óbvio, de Religião, justificada, na exposição da grade curricular, como expressão da liberdade de consciência. Assinam a exposição Morton e Lane, que, antecipando-se a possíveis objeções do catolicismo dominante na cidade, mostram que o Ato Adicional de 1834 havia incumbido as assembleias provinciais de legislar sobre instrução e que a de São Paulo promulgara lei em 1869 declarando absolutamente livre na província o ensino primário e secundário.

Tal currículo mereceu, na pena de Erasmo Braga na Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, em 1916, a manifestação encomiástica de ser um grande estabelecimento de ensino médio e até universitário na cidade (CORREIO POPULAR, 2018). Há talvez um exagero nisso, mas que o propósito do educandário era propiciar ensino elevado não resta dúvida. Além de conteúdo de alto nível, também a organização escolar e a metodologia do ensino traduziam o que de melhor se fazia nos Estados Unidos. Ademais, desde o início a escola teve aulas em português e inglês (MORAES, 2019).

Na reunião em que Lane e Morton apresentaram o plano de construção do colégio estava presente a nata financeira, intelectual e política de Campinas, com o comparecimento de gente como Joaquim Egídio de Sousa Aranha, que presidiu a assentada, futuro Marquês de Três Rios e presidente da província paulista, Joaquim Bonifácio do Amaral, Manoel Ferraz de Campos Sales, futuro presidente da república, Francisco Quirino dos Santos, Antônio Egídio de Sousa Aranha, Joaquim José Vieira de Carvalho, Antônio Carlos Pacheco e Silva, Antônio Pompeu de Camargo, Jorge Krug, Guilherme Krug, construtor a quem caberia a edificação do colégio, Domingos Luís Neto, gerente do Banco Mauá, Francisco Glicério de Cerqueira Leite, futuro General Glicério e pró-homem da República, Francisco Rangel Pestana, Hércules Florence – e muitas outras personalidades de prol da sociedade campineira.

A instalação física da escola passou por duas fases. Na primeira, em 1872, foi comprado um terreno com cerca de 10 mil metros quadrados, com uma casa velha que foi reformada, localizado na esquina da antiga Rua do Pórtico, atual Ferreira Penteado, com a Lusitana. Nesse local, hoje bem central, naquele tempo nem tanto, funciona nestes dias a 1ª Igreja Presbiteriana Independente de Campinas. A segunda fase é a da construção definitiva do colégio, iniciada com a compra de uma área de cerca de 97 mil metros quadrados nos arredores da cidade.

Em 1874, concluída a maior parte da obra, o colégio transfere-se para essa chácara. A Propaganda do Colégio Internacional em 1877 mostra quatro ilustrações: Entrada do Collegio, Vista de Traz, Casa de Banho etc. e Collegio de Meninas (CAMARGO, 2018). Este mesmo autor nos dá a localização do colégio: Ao observar o terreno no mapa é notória sua posição periférica na cidade, além de chamar a atenção as ruas que circundavam o terreno do colégio, como a Rua Direita, a Rua do Commercio, a Rua Luzitana, a Rua da Aquidaban e a Rua Uruguayana. O mapa data de 1878 e foi confeccionado pelo Engenheiro Luiz Pucci em uma escala de 1:4000. (Idem, ibidem, p. 45).

A matéria estampada na revista Metrópole do jornal Correio Popular, assinada pelo jornalista Rogério Verzignasse, que entrevistou a sra. Nelly Bolliger, viúva do médico Eduardo Lane, neto do pioneiro Edward Lane, dá a localização com referencial atual: ergueu o Colégio Internacional, que existiu nas imediações da Casa de Saúde (METRÓPOLE, CORREIO POPULAR, 21 out 2018, p. 26).

O alunado do colégio era misto, o que representava um avanço para a época. A composição social desse corpo discente apontava para a elite. Estudaram aí filhos de Bernardino de Campos, Hércules Florence, Coronel Quirino dos Santos e Campos Sales. Alguns ex-alunos brilharam na política, como os senadores da República José Pereira de Queirós e J.C. Alves de Lima. D. Pedro II visitou o colégio em 1875 e em mais duas ocasiões. Em 1878 matricularam-se no Internacional 187 alunos! (IGREJA PRESBITERIANA DE CAMPINAS, 2018).

O corpo docente era bastante diversificado quanto à orientação filosófica e homogêneo quanto à capacitação intelectual. Entre os professores estavam o republicano Rangel Pestana; Júlio Ribeiro, latinista, gramático e festejado literato, autor do polêmico romance A carne, da linha naturalista do francês Émile Zola; Francisco José Bokel, de origem alemã, autor de método seguro e rápido que se propunha ensinar o aluno sem jamais cansá-lo; e John Dabney, diplomado em Artes pelo Hampden Sidney College e professor de línguas modernas no Internacional (BENCOSTTA, 1999, p. 157).

Vale reproduzir aqui as palavras do saudoso amigo e ínclito magistrado Mário Braga, para quem o Internacional granjeou uma notável fama, quanto ao aspecto educacional, sobretudo pelos modernos métodos pedagógicos adotados (BRAGA, 1959).

Vários historiadores destacam a tensão entre o idealismo dos fundadores do colégio e o pragmatismo dos pais de seus alunos, que, mais que uma formação cultural de alto nível, preocupavam-se com a preparação de seus filhos para ingresso nas academias do Império – e especialmente na de São Paulo. Essa tensão teria permanecido até o fim do educandário em Campinas. A epidemia de febre amarela que grassou nesta cidade em 1892, ceifando inclusive a vida do reverendo Lane, foi a causa determinante do encerramento nesse ano das atividades do Internacional em Campinas e sua transferência para Lavras, MG. É interessante registrar, à guisa de conclusão do presente texto, as palavras de Marcus Levy Albino Bencostta a propósito desse desenlace:

Com a decisão de transferir seus missionários juntamente com suas atividades religiosas para a cidade mineira em 1892, o Colégio Internacional não somente encerra suas atividades na cidade mas também conclui sua história como instituição que tentou e até certo ponto conseguiu com sucesso a formação de um cidadão identificado com o mundo novo que se abria para a sociedade de Campinas (BENCOSTTA, 1999, p. 155-156).

Referências bibliográficas:

BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. “Educação escolar norte-americana no Brasil do século XIX: trajetórias históricas de um colégio protestante em São Paulo (1869-1892)”. In: NASCIMENTO, Terezinha Aparecida Quaiotti Ribeiro do et al. Memórias da educação: Campinas (1850-1960). Campinas, SP: Ed. Unicamp, CMU – Unicamp, 1999.
BRAGA, Mário F. Uma escola americana em Campinas. Campinas, SP: Correio Popular, 16 de setembro de 1959.
CARDOSO, Ciro Flamarion. História e paradigmas rivais. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CORREIO POPULAR. “Demolido o antigo Colégio Internacional”. Seção Há 50 anos, p. A3, 10 de agosto de 2018.
IGREJA PRESBITERIANA DE CAMPINAS. Colégio Internacional. Material de divulgação, adapt. de Paulo Augusto Moraes. 10 de agosto de 2018.
METRÓPOLE, CORREIO POPULAR. “Saga do clã Lane”. Campinas, SP: revista Metrópole, Correio Popular, seção Memória, Rogério Verzignasse, 21 out 2018, p. 26-27.
MORAES, Gerson Leite de. O nascimento do Colégio Internacional de Campinas: uma análise preliminar da cosmovisão calvinista no século XIX. Atas do V CONEDU – Congresso Nacional de Educação. Internet/Google: acesso em 18 de agosto de 2019.
POMPEO DE CAMARGO, Munir Abboud. O contrato e a concepção: arquitetura escolar e grupo mandatário em Campinas: 1870-1889. Campinas, SP: Unicamp, Faculdade de Educação – Dissertação de Mestrado, 2018.

Um comentário

  1. Excelente caminho que o autor percorre para ilustrar desenvolvimento da razão, num momento em que a ideia de adquirir conhecimentos e fidelidade à Ciencia anda bastante apagada!

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