A educação feminina no século XIX: o Colégio Florence de Campinas (1863-1889)

Female education in 19th century: the Florence School, Campinas, SP, Brazil (1863-1889).

Arilda Inês Miranda Ribeiro – professora de educação da UNESP, pesquisadora. Titular da Cadeira 20 do IHGG Campinas.

O livro surgiu dos resultados apresentados na minha dissertação de mestrado, defendida em 1987, na Faculdade de Educação da UNICAMP: A educação da mulher no Brasil-Colônia. Esta trata de resgatar a gênese do processo educativo feminino brasileiro.

A conclusão da pesquisa indicou que apenas algumas mulheres das famílias abastadas tiveram acesso à instrução e, sempre limitadas nos espaços dos conventos que as alfabetizavam para o acesso aos livros de rezas, ou pouco mais.

Dessa forma, ao perceber que naquele período inicial não se impunham as condições necessárias à implementação da educação para as mulheres, resolvi dar continuidade à pesquisa no período do segundo Império Brasileiro, visto que no primeiro Império o país possuía características muito semelhantes àquelas analisadas no período anterior.

Delimitada a baliza histórica, escolhi o local da pesquisa. Nesse sentido, a cidade de Campinas foi privilegiada, considerando o fato de que, já naquela época, era considerada como uma das regiões culturalmente mais desenvolvidas do país.

A opção pelo estudo da educação feminina no Colégio Florence definiu-se através do critério que envolvia o tempo de permanência durante o regime imperial. Sendo um dos primeiros a ser fundado no reinado de D. Pedro II, ao contrário dos seus contemporâneos, permaneceu vinte e cinco anos em Campinas.

Na Província de São Paulo, a partir de 1860, há notícias da criação de diversos colégios secundários destinados à educação feminina: todos fundados por particulares. A literatura especializada, entretanto, continua com a ausência de estudos que evidenciam a importância que os mesmos exerceram na historiografia educacional brasileira.

A análise do Colégio Florence pretende ser relevante na medida em que resgata a história de uma instituição destinada às mulheres da Província de São Paulo e, dessa forma, busca recuperar aspectos relativos à educação feminina.

Por se tratar de uma instituição particular muito antiga, fundada em 1863, o resgate da documentação foi, quase na sua totalidade, realizada por persistência e sorte em encontrá-la preservada.

As leis protegeram a ausência de documentação pois, os estabelecimentos de ensino, fundados pela iniciativa privada, eram dispensados de enviarem relatórios sobre a situação dos mesmos.

Com dificuldades de encontrar dados nos documentos relativos aos aspectos legais, restaram como fontes alternativas os jornais da época. Gazeta de Campinas e O Diário de Campinas foram pesquisados minuciosamente em microfilmes, observando-se o cotidiano das publicações. Todas as indicações referentes a temas como: Educação, Mulheres, Carolina e o Colégio Florence, durante o período de 1870 a 1892, foram transcritas, catalogadas e finalmente doadas ao Centro de Memória da Unicamp (CMU).

Na análise, as diversas seções (editorial, noticiários, particulares, anúncios) foram vistas ponderadamente, isto porque os jornais não eram absolutamente isentos e neutros na maneira como publicavam as notícias. Estavam essas, de alguma maneira, associadas à postura política dos editores. Por outro lado, as notícias trazem pistas que indicam outras interpretações ligadas ao contexto social da época, podendo evidenciar o seu imaginário coletivo.

Como afirma Lilia Schwartz, que também utilizou a imprensa para observar as representações do negro nos jornais do século XIX, a partir de um só artigo é possível apreender dimensões diversas, diferentes imagens que nos falam sobre a condição negra nesse momento. (1987, p. 14). O mesmo pode se dar com relação à educação das mulheres. A comparação, possível de ser feita entre alguns periódicos, constitui-se na forma de evidenciá-los como segmentos da sociedade que produziam, refletiam e representavam.

As cartas e diários têm um papel fundamental neste trabalho. Eles complementam as notícias encontradas nos jornais e nos livros de historiadores sobre o período. A intimidade que essa documentação contém, possibilita o resgate da riqueza das representações sobre o que ocorria no cotidiano do segundo Império. As impressões, às vezes, falam muito mais do que os documentos oficiais, pois trazem embutido o descomprometimento com a esfera pública. São assim, portanto, fiéis a significados afetivos e à pura expressão subjetiva do que ocorria na época.

Se por um lado o conteúdo enaltece os chamados atributos femininos, como a suavidade, a dependência, a fraqueza e a passividade, de outro denota um discurso diferenciado em relação à mulher. Quando a louvação de um autor masculino se refere a ações femininas, muitas vezes trazem implícitas as ideias de que existem algumas mulheres diferentes do que consideram que a mulher deva ser. (Fundação Carlos Chagas, 1987, p. 41).

Importante também a ressaltar é que, através dos jornais, das cartas e dos diários, tem-se a possibilidade de reunir as mesmas informações a respeito de um fato, dentro da esfera pública e privada. O interessante, nesse caso, é somar as informações das diferentes fontes e cruzá-las a fim de obter resultados satisfatórios. De qualquer forma, a riqueza dessas fontes primárias por si só constitui a maior contribuição que esta pesquisa resgatou. Através delas, o leitor poderá viajar pelo tempo e vislumbrar situações relativas ao século passado.

O acesso às cartas e diários, assim como notas fiscais, livros de contabilidade do colégio, etc., foi conseguido por intermédio dos descendentes dos fundadores da instituição, especificamente de Leila Evangelina Florence de Moraes, bisneta de Hércules e Carolina Florence. O trabalho foi realizado em sua residência, na capital, em visitas periódicas. De posse de um gravador, as cartas eram lidas, traduzidas pela sra. Florence de Moraes e selecionadas para a transcrição.

Esses documentos trazem à tona informações sobre a atuação das alunas na sala de aula, no pátio de recreações, nas apresentações em festas públicas, na assimilação dos conteúdos ministrados por seus professores, dificuldades, doenças, etc. Retratam o meio em que viviam e o cotidiano escolar do século XIX.

As fitas de um total de 150 cartas gravadas foram transcritas em Campinas, catalogadas, e também doadas ao CMU, para pesquisas posteriores. Junto às cartas, anexei toda a documentação sobre a cidade de Campinas e o Colégio Florence, entre eles, os almanaques.

O livro está organizado em 5 capítulos. No primeiro há um resgate dos antecedentes históricos do Colégio Florence. Para tanto, retornei à origem da fundadora da instituição, sua teia de relações afetivas e profissionais. Introduzi o contexto histórico da cidade de Campinas, bem como a formação e o entrelaçamento das famílias. Tratei também da fundação da escola.

No segundo capítulo trabalhei os aspectos formais e informais da educação. Foi necessário resgatar a concepção da educação feminina durante o período do segundo Império e uma síntese dos primeiros colégios em Campinas. No que diz respeito ao conteúdo ministrado, arrolei as disciplinas e a relação dos programas festivos nos finais de cada ano, com o intuito de evidenciar o adiantamento das alunas do Colégio Florence. Através de cursos completos e regulares compostos de estudos de várias línguas e disciplinas como geometria, ciências naturais e trabalhos artesanais é possível verificar o grau de aperfeiçoamento, destreza e aplicação adquiridos na instituição. A natureza do padrão de trabalho que as alunas realizavam possibilitava-lhe obter informações imediatas sobre os seus resultados porque, frequentemente, apresentavam-se ao público.

No terceiro capítulo, relacionei os professores que mais se destacaram, atividades e os reflexos posteriores do Colégio nas suas carreiras de educadores. Cito a participação dos familiares de Carolina Florence e a importância de suas atuações. Encerro o capítulo, tratando do pagamento dos salários dos professores. Dos docentes masculinos, uma grande parte, posteriormente, contribuiu para a estruturação e a solidez do ensino público no período republicano. Criaram os primeiros livros didáticos brasileiros, muitos utilizados no ensino público, como os livros de Julio Ribeiro e João Kopke.

No quarto capítulo, procurei recuperar a procedência das alunas que frequentaram o Colégio Florence e as dificuldades que viviam: doenças, afastamentos, despesas que a instituição enfrentava, entre outros. Citei também as alunas que tiveram notoriedade e as atividades culturais e artísticas desenvolvidas por elas.

No quinto e último capítulo, tratei dos motivos da retirada do Colégio Florence da cidade de Campinas para a de Jundiaí, em 1889, o falecimento de Carolina, a fundadora, e os desdobramentos posteriores do Colégio Florence. Finalmente, escrevi as considerações que julguei procedentes.

Referências bibliográficas:

FUNDAÇÃO Carlos Chagas. (1987). Mulher Brasileira – bibliografia anotada. São Paulo: Brasiliense. 2 v.
RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. (1996). A educação feminina durante o século XIX: o Colégio Florence de Campinas, 1863-1889. Campinas: CMU Publicações. Volume 4 da Coleção Campiniana. 179p.
SCHWARTZ, Lilia M. (1987). Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Cia. das Letras.

Deixe uma resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s