Maria Tudor (1879). Carlos Gomes`s Ópera.
Maria Luiza Silveira Pinto de Moura* – escritora, bibliotecária do CCLA, Patronesse da Cadeira Nº 37 do IHGG Campinas e Décio Silveira Pinto de Moura* – escritor, psiquiatra.
O enredo foi realmente infeliz quanto à escolha, considerando-se que a ópera seria apresentada na Itália, isto é, para um público que tem orgulho da nacionalidade. Baseia-se em um poema dramático de Vítor Hugo sobre o ambiente patológico que existiu no curto reinado de Maria Tudor (1553-1558). Quase todos os personagens são vilões e (por azar) o maior deles é italiano, o que provocou irritação no público e consequentemente o fracasso da ópera.
Após a morte de Eduardo VI, Maria Tudor subiu ao trono da Grã-Bretanha por ser única filha sobrevivente de Henrique VIII e Catarina de Aragão, com o título de Maria I. Maria foi traída pelo seu favorito Fabiano Fabiani e o condenou à morte. Mas, arrependida tenta ainda salvá-lo a caminho do patíbulo, mas sem bom êxito.
O libreto foi escrito por Emílio Praga e concluído por Zanardini e Fontana.
Inicia-se o drama com o cenário de um arrabalde de Londres, às margens do Tâmisa, no ano de 1554, Lordes e fidalgos comentavam, em voz baixa, a desorganização do reino. Havia prodigalidade nos gastos públicos, desleixo administrativo e a consequente fome que atingia o povo, sob a influência do conde Fabiano Fabiani quem conseguiu dominar a corte depois que conquistou o amor de Maria.
Entre os elementos do grupo está D. Gil, embaixador da Espanha, cujo rei Felipe II deseja desposar Maria Tudor. D. Gil conspira contra Fabiano Fabiani após ter descoberto que este, sob o pseudônimo de Lionello traía a rainha com uma plebeia órfã de nome Giovanna, que aliás era noiva do operário Gilberto. D. Gil previne o operário mais tarde e este jura vingança, caso existissem provas.
Com a aproximação dos soldados da coroa, o grupo rapidamente se dispersa e a praça fica vazia. Durante a conspiração, ao ser citado por D. Gil o nome de Fabiani (Un demone impera… Fabiano Fabiani!) Ouve-se o coro (Oh nome fatal) que demonstra o ódio como senso comum. D. Gil está irritado e sentencia: Chi regna quest’oggi- non regnarà domani…. Nessum è imortal.
Segue-se a cena com a chegada de Giovanna à praça e, sentindo-se a sós, expressa seu drama íntimo pleno de sentimentos conflituosos pois, nutre grande estima por Gilberto, mas grande amor por Lionello, quem já a seduziu. Tem grandes dúvidas sobre o futuro desse amor, embora ignore o mau caráter de Lionello, a sua verdadeira identidade e condição social. Esses conflitos se expressam na ária Romanza de Giovanna,que se inicia com as palavras Quanti raggi del ciel. Na ária ela já insinua a dúvida e seu temor dizendo: O gui veihirar di passi, o geuvilecau di voci entro al mio cor ha un eco di terror!
Gilberto surge na praça e não esconde a admiração por ver Giovanna, tão tarde, estar fora de casa. Ela responde que o estava esperando. Gilberto insiste muito ao perguntar se ela o ama, Giovanna, todavia não é direta na resposta e encerra essa resposta dizendo que ele é irmão e pai dela e ao dizer que Por te sempre un’ orazion volgo a Dio, entra em casa.
A Gilberto não passa despercebida a evasiva da amada Giovanna, como se conhece na quarta cena em que ficando a sós canta confusa, muta era Giovanna; in cor de leggerle mi struggo. Após a queixa expressa na ária, aproxima-se D. Gil que embora desconhecido de Gilberto, anuncia-se amigo e faz a denúncia contra Lionello que antes descrevemos.
Ao longe, nesse momento, ouve-se a voz de Fabiani a cantar uma serenata que usa para anunciar a sua chegada a Giovanna. D. Gil se esconde para observar o que sucederia. Giovanna ao ouvir a serenata sai novamente da casa correndo para o encontro do amante. Há um dueto de Giovanna e Lionello, em que se abraçam e falam de amor. Abraçados entram na casa. Gilberto constatou o que confirmava a denúncia provinda de D. Gil. A saída dos amantes é presenciada por Gilberto e D. Gil. A despedida de ambos é interrompida com ameaça encolerizada feita por Gilberto no sentido de matar Lionello, no que é contido por D. Gil, que informara a Gilberto que Fabiani é o favorito da rainha e a atraiçoa. Para essa traição a vingança de Maria Tudor será muito maior.
Ao dirigir-se ainda a Giovanna, Gilberto a faz informada sobre os amores da rainha e a verdadeira identidade de Lionello. Giovanna desmaia. D. Gil promete ainda a Gilberto colaborar no seu desejo de vingança e se despede. Ao longe ainda se ouve a serenata de Fabiani quem nutre ignorantemente esperança de novos encontros.
O segundo ato se passa nos jardins do castelo real, onde instalado o luxuoso trono de Maria Tudor, protegido por uma tenda. Os nobres estão em traje de caça. A rainha desce a escadaria do castelo e se dirige ao trono. A seus pés deita-se Fabiani. Ouve-se um madrigal pelos cantores, em louvor à rainha.
No início de cena ouve-se ao longe um tiro de canhão, que anuncia a execução do duque de Suffolk, quem conspirou contra o reino. Dois lordes, Clinton e Montagu estão confabulando com ódio contra o reino, mas simulam respeito, embora não deixem que os olhos percam de vista a rainha e o seu favorito, que recebem brindes da corte.
Maria Tudor e Fabiani ficam sós e este confessa à rainha o ódio que nutre contra D. Gil. Por sua vez a rainha responde que somente aceitará casar-se com Felipe II se for obrigada por dever de Estado, já que seu amor está dedicado a Fabiani. Após esse dueto anuncia-se a presença de D. Gil, quem aliás solicita audiência a Maria Tudor. Esta permite o ingresso de D. Gil, embora não esconda alguma irritação, Fabiani pede licença para afastar-se.
Os dois lordes já citados, Clinton e Montagu, seguem junto a D. Gil e os três se fazem acompanhar por Gilberto, situação que traz alguma estranheza por ser Gilberto plebeu. Somente motivo muito razoável justificaria tal presença à corte. Após apresentar os respeitos à rainha, D. Gil revela a traição de Fabiani por jurar amor à sua majestade, mas dedicar verdadeiro amor, às escondidas à plebeia Giovanna.
Oferece-se Gilberto, noivo de Giovanna, como testemunha visual por ter surpreendido em flagrante o casal. Giovanna é também trazida à presença da rainha para a confissão através da ária Raconto di Giovanna, que provoca grande cólera em Maria Tudor.
Ao final desta passagem Maria Tudor e Gilberto dialogam em virtude da extrema emoção não guardam a distancia que convém entre uma rainha e um plebeu. Já estavam irmanados no desejo de vingança, Gilberto fala então que non alla morte – solo son pronto. Saprò tradir. O diálogo se passa em voz baixa e ele ouve de Maria que questo pugnale- acaso in senso, reca alla festa – del mio castel. Entrega a Gilberto o punhal do próprio Fabiani, o plebeu pergunta: Quando?e recebe como resposta: amanhã. Esse diálogo á sotto vocefoi iniciado pela própria rainha, quem reteve Gilberto quando tentou retirar-se para acompanhar Giovanna, como é claro, a intenção de retirar-se está presa à noção que tinham os plebeus sobre as suas limitações. Já que a missão estava cumprida, seria desrespeito permanecer no local. A morte de Fabiani estava assentada para o dia seguinte na recepção da corte, quando a rainha aguardaria também o casal plebeu.
O segundo ato se encerra com a quinta cena em que Maria Tudor, tomada de intensa ira, após autorizar Gilberto a matar Fabiani, canta a Vendetta. Os caçadores em coro atravessam a cena e trazem o cervo caçado para entregar a Fabiani. Movimentam-se servos, fidalgos e lordes e ainda se ouve Maria Tudor quando entoa o canto de glória Oh! Falso! a tua sorte está assinada. E a minha vitória! Tu segues para a morte!
No terceiro ato Maria Tudor se prepara para a recepção em seus aposentos. Na recepção estão juntos a rainha, os lordes Clinton e Montagu, além de D. Gil e de algumas damas. Chega Fabiani com alguma dúvida sobre o comportamento da rainha. Ele notara desde o dia anterior que a rainha não lhe dava muita atenção quando em companhia de D. Gil, e dos dois lordes. D. Gil insinua a Fabiani que conhece a canção que canta para anunciar a Giovanna a sua chegada aos encontros. Fabiani dirige-se a Maria, ouvindo-lhe que não estamos sós diz: Uma palavra apenas– Qual?– Te amo. Mas Maria o olha com desdém.
Os homens da corte tratam com alguma ironia Fabiani, quem pouco depois demonstra desprezar àqueles que homenagearam a rainha, através da Romanza que se inicia por Va, cordada falange, la cui parola è ingiuria e il riso scherzo!
Segue-se um diálogo entre D. Gil e Fabiani, em que aquele Provoca e diz-lhe que a rainha o procura com os olhos cheios de amor e de ódio. Fabiani estranha a menção do ódio e diz: Odio… perchè? Chi piu devoto alla Tudor di me?D. Gil afirma que a rainha e a corte já estão informadas sobre as suas aventuras à margem do Tâmisa. Quando sai de cena Fabiani ainda diz a D. Gil que o amor de Maria Tudor vencerá o ódio. Mostra confiança no seu poder de sedução. Ambos encerram o diálogo dizendo ao mesmo tempo: veremos quem rirá por último.
Após a saída de Fabiani, D. Gil faz entrar Gilberto e lhe ensina o esconderijo onde permanecerá até o momento da vingança.
As danças já estão sendo levadas a efeito no salão nobre do palácio. Fabiani, demonstrando preocupação atravessa o salão e ouve provocação dos dois já conhecidos lordes. Os clarins anunciam a chegada de Maria Tudor. Ela entra dando a mão a D. Gil. À chegada da rainha o baile é suspenso para as homenagens e, acomodada a rainha próxima a Fabiani, recomeça a dança que se segue com uma dança burlesca. Ao chegar ao trono lhe pergunta porque está ele com aspecto tão sinistro, ao que Fabiani responde que é porque para sorrir basta para ele um olhar da rainha. De si para si ela ainda comenta: Como finge.
Inicia-se o quarto ato com a rainha desesperada e arrependida por ter sentenciado Fabiani e combinado com D. Gil o indulto de Gilberto, nos processos presididos pelo conde. A ária Piu intensamente Io l’amoexpressa momento emocional vivido por Maria Tudor. Em diálogo com D. Gil, propõe que Gilberto seja entregue ao carrasco em substituição ao amante. D. Gil protesta pela vingança e ela declara que ainda o ama. Promete a D. Gil o título de duque de Wark se ele colaborar. D. Gil finge aceitar o pacto. O condenado vai ao patíbulo coberto por um manto negro, como de costume. Dá-se um diálogo entre a rainha e Giovanna que se arroja aos seus pés pedindo ainda clemência. A rainha acha o gesto muito atrevido, especialmente por vê-la como rival e anuncia que Gilberto substituíra Fabiani, por vingança também contra ela. Após a decapitação a rainha ordena que o indultado seja trazido a sua presença e ao ver que é Gilberto e não Fabiani desmaia, enquanto este e Giovanna se abraçam.
* In Memoriam
Referência Bibliográfica:
MOURA, Maria Luiza S. Pinto de e MOURA, Décio Silveira Pinto de. Os ballets na ópera de Carlos Gomes. (s.d.). Ilustrações de Egas Francisco. Campinas : Cia. Aluminis. 62p. (pp. 31-39).