Life in Italy (c. XIX) and the veneto people in Sao Paulo, SP, Brazil.
Romilda Aparecida Cazissi Baldin – genealogista, pesquisadora. Titular da Cadeira 8 do IHGG Campinas.
De 1870 até 1902, os italianos do Vêneto – como é conhecida a região de Veneza e arredores, ao norte da Itália – estão em primeiro lugar entre os colonos nas fazendas brasileiras. No início do século XX foi a vez dos oriundos da Calábria e da Campania. Os vênetos voltam a ser numerosos após o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918.
Segundo os dados da Hospedaria dos Imigrantes, de 1870 a 1920 entraram no Brasil 965 mil italianos, dos quais 70% vieram para o Estado de São Paulo. Os demais seguiram para Rio Grande do Sul (10%), Minas Gerais (8%), Espírito Santo (6%), Santa Catarina (4%) e Paraná (2%). Em 1920, o Censo nacional mostra pouco mais de 558 mil italianos para o Brasil e quase 400 mil para São Paulo.
Apesar dessa grandeza, os registros italianos apresentam números bem maiores, em torno de 1,5 milhão de imigrantes para todo o Brasil e 850 mil para o Estado de São Paulo. Explica-se: na Itália, os filhos aqui nascidos eram contados como italianos devido ao direito de nacionalidade pela ascendência (jus sanguini), enquanto que no Brasil a nacionalidade é determinada pelo local de nascimento (jus soli).
Dos quase 1 milhão de italianos no Brasil, de 1870 a 1920, 357 mil deixaram o Estado de São Paulo, retornando para a Itália ou partindo para novos destinos, como os Estados Unidos da América e a Argentina, países que ofereciam melhores salários. Assim, como deixar a Itália foi um ato de desespero contra a miséria, sair das fazendas e do Brasil foi uma forma de não concordar com as péssimas condições de vida no novo destino.
Muitos vênetos eram pequenos proprietários de terra na Itália e sentiram os efeitos da frágil economia após a unificação, em 1870. A região se dividia em 7 províncias: Beluno, Padova, Rovigo, Treviso, Veneza, Verona e Vicenza e, até 1900, Udine fazia parte do Vêneto. Destas, Padova, Rovigo e Treviso foram as que mais mão de obra forneceram.
A região produzia essencialmente cereais e vinhedos (uvas). As famílias tradicionais eram numerosas e todos trabalhavam. O pai era a autoridade máxima e a união vingava enquanto houvesse trabalho. Quando o pai envelhecia, em torno de 46/47 anos, o filho mais velho o substituia.
Os homens casavam com 23/25 anos de idade e as mulheres com 18/23 anos. Era raro a mulher casar pela primeira vez com mais de 25 anos. Quando os homens enviuvavam, e com muitos filhos, casavam novamente e com uma mulher bem mais nova. O compromisso do casamento era assumido antes do homem ir para o serviço militar. Após, ele casava com a moça escolhida pela família e ela deveria ter braços fortes para o trabalho e disposição para ter muitos filhos.
A polenta era o alimento básico dos mais pobres. Em famílias abastadas comia-se peixes, ovos, verduras, mas a carne bovina era servida somente em dias de festas. O macarrão era, na verdade, um luxo. Vinho bom só após as colheitas, assim como a fartura de pão. A boa alimentação era possível a quem trabalhasse em pequenas propriedades.
Outro fator de emigração em busca de melhores condições era a falta de habitação adequada. A maioria vivia precariamente em casebres com poucos cômodos, paredes com pó secular e úmidas, chão de terra ou de pedras mal colocadas. Havia poucos móveis: uma cama ou mais, colchão de palha ou pena (feitos por eles), baú, utensílios de cozinha e de agricultura. Um ou dois santos de devoção, o Coração de Jesus e a Virgem Maria.
Com a perda de propriedades devido a crise econômica que se abateu após a unificação, muitos italianos saíram em busca de melhores oportunidades. O contato familiar próximo foi se perdendo e, por isso, alguns sobrenomes originários de uma determinada região se espalharam por toda Itália. A possibilidade de emigrarem para a América surgiu nesse contexto.
No Brasil, as condições de vida não foram tão diferentes e muitas famílias também se viram obrigadas a enviarem seus filhos para o trabalho em outras propriedades e suas filhas a pequenas oficinas de artesanato. A situação piorava se os chefes de família procurassem trabalho em outras cidades, muitas vezes a família toda se mudava. Mas quando havia filhos pequenos, os chefes partiam sozinhos e ficavam dias longe de casa, trabalhando como jornaleiros (como se chamavam os trabalhadores pagos por dia ou jornada).
Em 1882, no inicio da grande imigração, um periódico italiano publicou a notícia de que cerca de 20 mil pequenos proprietários tinham desaparecido dos registros italianos e que, provavelmente, tinham emigrado para a América. Neste contexto, verifica-se que os vênetos não saíram com a esperança de retornarem, pois vieram em grupos familiares e desfizeram-se de tudo: animais, utensílios domésticos etc. Esse êxodo se deu logo após as colheitas do trigo, entre setembro e novembro, e foi com poucos bens e dinheiro chegaram na nova terra.
Até 1887, os pequenos proprietários agrícolas, reduzidos à miséria, foram os primeiros a responder aos chamados do governo brasileiro. A partir de 1888 emigraram os trabalhadores braçais, desocupados, e até profissionais liberais, os chamados artesãos, pois como não havia quem pagasse por seus serviços, optaram por partirem também.
Em 1895, devido a denúncias de maus tratos no Brasil, o governo italiano proibiu a emigração de quem não tivesse condições de se manter, mas o movimento continuou até 1902, registrando saídas principalmente de vênetos.
Quando aqui chegavam, aguardavam o capataz que os levariam às fazendas. Os que vinham por conta própria, quando não encontravam colocação definitiva para trabalharem, vagavam de fazenda em fazenda em busca de emprego e assim espalharam-se. Os italianos provenientes do mesmo lugar procuravam ficar juntos, e tentavam fazer com que o capataz levasse a todos, porque assim poderiam se ajudar nas dificuldades.
Com o passar dos anos, as diferenças culturais entre os vários grupos foram se enfraquecendo, juntamente com as recordações do país de origem. Mas todos tinham uma forte consciência, transmitida às atuais gerações, de que a emigração foi necessária e que miséria estava esquecida.
A vida nas fazendas foi difícil, continuavam sofrendo e trabalhando de sol a sol, como se estivessem na Itália das dificuldades, da fome, da miséria. E alguns deixaram as fazendas nem sempre da maneira normal, fugiam. Há relatos de maus tratos e a história está cheia deles; citando um: o italiano conta que não pôde trabalhar por 30 dias, e por isso tinha sido objeto de escárnio e maus tratos pelos empregados da fazenda, e não suportando mais as humilhações tinha fugido da fazenda, deixando para trás seus familiares, irmãos, tios, primos, com os quais tinha vindo da Itália, esperando que o fazendeiro os deixasse partir também depois, mas que nunca mais tinha tido notícias deles.
Esse problema parece explicar porquê hoje não sabemos se somos parentes ou não de alguma pessoa com o mesmo sobrenome. Mas, diante disso, podemos ter quase certeza de que há parentela, porque até 1910/1920 todos sabiam quem eram seus parentes, lembravam dos nomes, onde tinham nascido, quem eram seus pais etc.
Já vimos que os maus tratos fizeram muitos italianos deixarem o Brasil para trabalharem em outros países. Em 1904, em um relato do Ministro das Relações Exteriores Italiano, informa-se que embarcaram no Porto de Santos, SP, 424 passageiros na 3ª classe, todos italianos, abandonando o Brasil para a Argentina.
Entre os descendentes dos imigrantes, pouquíssimos se recordam de terem ouvido contos em família sobre as condições de vida dos antepassados na Itália antes de emigrarem. É como se eles, uma vez no Brasil, tivessem cancelado para sempre da memória aquela parte da vida. Hoje, a grande maioria dos descendentes não sabe qual é a província e muito menos a cidade de origem da família e, no entanto, se sabe que os primeiros imigrantes eram muito ligados ao seu país. Mas, diante de tudo, acharam melhor guardar para eles a contarem aos descendentes o que tinham passado, como viviam, até porque eles sabiam que não mais poderiam retornar à Pátria tão distante. Então, o que adiantava recordar? …
Referências bibliográficas:
CIVIERO, Silvio. (2007). Emigrazione Fra Storia e Ricordi. Vicenza, Itália: Editora BST.
FRANZINA, Emilio. (2006). A Grande Emigração: o êxodo dos italianos do Vêneto para o Brasil. Campinas: Editora da Unicamp.
MASSAROTTO, Francesca. (2001). Brasile per sempre. Le Donne Venete. Treviso, Itáli: – Piazza Editora – Selea.
CENNI, Franco. (2003). Italianos no Brasil: “andiamo in America”. São Paulo: Editora da USP.
PISANI, Salvatore. (1937). Lo Stato de São Paulo: Cinqüentenário Dell’ Immigrazione. São Paulo: Editora da USP.
muito bom sempre conhecer a história dos imigrantes, principalmente dos italianos, que muito fizeram pelo Brasil…e todos pensam que viviam um mar de rosas!!
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Pelo contrário, todos sabem as dificuldades que eles passaram e o seu artigo mostra isso, a realidade de uma época. Parabéns.
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Parabéns pelo texto! Podemos imaginar como os imigrantes da atualidade se sentem. Com certeza daqui alguns anos iremos contar essa história com outros personagens.
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Quase todos nós temos alguém da família com origem italiana. Daí recordar é viver!
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Excelente, Romilda!
Att.,
Lucas Camargo
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