O arquivo de correspondência de Francisco Glicério

The correspondence of Francisco Glicério.

Fernando Antonio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da Cadeira 11 do IHGG Campinas.

A Coleção Instrumentos de Pesquisa, editada pelo Centro de Memória – UNICAMP, em seu segundo volume (1996), resgatou boa parte da trajetória do Movimento Republicano no Brasil, por meio da publicação de transcrições integrais de aproximadamente 200 manuscritos (correspondência recebida), que compõem o arquivo pessoal do republicano e abolicionista Francisco Glicério de Cerqueira Leite.

Trata-se de uma parte consistente de seu arquivo pessoal, cujas negociações de transferência para o CMU foram realizadas pelo então Diretor, José Roberto do Amaral Lapa, junto aos bisnetos do titular, os senhores Clóvis e Luiz Glicério de Freitas.

Vivíamos o ano de 1987, e o recém criado Centro de Memória – UNICAMP fortalecia suas bases fincando-se como um espaço privilegiado de pesquisas, cuja estratégia inicial apontava para a necessidade de aumento quantitativo e qualitativo do acervo documental, fosse ele arquivístico ou bibliográfico. Naquele momento os descendentes de Francisco Glicério concordaram com a doação, oferecendo duas dezenas de cartas, e prometendo para depois de concluída a biografia familiar do patriarca a entrega do restante do acervo.

Em 1989, justamente durante as comemorações do Centenário da Proclamação da República, fomos presenteados com a nova doação composta de pouco mais de mil e duzentos manuscritos, distribuídos entre cartas, ofícios, telegramas, bilhetes e cópias de alguns de seus discursos políticos.

Francisco Glicério nasceu em Campinas a 15 de agosto de 1846. Desde cedo interessou-se por questões libertárias e democráticas. Além de ser um dos pilares do Movimento Republicano, agiu abertamente para libertar escravos através das Ações de Liberdade judiciais. Alcançou importantes cargos públicos como: Vereador por Campinas, Deputado Federal e Ministro da Agricultura no primeiro governo republicano, em 1890. Foi homem de arregimentar, de convergir, de dar sentido às posturas políticas difíceis de serem defendidas e compreendidas pelas bases.

Possuía a capacidade de fazer com que as pessoas à sua volta se convencessem das verdadeiras intenções do movimento republicano, apesar dos caminhos tortuosos. Seu carisma e sua habilidade eram evidentes, sendo muito respeitado por suas atitudes sempre coerentes. Faleceu como Senador da República no Rio de Janeiro, a 12 de abril de 1916.

A correspondência tem autoria de personagens ilustres, tais como: Rui Barbosa, Campos Salles, Prudente de Moraes, Bernardino de Campos, Quintino Bocaiúva, Benjamim Constant, Floriano Peixoto, Herculano de Freitas, Saldanha Marinho, Júlio de Mesquita, Américo Brasiliense, entre muitos outros. Estes documentos estão organizados e acessíveis aos interessados na Area de Arquivos Históricos do CMU.

Neste segundo volume da Coleção Instrumentos de Pesquisa, além das transcrições das referidas cartas, incluímos um discurso e um parecer de autoria do próprio Glicério, além de parte de seu inventário, que encontra-se arquivado junto aos documentos do Fórum de Campinas (TJC), estes também sob a guarda e a conservação do CMU.

O período compreendido vai desde 1878 até 1915, com maior concentração entre os anos de 1882 a 1889, momento crucial das lutas políticas para o fim da escravidão e do regime Imperial. Como exemplo da importância dessa documentação, observa-se ora o distanciamento, ora o estreitamento de relações entre as ações abolicionistas e de imposição dos ideais republicanos, ou seja, por meio da leitura atenta do conteúdo das cartas e bilhetes é possível identificar estratégias das lideranças políticas republicanas para privilegiar ou não, dependendo do momento político, a plataforma abolicionista.

Depreende-se desta tática o receio de não se criarem obstáculos, especialmente em Campinas, entre os republicanos e os fazendeiros que se mostravam contrariados com os rumos da política Imperial e, até, pela possibilidade de um terceiro reinado com a figura de uma mulher, a Princesa Isabel, ou de um estrangeiro, o Conde D`Eu, marido da Princesa. De certa forma, as elites políticas e econômicas brasileiras receavam um governo de liderança feminina ou alienígena.

Neste contexto verdadeiramente intrincado, de interesses políticos (o poder) e econômicos (a riqueza produtiva) afloraram algumas contradições observadas nas medidas políticas adotadas pelo Partido Republicano. As cartas e demais documentos do arquivo pessoal de Francisco Glicério podem definir e aprimorar o conhecimento sobre este turbulento, agitado e importante período de nossa história.

A participação de todos os funcionários e estagiários neste trabalho foi fundamental. A todos que estiveram sob minha orientação, gostaria de creditar a vontade e a garra de concluirmos esta obra. São eles: Dione Galavoti Metidieri (bolsista FAEP), Ema Elisabete Rodrigues Camillo (arquivista CMU), Isabel Cristina Pitton (bolsista FAEP), Lorenço Junklauss (bolsista SAE), Mariella Monteiro dos Santos (bolsista FAEP), Myriam Mirna Souto (bolsista FAEP), Richarson Iwamoto (bolsista SAE).

Referência Bibliográfica:

ABRAHÃO, Fernando Antonio (org.). (1996). Correspondência Passiva de Francisco Glicério. Campinas: CMU Publicações. 208p.

2 comentários

  1. ”Possuía a capacidade de fazer com que as pessoas à sua volta se convencessem das verdadeiras intenções do movimento republicano, apesar dos caminhos tortuosos. Seu carisma e sua habilidade eram evidentes, sendo muito respeitado por suas atitudes sempre coerentes.” como precisávamos de mais Francisco Glicério no Brasil…ótimo, gostei demais desse post..

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