The immigrant italian woman: submission, silence and strong arms.
Romilda Aparecida Cazissi Baldin – genealogista, pesquisadora. Titular da Cadeira 8 do IHGG Campinas.
Nas famílias italianas, até recentemente, a autoridade indiscutível era a do pai e a do marido. A mulher era considerada um braço a mais na lavoura e nos trabalhos diversos. Não tinha direito de decidir nada e precisava ser forte e robusta para gerar muitos filhos para o trabalho. Era ela quem fazia tudo em casa, trabalhava incessantemente, sem poder reclamar.
Levantava primeiro do que todos, por volta de 5 horas da manhã, e já começava o trabalho, inicialmente, tirando leite das vacas e, em seguida, recolhendo o feno para os animais. A mulher semeava e cultivava os legumes e as verduras; alimentava as galinhas, os coelhos e os porcos; juntava lenha para o fogo, preparava e conservava a comida para o inverno; produzia manteiga, queijos, sabão com cinzas e gordura; cortava e costurava tecidos para calças, camisas e roupas íntimas, para toda família; tecia a lã e o cânhamo, bordava, remendava e, no tempo livre, entrelaçava cabelos e cestos, ajudava a manter a casa com seus trabalhos artesanais. Ela acabava a labuta somente á noite, depois de servir o jantar, e se recolhia quando os familiares já estavam em suas camas.
Em todas as pesquisas, constatei que a mulher italiana raramente tinha sua liberdade de escolha com quem se casar, de trabalhar ou de estudar. Para o casamento havia um acordo entre as famílias e este se realizava baseado nas condições impostas pelo marido e pelo dote que a esposa possuísse. Depois de consumado o casamento, quase sempre a mulher acabava morando com a família do marido, onde tinha a presença da sogra que, por sua condição, era a verdadeira dona da casa. Também pude constatar nas pesquisas os casamentos de homens bem mais velhos do que as mulheres, pois eles as queriam para cuidar dos filhos do primeiro casamento, porque era comum as mortes durante e logo após um parto.
Elas não tinham direto à herança, não opinavam sobre assuntos familiares, tudo era resolvido pelos homens. As mulheres quase nunca podiam estudar e quando verificamos as listagens de chegada ao Brasil, 70% das mulheres italianas eram analfabetas.
Somente na metade do século XIX, com a miséria chegando, é que as mulheres passaram a trabalhar fora de suas casas, porque tinham que ajudar no sustento da família, mas eram somente as solteiras, pois as casadas acompanhavam seus maridos, deixando para trás seus familiares, perdendo, assim, contatos com os pais e irmãos.
A convivência fora do ambiente familiar era difícil para elas, pois não tinham com quem conversar, especialmente quando os maridos saíam para outros lugares em busca de trabalho e muitas vezes nem retornavam, constituindo outras famílias. Apesar dos abandonos, elas criaram modos de vida próprios e muitas se tornaram chefes de família, e seguiram em frente. Prova disso são os sobrenomes de origens matriarcais como: Di Maria, Di Betta, Di Chiara, Della Coletta, Dalla Rosa etc.
Os colonos quando aqui chegaram, procuraram nas fazendas repetir o modelo de lar vivido nas cidades natais, ou seja, tinham sempre uma horta e pequenos abrigos de animais: galinheiros, chiqueiros ou até estábulos, e tudo era cuidado pelas mulheres. Então, o produto que excedia a família vendia, e esta venda também era feita por elas, que em seguida reportavam aos maridos ou aos chefes os valores das vendas.
Mas, isso não foi possível em um primeiro momento, porque aqui no Brasil, nas lavouras, os colonos somente podiam plantar entre os pés de café a pequena horta para uso próprio. Quanto a criarem animais, galinhas, porcos, como na Itália, foi um pouco mais adiante, quando já estavam bem estabelecidos nas fazendas.
Na Itália, as mulheres também podiam trabalhar como giornaliera (diarista), nas casas mais abastadas. Minha bisavó, Teresa Colpani Cazissi era diarista na Itália. E, quando puderam, depois de algum tempo aqui no Brasil, trabalharam como criadas nas fazendas, ocupando os lugares das mucamas e amas-de-leite negras ou mulatas. Os jornais de época estão repletos de anúncios de empregadas domésticas, babás, costureiras para as fazendas.
Se a mulher fosse ativa e inteligente, usufruísse o que a fazenda oferecia, como horta, lenha, pastos, fizesse sabão, criasse porcos, galinhas, educasse, vestisse e lavasse para a família e trabalhasse na sede da fazenda, a família prosperava, pois em conjunto de esforços todas poupavam algum dinheiro para que os maridos pudessem comprar o seu lote de terra, abrir um negócio próprio ou mesmo voltar para a Itália.
As casas de colonos (senzalas) nas fazendas eram modestas, com poucos móveis, mas sempre havia, como na Itália, imagens do Sagrado Coração de Jesus, de Maria, algum santo de devoção, um crucifixo, retratos de parentes da Itália, um retrato de Garibaldi ou de Mazzini (os heróis italianos da unificação).
Para a mentalidade que ainda existia em São Paulo, ou seja, a escravidão tinha acabado, mas os fazendeiros e seus capatazes ainda pensavam como escravocratas e, como classe dominante, os escravos não tinham direito ao bem-estar. Alguns dispunham de mulheres negras como bem entendessem, elas faziam parte do acervo da fazenda e era tratadas como um objeto. Com a saída das mulheres negras das fazendas e, também, das casas dos fazendeiros, estes passaram a assediar a mulher imigrante.
Quando a mulher resistia às investidas desonestas, toda a família recebia represálias. As queixas chegavam ao Consulado Italiano ou ao Vice-Consulado. Segue um trecho de uma carta enviada a um vice-Cônsul:
Ontem, em torno de 13 horas, apresentou-se neste escritório o Sr. Vicenzo Pietrocola, colono da fazenda […], que me comunicou a agressão sofrida por ele e seus companheiros por pessoas do setor administrativo da fazenda, autorizadas pelo capataz. Ficando ele e uns outros colonos feridos e uma mulher.
O vice-Cônsul foi até a fazenda averiguar o acontecido e a ele foi informado que o capataz tinha feito uma proposta desonesta para Teresa Manso (a mulher ferida) e a outras mulheres do núcleo, e estas falaram para seus maridos, que foram reclamar ao patrão, o que levantou a ira do capataz, que acertou as contas com os colonos, e espancou todo mundo. Apesar do relato, nenhuma autoridade tomou providências.
No livro Rivelazione Brasiliana, de F. Mosconi, p.31-32, Tip. Aliprandi, Milão, 1897, consta in Note di Reportera seguinte passagem, indicando que nem mesmo as meninas escapavam de estupros:
No dia […], a filha de L. C., de 4 anos, brincava perto de casa enquanto seus pais estavam na lavoura. Aproximou-se o neto do patrão, João de Souza, de 17 anos e com agrados e promessas de doces, conduziu a pequena até os fundos da casa, jogou-a no chão e obedecendo seus monstruosos instintos, deflorou-a. O pai quando retornou, percebeu o acontecido e correu ao patrão, mas foi posto para fora a tapas. Então com a pobre criança nos braços percorreu 14 km até a policia, mas percebeu que tudo tinha sido em vão, porque o delegado era parente e amigo do patrão. Retorna para casa e foge com a mulher e filha e se aloja no Consulado Italiano em S. Paulo, lá chegando depois de 3 dias.
Quando se estuda a imigração nos deparamos com muitas passagens deste tipo de humilhações sofridas pela mulher imigrante, principalmente a italiana. Mas elas foram o esteio de nossas origens, lutaram bravamente ao lado de seus familiares. Sofreram muito mais do que os homens, suas funções eram múltiplas e cansativas, contribuíram de maneira determinante para a economia doméstica, mas não podiam utilizar e nem receber dinheiro, pois isso era reservado aos homens.
Também muitas delas vieram como chefes de família, por certo eram viúvas ou abandonadas e algumas sozinhas, sem familiares ou na companhia de outras famílias, e aqui fizeram as funções do homem e mulher da casa.
Fontes e referências bibliográficas:
ARQUIVOS da Biblioteca da Câmara Municipal de Campinas
ENTREVISTAS com familiares de italianos: Aldo Cosimato, Maria Tossini Cazissi; Pedro Labatte; Ademir Spiz; Haroldo Trevelin; Mercedes Capovilla Cadorin; Cyro Baldin, Hélio Beltramelli – Diretor Cultural da Società Lavoro e Progresso.
FRANZINA, Emilio. (2006). A Grande Emigração. Campinas: Ed. Unicamp.
IMIGRANTES – esperança em Terra Nova. (2009). São Paulo: coleção Folha de São Paulo.
MOSCONI, F. (1897). Rivelazione Brasiliana. Milão: Tip. Aliprandi.
STORIA Dimenticata – Deliso Villa. (1993). Porto Alegre: Editora Sagra DC Luzzatto.
Hoje não temos mais essa submissão felizmente, mas a mulher continua a ser desvalorizada…
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O trabalho de Romilda Baldin sobre a genealogia dos imigrantes e as suas angústias e vitórias é fundamental. Há mais por vir, aguardem!
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Texto muito bom. Parabéns.
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