Press and politics in the eighties: the performance of Francisco Quirino dos Santos.
Por Beatriz Piva Momesso – historiadora, professora. Titular da Cadeira 12 do IHGG Campinas.
No século XIX, os jornais proporcionavam grande contato entre o governo e a sociedade civil. Se por um lado, funcionavam como canais oficiais pelos quais os partidos usavam muitas e muitas páginas para debater suas propostas, por outro, veiculavam ideias, conceitos, linguagens políticas que procuravam atingir diversos extratos da sociedade.
Os jornais não chegavam apenas a um tipo de público. Já em 1839, um ano antes do Segundo Reinado, escrevia o jornalista Josino de Nascimento sobre esse fato, afirmando que a imprensa tem imensa influência sobre todas as classes da sociedade, já que a maior parte dos homens espera pelo seu periódico para saber como deve pensar a respeito da questão do dia.
Roger Chartier, estudando a história da imprensa na sociedade do Antigo Regime constatou modalidades de leitura múltiplas. O historiador Marco Morel explicou que os periódicos eram lidos de modo coletivo nas praças públicas do Rio de Janeiro, e a historiadora Alessandra Schueler, consonante às conclusões de Chartier, trouxe à tona a reprodução oral de artigos de jornais nas comunidades de escravos, como forma de educação e instrução. Desse modo, as notícias e as opiniões circulavam por diversos grupos sociais. Pode parecer paradoxal, mas a imprensa era fundamental para informar, numa sociedade em que mais de 2/3 da população era analfabeta, segundo o Recenseamento Geral de 1872.
Então quem era jornalista, também conhecido como publicista no século XIX? Qual seu envolvimento com o contexto histórico de seu tempo? Qual era a sua formação? A quais instituições ele estava vinculado?
O publicista era dotado de interesses múltiplos. A profissão não existia como área especializada e não lhe era atribuída formação superior específica. Mas, o publicista identificava-se, sem dúvida, com o perfil de um humanista. Gostava de literatura, estava engajado em política, ou detinha cargos no âmbito da burocracia.
Um exemplo bem conhecido era o de José de Alencar. Autor de romances como Iracema, O Guarani e Senhora, foi deputado pelo Partido Conservador, e também possuiu uma coluna perene no Diário do Rio, onde tratou de diversos assuntos de interesse da época. Era leitor assíduo dos folhetins franceses. Nelson Werneck Sodré nos informa que Alencar leu Os Miseráveis de Victor Hugo, em voz alta, para seus escravos domésticos, quando a obra foi publicada em vários capítulos, no Diário do Rio. Seu biógrafo nos garante que o objetivo de Alencar era apurar o gosto deles pela boa leitura.
Os fatos da nossa história explicam a relação intrínseca e inequívoca entre jornalismo e política. Dom João VI trouxe a imprensa Régia para o Rio de Janeiro, em 1808. Juliana Gesuelli Meirelles demonstrou que, além da Gazeta do Rio, outros periódicos elaborados fora do Brasil, mas escritos em português, como por exemplo O Correio Braziliense e O Patriota, contribuíam para a formação de opinião pública já nas duas primeiras décadas do século XIX.
Dom Pedro II, por sua vez, era conhecido por seu apreço à liberdade de Imprensa. A Monarquia seria mais amiga da livre opinião e da imprensa do que a República? De fato, durante o período republicano, muitos jornais foram fechados de forma arbitrária e violenta o que não aconteceu, de modo algum, durante o Império. O Imperador considerava salutar as críticas e opiniões distintas expressas livremente, como atestam os conselhos por escrito que deixou a sua filha Isabel, na ocasião em que ela ocupou a regência. No entanto, é necessário lembrar que, ainda assim, naquela época, havia os jornalistas conhecidos como penas de aluguel. Eles recebiam honorários diretamente dos gabinetes ministeriais, a fim de produzirem notícias favoráveis ao governo.
Destaque especial merecem os publicistas do oitocentos, oriundos do mundo das letras, que além do interesse pela vida política estavam ligados às causas sociais. Estes enquadraram-se na definição de intelectual elaborada pelo historiador contemporâneo François Sirrineli. Ele define o intelectual a partir de seu compromisso com o campo da cultura e engajamento em causas sociais.
Nesse sentido, trago aqui o publicista Francisco Quirino dos Santos, atuante em Campinas, uma das localidades mais importantes da então Província de São Paulo.
Nosso confrade, Duílio Battistoni Filho, em sua importante obra Imprensa e Literatura em Campinas, nos informa que Francisco Quirino dos Santos (1841-1886), juntamente com José Maria Lisboa, fundou a Gazeta de Campinas, em 1869, periódico de pequeno formato 26×37 (cm). A primeira redação seria instalada na Rua de Baixo (Luzitana) esquina da Rua Formosa (Conceição). Entre 1869-1879, Francisco Quirino dos Santos foi fundador, proprietário e redator do periódico que circulava duas vezes por semana.
Nascido em Campinas, em 1841, era filho de Joaquim Quirino dos Santos, fazendeiro desde os tempos do ciclo açucareiro e Manoela Joaquina. Formou-se bacharel em Direito, foi deputado da Assembleia Provincial, membro correspondente da Sociedade de Geographia de Lisboa. O famoso dicionário de Sacramento Blake, editado no século XIX acrescenta, com admiração, que Francisco Quirino dos Santos participou de quase todas as associações culturais de São Paulo. Considerava a advocacia um sacerdócio e como advogado gostava de ser reconhecido.
Na Gazeta de Campinas, ainda em 1869, escreveu artigos de apoio ao Centro Liberal, primeiro movimento político brasileiro a inserir a emancipação dos escravos em seu programa de governo do mesmo ano. Parece ter ficado famoso por escrever poemas e romances. Publicou a Nova coleção de recitativos tanto amorosos como sentimentais, precedidos de algumas reflexões sobre a música no Brasil. No gênero teatral escreveu A Judia. Foi autor do romance A nova louzã, publicado em folhetim, pela primeira vez, em 1873. De tendência abolicionista e republicana, suas poesias sobre os sofrimentos da escravidão precederam no tempo a Castro Alves.
Sua coletânea de poemas intitulada Estrelas Errantes revela obras surpreendentes e até hoje pouco conhecidas pelo público, como o poema O Filhinho da Lavandeira, escrito em 1861, que conta a melancolia da mãe escrava e lavadeira. De características vanguardistas, a paisagem do interior de São Paulo é cenário de ideias e sentimentos de fundo antiescravocrata neste poema.
Alerto para que vejam tratar-se de uma obra elaborada sete anos antes do Navio Negreiro de Castro Alves, que por sua vez foi escrito em 1868. É importante lembrar que O Filhinho da Lavandeira antecedeu em quase duas décadas o movimento abolicionista, e foi concebido por um intelectual branco, fato original tendo em vista a origem mulata de grandes escritores abolicionistas como Castro Alves, José do Patrocínio e Machado de Assis.
O romancista, jornalista e militante político se unem nesse poema:
O Filhinho da Lavadeira – Francisco Quirino dos Santos, Janeiro de 1861.
Um dia nas margens do claro Atibaia,
Estava a cativa sozinha a lavar;
E um triste filhinho, do rio, na praia,
Jazia estendido no chão a rolar.
A pobre criança, que o vento açoitava,
De frio e de fome chorava e chorava.
A mísera negra co’o rosto banhado
No pranto que d’alma trazia-lhe a dor,
Prendeu-a com força no seio abrazado
De magoas, d’angustia, de luto e de amor.
Pendendo a cabeça no seio da escrava
A pobre criança chorava e chorava.
“Meu filho querido, no meio dos mares,
“Lá onde governa somente o meu Deus,
“Lá onde se estendem os verdes palmares
“Porque não nasceste cercado dos meus?”
E a pobre criança no seio da escrava,
Fitando-a tristinha, chorava e chorava.
“Meus pais lá ficaram; são livres, cantando
“Que vidas contentes que passam por lá!
“E tu, meu filhinho, comigo penando,
“Esperas a morte nas terras de cá.”
Os ventos cresciam; o sol declinava
E a pobre criança chorava e chorava.
“Ai não! que dos pretos as almas não morrem!
“Havemos de ainda p’ra os nossos voltar;
“As águas tão livres dos rios que correm
“Nos levam bem vivos ao meio do mar.”
As águas já meio seu corpo nadava
E a pobre criança chorava e chorava.
“As aves, os bosques, as serras que vemos
“Não são como aquelas de onde eu nasci!
“Tão doces folgares risonhos quais temos,
“Tão belos, tão puros não há por aqui.”
Os fundos gemidos, o eco levava
E a pobre criança chorava e chorava.
“Ó! vamos, meu filho, ao solo jucundo
“Aonde a existência nos corre gentil;
“Em quanto cativos houver neste mundo
“Os negros não devem viver no Brasil.”
A casa era perto: chamavam a escrava
E a pobre criança chorava e chorava.
Assim soluçou, e no seio estreitando
O caro filhinho, nas águas caiu;
Depois muito tempo de manso boiando
Sumiram-se os corpos nas voltas do rio.
Debalde procuram, procuram a escrava,
Se a pobre criança nem mais lá chorava!
Portanto, esta obra de Francisco Quirino dos Santos, base desta abordagem, demonstra o potencial dos jornalistas no século XIX, capazes de empreenderem inúmeras atividades no campo humanístico. Muitos exerceram atuações políticas insubstituíveis, tomando para si tarefas de cunho social, aproximando o âmbito público do privado e a sociedade civil do Estado. Tudo isso numa época em que existia apenas a imprensa escrita, limitadíssima, mas fundamental como arma e defesa de ideias.
Portanto, parece que não só na Corte, mas também nas províncias e municípios, dentre os quais Campinas ocupa lugar destacado, o ideal do jornalista fez com que se encontrasse na retórica a sua forma de expressão. Uma grande tarefa consiste no conhecimento de obras ainda encobertas desses nomes. Da nossa cidade, saiu um Francisco Quirino dos Santos, um branco que escrevia sobre os males na vida dos negros, demonstrando ardente preocupação anti-escravocrata em plena década de 1860, quando o abolicionismo era pouco conhecido, mesmo no Rio de Janeiro.
Não resta dúvida de que os limites entre o centro político do Brasil e as localidades, entre política e atividade social, entre sociedade e governo eram tênues, graças a atuação de jornalistas como este, atuação que ainda merece ser estudada tratando-se de Campinas.
Referências Bibliográficas:
BATTISTONI FILHO, Duílio. Imprensa e literatura em Campinas nos seus primórdios. Campinas: Pontes Editores, 2016.
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro, v.3. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1970. Reimpressão em Off-Set da edição de 1883-1902.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP e Imprensa Oficial SP, 1998.
GAZETA DE CAMPINAS, Campinas, n. 15-19, 1869.
GONDRA, José; SCHUELER, Alessandra. Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.
MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Imprensa e poder na corte joanina. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.
MOREL, Marco. As Transformações dos Espaços Públicos. Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005.
SANTOS, Francisco Quirino dos. Estrellas Errantes. São Paulo: Typographia Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques,1863. Disponível em:<https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/5335/1/018737_COMPLETO.pdf>. Acesso em 20 out. 2018.
SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996, pp. 231-269.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.