A história de Raimundo

Raimundo’s story.

Por Jorge Alves de Lima – advogado, escritor. Titular da Cadeira 42 do IHGG Campinas.

Campinas na década de 50 e 60 do século passado era uma cidade bonita, romântica, de ruas e avenidas bem cuidadas e limpas. Administrada com competência pelos prefeitos, em sucessão, Miguel Vicente Cury, Antonio Mendonça de Barros e Ruy Hellmeister Novaes. Era tida como cidade-modelo e detentora de um dos melhores índices de qualidade de vida do Brasil.

Dentre suas ruas e avenidas centrais, a General Osório, no espaço do cruzamento da Barão de Jaguara até a irmã Serafina, destacava-se pelo intenso comércio e pelo elevado número de pessoas que por ela transitava, morava e trabalhava.

Ao lado do Café do Povo – ponto de encontro e, por isso, uma referência da cidade – havia o salão do barbeiro Quatá, onde se discutia, todos os dias e os dias todos, a eterna rivalidade futebolística existente entre torcedores da Associação Atlética Ponte Preta e do Guarani Futebol Clube.

Um pouco mais a baixo, o edifício Cruzeiro do Sul era o centro político de Campinas. Neste local, Ruy Novaes tinha seu escritório onde incorporava prédios, comercializava-os, e fazia política ao lado o saudoso vereador e jornalista João Lanaro, que no fim do expediente, junto com seu amigo João Barbosa (pai do Roberto Barbosa), gostavam de olhar, em frente ao bar do China, o suave desfilar das mulheres elegantes e bonitas.

No mesmo prédio trabalhavam os médicos Roberto Ângelo Barbosa e Altino Gouveia (ambos foram secretários de Saúde na administração de Ruy Novaes); Alduíno Zini contabilista e vereador atuante; Ruy Rodrigues, cunhado de Ruy Novaes, com sua corretora de seguros, espírito benemérito, hoje eternizado em suas obras, entre elas a Associação Comercial e Industrial; criador e um dos principais fundadores da Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC); Dr. João Vieira, renomado cardiologista; os irmãos Antônio, José, Otto e Luiz Leite Carvalhaes com a concorrida e respeitável banca de advocacia no 7º andar, entre outros.

Nos baixos do edifício Cruzeiro do Sul havia o bar do China, onde a mocidade universitária reunia-se em volta do seu carismático dono, Hermenegildo Mancine e sua esposa dona Rosalinda.

Descendo mais um pouco existia o restaurante Armorial, dirigido elegantemente pelo inesquecível Ângelo Lepreri e sua distinta esposa, madame Solange. Este era o local onde a sociedade campineira distraía-se, ostentando refinado luxo.

Quase em frente ao Armorial havia o bazar do Demétrio, simpático libanês, o melhor balconista que eu conheci. Sozinho ele atendia, ao mesmo tempo sorridente e com distinção uma dezena de freguesas, vendendo agulhas, botões, linhas de coser, novelos de lã e tudo mais.

No final da rua havia o edifício Dona Antônia cujo zelador, Carlos Teixeira, apelidado de carne seca, foi um dos mais ativos companheiros de Ruy Novaes e Antonio Leite Carvalhaes, chegando mesmo a perder um bar por questões políticas, no distrito de Joaquim Egídio.

Nesse cenário havia uma figura interessante: o baiano, moreno, de baixa estatura, solícito e educado, merecendo a confiança de todos, chamado Raimundo Nonato. Sim, o nome como daquele personagem de Chico Anísio na saudosa esquete cômica da Globo. Este Raimundo era um dos cambistas do Batuta, afamado bicheiro da cidade. Além de recolher jogos e apostas, trabalhava à noite no fechamento das vitrines, apagando as luzes das principais lojas e estabelecimentos comerciais do centro. Por isso mesmo, a sua cintura era rodeada de chaveiros e chaves.

Um dia, o centro comercial amanheceu com as vitrines descerradas e iluminadas. A cidade ficou perplexa!

Por que o baiano Raimundo não as fechara? Pois, responsável como ele não existia, nunca faltando com suas obrigações. Toda a cidade ficou preocupada, ainda mais com seu desaparecimento. Ninguém o encontrava.

O mistério foi desvendado ainda pela manhã. Um senhor, funcionário público estadual aposentado, por intermédio do Raimundo apostara no macaco, de primeiro ao quinto prêmios. Deu macaco na cabeça e a milhar correspondia a uma vultosa quantia estimada em R$ 100.000,00, na moeda atual.

Como era o costume, o cambista Raimundo Nonato recebeu do bicheiro Batuta o polpudo prêmio, a fim de ser repassado ao feliz ganhador. Porém, Raimundo, de posse do dinheiro, fazendo tábula rasa de sua honestidade, fugiu com o mesmo e, até hoje, ninguém jamais soube seu paradeiro. Daí a cidade amanhecer, naquele dia, com as lojas e as vitrines abertas e iluminadas.

E o bom baiano Raimundo Nonato retornou, talvez, à Bahia com status de novo rico e como um dos beneficiários do ensinamento: O crime compensa no Brasil.

Que o digam os políticos corruptos que infelicitam o generoso povo de nossa pátria.

Referência bibliográfica:

LIMA, Jorge Alves de. Crônicas de Campinas: séculos XIX e XX. Campinas: Komedi., 2a. ed., 2011.Arquivo Escaneado 14

Um comentário

  1. Naquela época também os roubos e assassinatos ocorriam e, infelizmente, em alguns casos caiam no esquecimento, e os autores dos mesmos ficavam livres, leves e soltos…mas, contudo, no século passado , os campineiros podiam, ainda, caminhar , com relativa segurança, pelas ruas de Campinas…

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