The soccer game is almost starting.
Por Luiz Roberto Saviani Rey – jornalista, professor da PUCCamp. Titular da Cadeira 14 do IHGG Campinas.
A tarde do domingo vai se encher do Sol irradiante, da alegria e da contagiante euforia produzidos pela partida de futebol, faça chuva ou haja bom tempo e claridade. Os ingredientes estão postos: a arena contemporânea, multiuso — com suas arquibancadas coloridas —, o telão gigantesco do qual se projetarão beijos e entusiasmos para a plateia, cada pessoa em sua cadeira numerada. Funcionam ali, também, os espaços de alimentação e de consumo diverso. Estão presentes os homens da imprensa escrita, falada e televisada, os cartolas, os árbitros, dois times e a bola.
Há algo ausente? Sim! A genialidade, o ímpeto, a irreverência, a humildade, a confiança e a fé, elementos que marcaram a essência do futebol brasileiro, colocando-o no topo do mundo, com cinco títulos mundiais conquistados.
A construção das arenas modernas para a Copa de 2014, em contraponto aos estádios tradicionais, produziu, talvez, a mais radical transformação do nosso futebol, uma transmudação que não é apenas de conteúdo técnico, de vistosidade, de aparências, mas de aspecto humano: mudou a cara do público! O chamado futebol moderno trocou sua antiga plateia — a mescla de gente pobre, média e rica — pelo torcedor VIP, aquele que paga ingressos a preços estratosféricos por uma cadeira.
As perdas e danos da modernização e mercantilização do futebol no Brasil são maiores quando avaliamos a qualidade técnica da maioria de nossos jogadores, gente que joga de costas para o torcedor e sonha com milhões de euros e dólares, gente que se nasceu em bairros pobres não socou o barro de ruas distantes do centro, perdidas na periferia ignorada e tampouco conhece a ventura de disputar partidas em campos arenosos, descalço e sem uniformes vistosos.
A expansão econômica trouxe progressos e as nossas cidades engoliram os campos de futebol das várzeas, as praças e as ruas por onde os nossos moleques andaram chutando suas bolas e amalgamando um futebol verdadeiro. Craques como Pelé e Jorge Mendonça, que têm essa origem, chegavam a assinalar mais de quatro dezenas de gols nos certames contra os parcos 10 a 15 tentos marcados pelos atacantes da atualidade.
Por essas razões eu reputo da mais elevada relevância o trabalho de pesquisa, de resgate oral e documental de Fernando Antônio Abrahão, confrade e presidente do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas (IHGGC), e um pesquisador com vasta contribuição ao Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (CMU) e à História em si. Seu trabalho minucioso reflete a qualidade e o quilate do historiador que transmite as memórias desse universo perdido.
Esta obra emociona e tem cheiros e sabores de nostalgia, de saudade, pois nos traz à lembrança uma parcela magistral de nossa infância e juventude. A história do XXV de Agosto F.C. e de seus heróis despertou em mim lembranças inefáveis. Assim como Tarcísio Abrahão, saudoso pai do autor, meu pai, Henrique Rey, pequeno comerciante de Campinas nos anos 1950 e 1960, mantinha com seus amigos o Colo-Colo F.C. da rua José de Alencar, no centro de Campinas.
As descrições de Fernando levaram-me ao fundo de um passado magnífico, quando a cidade era menor e contava com campinhos de futebol: o campo do Cruzeiro, na Ponte com Preta, o Furazóio no bairro distante e perigoso, o Felipão, com seu gramado cercado pelas águas de um córrego, as grandes olarias com suas chaminés apagadas nas manhãs domingueiras. As batalhas campais: aqui ninguém nos vence! Nomes, ídolos, talentos, tudo esvanecido, desaparecido na cidade que engrandeceu, enriqueceu e apagou seu romantismo.
Nos gramados modernos falta muito da experiência vivida nos campinhos da periferia, faltam a classe, a categoria e a ginga dos moleques daqueles tempos inesquecíveis. Poucos sabem da importância desses elementos não apenas para o fortalecimento do futebol profissional , já que muitos ficaram na poeira da estrada, dedicando-se ao trabalho comum e salutar. O futebol de várzea, o amador, os clubes informalmente moldados em bairros em formação, nas periferias de nossas cidades, constituíram fator de agregação social, de elemento de amálgama do tecido social das várias localidades brasileiras, e isto fica cabalmente demonstrado nestas páginas mágicas que nos proporciona o livro XXV de Agosto F.C.: uma história do futebol amador em São Paulo, de Fernando Antônio Abrahão (Editora Pontes, 2015). Com seu texto lapidado como um diamante a produzir riquezas nostálgicas, traduz a saudade, o romantismo, mas nos lega depoimentos, documentos e fotografias de suma relevância para a História e à posteridade.
Referência bibliográfica:
ABRAHÃO, Fernando Antônio. XXV de Agosto Futebol Clube: uma história do futebol amador em São Paulo. Campinas: Pontes Editores, 2015, 124p.