Criança, cultura e esperança

Child, culture and hope.

Por Regina Márcia Moura Tavares – antropóloga, especialista em preservação do patrimônio cultural. Titular da Cadeira 25 do IHGG Campinas

Animada com a aprovação pela Câmara Municipal de Campinas, na sessão de 7 de maio p.p., do projeto do vereador Jorge da Farmácia que cria a SEMANA DO BRINCAR a ser comemorada anualmente em nossa cidade, no mês de maio; e com a esperança de ser esta a primeira de muitas propostas para a reconquista e a adequação de espaços públicos onde as crianças possam brincar livre e coletivamente, permito-me voltar a abordar um tema que me é caro, ou seja, a importância da Preservação da Cultura Lúdica Infantil.

Neste despertar de um novo milênio, as conquistas culturais do Homem, com toda a sofisticação nas áreas da tecnologia, da cibernética e da imagética rendem um tributo ao avanço de nossa inteligência. A adoção de novos comportamentos adequados às condições de um novo tempo não deve estar, entretanto, associada ao abandono de práticas sócio-culturais importantes, que há milênios sobrevivem nas sociedades humanas, de forma bastante similar.

É muito comum lançarmos um olhar sobre o momento presente e tentarmos compreendê-lo somente a partir das variáveis econômico-político-sociais e de alguns aportes científicos do presente. Dificilmente incluímos em nossas análises a perspectiva evolucionária de nossa espécie e o papel que comportamentos consolidados, há inúmeras gerações, representam para a continuação qualitativa da vida individual e coletiva.

Tem sido raro deitar-se o olhar sobre o conjunto dos fazeres da criança em seus vários estágios de desenvolvimento, no interior da casa ou fora dela, como uma cultura. Brincar de forma livre e coletiva, cantando, pulando e construindo brinquedos em nossos tenros anos, foi solução inteligente que a humanidade criou, em sua caminhada milenar, para favorecer o desenvolvimento pleno das funções relacionadas à vida biológica, social e emocional de seus indivíduos e coletividades. É um processo de educação informal comum a todos os povos da Terra e significa exercer a capacidade inventiva e transformadora essencial à sobrevivência, desenvolver habilidades, conhecer o mundo, bem como suas possibilidades e limitações. Constitui–se, principalmente, em uma experiência antecipada da vida adulta, em patamar mágico muitas vezes, onde as respostas dadas às múltiplas situações vivenciadas são retidas em arquivos da memória orgânica, os quais serão naturalmente acessados quando de sua necessidade no futuro. Sem sombra de dúvida, armazenar alegria, aprender a superar obstáculos, respeitar regras, fortalecer laços comunitários, dominar o medo e a ansiedade, suportar frustrações é aprendizagem que se faz brincando!

Nos dias de hoje, já são detectados os efeitos deletérios de uma sociedade que expulsou a criança da rua – por excelência, o espaço de socialização dos sujeitos, desde priscas eras. Impedindo-a de conviver com os iguais e os diferentes, condição “sine qua non” para o desenvolvimento do espírito crítico, da tolerância, da afetividade, do respeito ao próximo e às regras do jogo social, nega-lhe o direito a uma vida plena, no espaço do real. Será absurdo cogitar que o número crescente de depressão e suicídio entre adolescentes e jovens, que hoje é preocupação mundial, tenha alguma relação com a ausência de uma infância lúdica compartilhada?

Suponho não ser exagero dizer que a solidão tomou conta da criança, assim como da humanidade; e que coexistimos num mesmo espaço, porém não convivemos mais!

A preservação de um patrimônio cultural mundial de tal magnitude precisa estar na consciência e na ação de todos nós; mas, principalmente, na agenda dos poderes constituídos em todos os níveis.

* Imagem do livro da autora: Brinquedos e Brincadeiras : Patrimônio Cultural da Humanidade. Campinas: Pontes Editora, 2004.

3 comentários

  1. Parabéns pelo artigo da Antropóloga Regina Márcia.
    Legal a iniciativa do Vereador “da Farmácia”. Antigamente tínhamos, sem a necessidade de Lei Municipal, a “Semana (e não o Dia) da Criança”. Estou enviando à parte deste e-mail para o IHGG e peço se possível repassar para todos os Associados, duas fotos da semana da criança e sua comemoração com horta e jardim em miniatura no saguão do antigo Teatro Municipal.

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  2. À atual direção do nosso IHGGC externo meus cumprimentos pela eficiência e competência com que vem conduzindo os trabalhos da instituição, bem como agradeço a publicação de meu trabalho, ainda nesta SEMANA DO BRINCAR. Atenciosamente, Regina Márcia

    Em 24 de maio de 2018 09:46, Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico

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