Por que o Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão?

Why was Brazil the last Latin American country to abolish slavery?

Por Duílio Battistoni Filho – historiador, professorTitular da Cadeira 6  do IHGG Campinas.

Neste mês em que se comemora mais um aniversário da abolição da escravatura, 130 anos, meditemos com muita vergonha o fato de sermos os últimos a emancipar seus escravos, na América.

Os historiadores, economistas e sociólogos brasileiros se esforçam para explicar a abolição, mas nunca perguntam por que ela foi tão tardia. Nos países latino-americanos quase todos decidiram suprimir o tráfico e a própria escravidão, durante as guerras de independência (1810-1825). Como exceção, tivemos a abolição nas colônias holandesas, em 1863, Estados Unidos da América, em 1865 e no Brasil, em 1888.

No caso brasileiro, razões psicológicas explicam esse atraso. Gilberto Freyre assevera a fácil adaptação do português à população negra, por razões genéticas e culturais, além da facilidade das relações sexuais entre senhores de engenho e suas escravas. De um modo geral, os proprietários rurais estavam fortemente comprometidos em manter o regime escravista por razões de dependência econômica, prestígio social e poder político.

É preciso ressaltar que a base mais forte desses proprietários de escravos se concentrava no Vale do Rio Paraíba e em grande parte do Rio de Janeiro. Ao contrário, em São Paulo, os fazendeiros a despeito de sua relutância em promover uma abolição rápida e completa, tinham orgulho de apresentarem-se como abolicionistas, com métodos capitalistas de mão-de-obra livre e, em consequência ficarem menos apegados à escravidão.

O declínio da demanda de escravos nos anos 80, do século XIX, explica-se pelas antecipações pessimistas inspiradas pela pressão abolicionista sobre o futuro da escravidão. A conclusão é evidente: a rentabilidade do trabalho escravo teria permitido prolongar o sistema escravista quase até o fim do século. Foi somente a pressão abolicionista que provocou a mudança das expectativas dos fazendeiros do Rio de Janeiro e arredores, e isso tardiamente, nos anos 80. Entre as razões políticas do caráter tardio tomado pela abolição no Brasil, pode-se citar a demora da campanha abolicionista, em particular na região fluminense.

O problema eleitoral foi importante, pois com a abolição, os antigos escravos teriam direito ao voto, o que poderia provocar um abalo na sociedade e ferir os interesses políticos da classe dirigente. O próprio ministério Cotegipe procurava cercear qualquer campanha que tivesse por objetivo acabar com a escravidão.

A economia brasileira, ao final do século, está estribada no tripé: café, açúcar e algodão. Ora, se houvesse uma bancarrota desses produtos, o Estado iria à falência, notadamente as províncias com a carência de trabalhadores braçais. Nessas condições, é evidente que os homens ligados ao sistema cafeeiro dessas regiões, suporte do Estado Imperial por eles reforçado, não podiam cogitar da ideia abolicionista, mas, ao contrário, deveriam fazer o máximo para retardá-la, pois ao perderem o monopólio do Estado, os fazendeiros perderiam a força política que antes tinham. O senador Paulino de Souza chegou a prometer, que caso houvesse a abolição, tudo faria por mais cinco anos de escravidão. Um absurdo.

Chega a vez de São Paulo, cuja prosperidade e a entrada maciça de imigrantes fazem com que abolicionistas históricos preguem na imprensa e nos comícios a hora da libertação dos cativos. O ato da princesa Isabel fez com que o trono brasileiro se redimisse da situação desconfortável de ser o último país da América Latina a abolir a escravatura. Para os abolicionistas, na realidade, para Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Luís Gama e outros, a abolição foi um passo importante para a democratização do País. Havia muito o que fazer se a nação quisesse se libertar dos efeitos de quase quatro séculos de desigualdades e trabalho forçado.

Concluindo, podemos dizer que, apesar dessa mancha negra na nossa história que foi a escravidão, o importante é resgatar o verdadeiro esforço das massas populares para alcançar direitos elementares de cidadania, onde negros e brancos possam viver em paz e harmonia.

Referência da imagem:

http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/as-leis-abolicionistas.htm

 

10 comentários

  1. Professor Duílio Battistoni Filho: venho cumprimentá-lo pelo breve e objetivo artigo sobre a escravidão no Brasil, tema que não se esgota.

    À esse respeito, envio anexo documento histórico, onde a Professora Maria do Carmo Salazar Martins da UFMG, apresenta uma análise crítica muito interessante sobre a escravidão. No final do documento ela também analisa sobre a discriminação da população tradicional da Zona da Mata Mineira naquela época, com relação aos descendentes de italianos que começavam a se estabelecer na região histórica de Minas, percorrida por Tiradentes, um século antes. Localizei neste relato, citação sobre meu pentavô Domingos da Silva Espíndola, de família vinda dos Açores, ilhas que abrigavam antigos navegadores genoveses, entre eles os Spinolas/Espíndolas.

    Vale a pena ler tal texto. Peço encaminhar também este anexo ao Professor Fernando Antonio Abrahão.

    obrigado.

    Paulo E. Trani

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    1. Obrigado Paulo Trani. O IHGG Campinas e o presidente Fernando Abrahão não receberam o anexo, certamente porque este canal não comporta envio de anexos. Peço que reenvie a ihggcampinas@gmail.com. Peço ainda que envie um breve currículo seu para que possamos conhecê-lo melhor, haja vista os seus sempre oportunos e interessantes comentários. Abraço.

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  2. Parabéns,professor Duilio ,por mais uma publicação importante…..estamos no mes da Abolição. P.S.Estudei com voce num curso de aperfeiçoamento de História ministrado pelo prof. Odilon de Matos,na PUC Campinas .Foi em 66 ou 65 (?) Éramos um grupinho de Bauru.Fizemos o concurso da rede pública rstaduas em 67. Mas nenhuma de nós ” virou ” acadêmica…..

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    1. Cara Maria Thereza.
      Se o Prof. Duílio não recebeu sua grata mensagem iremos reenviá-la. Ainda estamos aprendendo a usar as ferramentas dessa página. Chegaremos lá! Obrigado por suas palavras e continue prestigiando o IHGG Campinas. Peço que envie um e-mail para ihggcampinas@gmail.com informando um pouco mais de você. Abraço.

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  3. Excelente texto! Só achei desapropriado, ainda mais pelo tema, o termo “mancha negra” como uma forma pejorativa, haja vista que o que é negro não deve ser associado ao que é ruim, em luta pelo fim do racismo em nossa sociedade.
    É uma mancha vermelha de vergonha. De sangue e dor. De mortes e castigos.
    Obrigado pelo artigo elucidante. Tão difícil conhecer mais de um país que soterra sua própria história.
    Obrigado! Abraço!

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  4. A expressão mancha negra utilizada como referência no final ao escravagismo é por si racista, uma vez que utiliza a palavra Negra para dar sentido de algo errado e extremante negativo a ponto de manchar a reputação da nação. da mesma forma, denegrir a imagem também seria, pelo mesmo motivo. vamos lutar e nos esforçar para que esses bicos de linguagem não tenham espaço, principalmente quando queremos criticar esse processo. uma sugestão de reflexão e questionamento. no mais, excelente texto.

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