Hospedaria de imigrantes de Campinas: a 1ª obra do governo federal na cidade

Campinas (SP, Brazil) immigrants’ official guesthouse: 1st building built by the federal government in the city.

Por Gilberto Gatti – Jornalista, economista. Sócio Correspondente do IHGG Campinas em Brasília, DF.

Este artigo tem o propósito de lançar luzes sobre as polêmicas que envolveram a construção, posse e utilização da Hospedaria de Imigrantes de Campinas, também nomeada de Alojamento de Imigrantes. Na realidade um alojamento que quase nada alojou e uma hospedaria que pouco hospedou. Aproximadamente 1.500 imigrantes foram acolhidos naquele prédio.

Reputamos como fundamental a discussão sobre o tema, porquanto a relevância reside no fato de que foi a primeira obra do governo republicano, ainda provisório, na cidade de Campinas, berço e centro político das causas da República. A descentralização de atribuições das áreas de terras, colonização e imigração que não se concretizaram plenamente, as diferentes reformas administrativas, as desavenças institucionais, a judicialização e os conflitos federativos entre o governo do Estado de São Paulo e a União perpassam, também, pela edificação e a utilização desse patrimônio.

Fazendo contraponto com o regime político anterior, o primeiro investimento direto do governo imperial em Campinas deu-se em junho de 1887, com a criação da Imperial Estação Agronômica. A iniciativa encampada pelo Imperador Dom Pedro II foi de Antônio Prado. Diferentemente do tratamento reservado à Hospedaria, o governo republicano, sem maiores controvérsias e discussões, transferiu o controle da instituição de pesquisa e extensão para a administração do governo de São Paulo, em 1892.

A bibliografia que trata do Alojamento de Imigrantes de Campinas é limitada, para dizer o menos. Praticamente inexistente. Citações em algumas poucas publicações acadêmicas e informações, ainda que esparsas, podem ser encontradas no Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, que passou a circular a partir de janeiro de 1890, e no Diário Oficial do Estado de São Paulo, que surge em maio de 1891. Entretanto, nos Atos Oficiais, Atos do Poder Executivo e nos Editais e Avisos publicados por jornais contratados pelos executivos federal, estadual e municipal, para dar publicidade de seus atos e decisões são, também, encontradas informações sobre decisões que embasaram a obra do Alojamento. Ao contrário, as Hospedarias da Ilha das Flores e a de Pinheiro, ambas no estado do Rio de Janeiro e a de São Paulo (do Bom Retiro e do Brás) apresentam razoável bibliografia.

No estudo: Além das fronteiras do colonato: o ajustamento da coletividade italiana à sociedade local campineira durante a grande imigração – 1886 a 1920, Maria Cristina Chiaradia Gabriel registra as notícias sobre o abandono da construção da Hospedaria e a não utilização para sua destinação precípua.

O espaço temporal da nossa análise é de quase 22 anos, com início em 1887 e término em 1909, pois a primeira proposta de instalação de albergue para imigrantes foi lançada em outubro de 1887, por José Paulino Nogueira. O fim do Hospedaria de Campinas, com sua descaracterização funcional, dá-se em maio de 1909, com a aquisição do terreno, benfeitorias e edificações pela Companhia Mogiana de Estrada de Ferro e Navegação, transformando o imóvel em depósito, carpintaria e oficina para sua indústria de vagões e locomotivas.

A preocupação com a hospedagem de imigrantes na cidade existiu desde 1885, ainda no período imperial. Nessa época, o acolhimento dos trabalhadores estrangeiros era realizado nos galpões da antiga fábrica dos Irmãos Bierrembach, no Largo de Santa Cruz, funcionando como alojamento provisório. Os albergados, geralmente sem destinação pré-determinada, permaneciam aguardando propostas de trabalho ou mesmo esperando a chegada de suas bagagens e pertences.

Há registros de que o Mercado Grande teria sido usado em situação emergencial como alojamento. Realmente, em abril de 1886, uma grande leva de imigrantes italianos e portugueses aqui chegaram, parte com destino certo e outros ainda sem contratos de trabalho. A situação foi tão grave que os acontecimentos repercutiram na Corte. A Gazeta de Notícias, editada no Rio de Janeiro, reproduzia em 21 de abril de 1886 a notícia estampada no Diário de Campinas, tratando da péssima situação de imigrantes italianos e portugueses que perambulavam pelas ruas da cidade.

“A pobre gente queixava-se muito, registra o periódico campineiro. Desorientados, muitos deles, afastados de seus familiares e sem destino estabelecido, caminhavam pela cidade desesperados. Deveriam permanecer no alojamento dos imigrantes recomendava o Diário. É muito inconveniente deixar saírem do alojamento de imigrantes todos aqueles que não tenham obtido colocação imediata, pois ficam desamparados, sem recursos, n’um estado de desespero que inspira a maior comiseração.”

Como consequência desse quadro de dificuldade vivido pelos imigrantes, levou o vereador José Paulino Nogueira a sugerir à Câmara, em outubro de 1887, a criação de uma hospedaria para os imigrantes destinados às fazendas produtivas da região. Campinas, como importante entroncamento ferroviário e centro dinâmico da agricultura de exportação carecia, no entendimento do vereador, de um ponto receptor e difusor dos trabalhadores estrangeiros.

Em julho de 1890, o então governador de São Paulo, Prudente de Moraes, escreveu a Francisco Glicério informando as providencias tomadas após recomendação do ministro em relação a escolha dos terrenos para a construção dos alojamentos de Santos e de Campinas.

O terreno escolhido ficava na rua Francisco Theodoro, com fundos para a rua Salles de Oliveira, na Vila Industrial, no local conhecido como Chácara da Árvore Grande. Por determinação de Prudente de Moraes, o projeto e o orçamento para a construção do complexo para abrigar os imigrantes foram desenvolvidos pelos engenheiros Antônio Cândido de Azevedo Sodré, diretor da Delegacia da Inspetoria de Colonização e Terras em São Paulo e José Ribeiro da Silva Pirajá seu auxiliar, ambos, com larga experiência na construção de linhas férreas e operação de companhias ferroviárias.

A licitação determinou a contratação de Malfatti & Massagli, empresa criada pelo carpinteiro Maurício Malfatti e pelo construtor José Massagli, ambos italianos. Maurício Malfatti chegou em Campinas para trabalhar como carpinteiro na construção da Igreja Matriz, em 1879. O primeiro registro da presença de José Massagli aparece na licitação do prédio do Circolo Italiani Uniti, em 1885. No período que se estende de 1890 a 1892, a construtora Malfatti & Massagli tinha em seu portfólio os contratos de implantação do ramal ferroviário Souzas – Cabras; da adaptação da Escola “Culto à Ciência” em ginásio estadual, do calçamento da avenida Andrade Neves e outras obras. Segundo José de Castro Mendes, no livro Efemérides Campineiras: 1739 – 1960 (p. 79), a construção da Hospedaria teria começado a 19 de janeiro de 1891.

O governo provisório da República contava com a presença de campineiros à frente de duas das mais importantes pastas: Manoel Ferraz de Campos Sales, Ministro da Justiça e Francisco Glicério de Cerqueira Leite, Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Com a reforma proposta por Glicério, em julho de 1890, a política de imigração no alvorecer da República foi mantida sob controle do poder central, por meio da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, que garantia subvenção ao transporte e instalação de imigrantes no território nacional e com ênfase nos núcleos coloniais.

O prédio em questão chegou a quase 8 mil metros quadrados, inclusive os pátios internos, dois dormitórios com 769 metros e duas enfermarias de 675 metros quadrados. Se observamos acuradamente a partir de um promontório, as edificações do complexo ferroviário local – armazéns, depósitos, oficinas e gare – veremos que todas elas são paralelas à via férrea. Todavia apenas uma não é assim. O edifício da Hospedaria foi construído no sentido perpendicular ao leito da ferrovia, utilizando de licença poética, diríamos que a Hospedaria parece querer, com seu projeto em “U”, acolher os imigrantes.

Em 1891, no alvorecer da República, a União transferiu a tutela dos negócios ligados à imigração e à política de colonização para os Estados. A legislação definiu os parâmetros para a atuação do governo paulista nesses segmentos. O precedente do processo pacífico de transferência do Instituto Agronômico de Campinas para o controle das autoridades paulistas induziu o pedido de transferência da Hospedaria de Imigrantes de Campinas, com o mesmo fim. Começou aí o imbróglio federativo sobre a construção e o domínio do alojamento, assunto que se estenderia por longos 20 anos. As obras da Hospedaria estavam paralisadas. O Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Francisco Glicério, posicionou-se de forma dúbia frente ao pedido do Presidente do Estado de São Paulo, Prudente de Moraes. Assim, talvez por interesses do capital ferroviário, a Hospedaria de Campinas perdeu o seu ideal originário e, posteriormente, foi negociada com a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.

hospedaria
Planta da Hospedaria de Imigrantes de Campinas. 1891.

Referências bibliográficas e fontes primárias:

Arquivo Público de Campinas (acervo de plantas de edificações).
Centro de Memória – Unicamp (acervo judicial).

ABRAHÃO, Fernando Antonio (Org.). Correspondência passiva de Francisco Glicério. Campinas: CMU Publicações, 1996. (Coleção Instrumentos de Pesquisa vol. 1).
GABRIEL, Maria Cristina Chiaradia. Além das fronteiras do colonato: o ajustamento da coletividade italiana à sociedade local campineira durante a grande imigração – 1886 a 1920. Campinas, (s.n.), 1995. (Dissertação de Mestrado).
GOULART, Edmo. Campinas – Ruas da Época Imperial. Campinas: Editora Maranata, 1983.
LAPA, José Roberto do Amaral. A cidade: os cantos e os antros. Campinas 1850 -1900. São Paulo: Editora da USP / Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
MENDES, José de Castro. Efemérides Campineiras: 1739 – 1960. Campinas: Gráfica Palmeiras, 1963.
RELATÓRIO nº 57 da Directoria da Companhia Mogyana de Estrada de Ferro e Navegação para a Assembléa Geral de 26 de junho de 1910. Campinas: Typ. A vapor Livro Azul – A. B. de Castro Mendes, 1910.

Referência da imagem de abertura:

https://projetomemoriaferroviaria.wordpress.com/o-projeto/

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