Memórias de viagens e sabores: a história da marca Frango Assado

Travel and flavor memories: the Frango Assado brand history.

Por Fernando Antonio Abrahão – historiador, pesquisador. Titular da Cadeira 11 do IHGG Campinas.

A American Marketing Association (AMA) define o termo marca de empresa como um nome, sinal, símbolo ou design, ou uma combinação de tudo isso, destinados a identificar os produtos ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores, para diferenciá-los dos concorrentes. Em outras palavras, a marca deve fixar as características de um produto para o consumidor e atribuir-lhe a qualidade de seu produtor.

Os trabalhos gráficos da marca configuram a chamada identidade visual da empresa, presente na papelaria administrativa e operacional, nos letreiros, sinalizações internas e externas, na fachada de prédios, nos veículos, uniformes, embalagens, rótulos, etiquetas e nas peças de propaganda e de comunicação.

As várias expressões visuais da marca Frango Assado foram tema de meu artigo para a antiga Revista Eletrônica Saráo, publicada pelo Centro de Memória – Unicamp, em 2004, como resultado das atividades da Linha de Pesquisa de História de Empresas, que eu coordenava no CMU.

Em 2008, esta empresa pioneira na transformação e comércio de alimentos e prestação de serviços em rodovias, fundada por uma família de imigrantes e descendentes italianos em 1952, foi negociada com um grupo comercial norte-americano decidido a explorar o rendoso negócio de alimentação em pontos de circulação de viajantes (rodovias, aeroportos etc.). Os alvos das incorporações foram empresas detentoras de marcas tradicionais e de reconhecida excelência e solidez.

A fundação e a trajetória inicial desta empresa inserem-se no período do final da década de 1940 em diante e compreende o impulso econômico dos governos para a modernização e a construção de rodovias e a popularização dos automóveis. Nesse sentido, o governo do estado de São Paulo e a região conhecida como ABC Paulista têm participação destacada nesse processo, o primeiro por financiar as obras de engenharia e construção de estradas e a segunda por sediar, à época, as principais montadoras de automóveis e caminhões do Brasil.

Com o aumento paulatino no fluxo de veículos, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) passou a receber solicitações de pequenos empresários que desejavam exercer atividades comerciais e de prestação de serviços à beira das rodovias. Um desses pedidos foi protocolado pelos produtores rurais José e Guilherme Mamprin, de Valinhos, que pretendiam comercializar o excedente da produção de frutas.

Em 1952, a empresa dos Mamprin recebeu a licença oficial para atuar no Km 73 da Via Anhanguera, atual município de Louveira. Logo, uma pequena edificação de alvenaria e madeira foi construída no sentido interior-capital da rodovia. A família deu-lhe o nome de Rancho São Cristóvão.

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A primeira marca. 1952.

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Essa foi a primeira edificação construída no km 73 da rodovia Anhanguera. Louveira, [1953].
O trabalho de recuperação das diversas versões desta marca, especialmente as antigas, foi dirigido pelo diretor comercial, José César Trivelato, em 2002. Ele contratou especialistas e apoiou-se nas memórias familiares e de antigos empregados para identificar e reproduzir, por exemplo, o tom azulado e o sombreamento avermelhado que compunham a marca original.

Mas, o movimento da estrada aumentava sem parar. Os viajantes desejam lanchar ou almoçar e não apenas comprar frutas de temporada. O Rancho passou a oferecer pratos-feitos de especialidades alimentares presentes na cultura do interior paulista. Os cheiros, aromas e a beleza rústica do prato de frango assado com farofa aguçaram o paladar dos clientes.

Os pedidos crescentes desse verdadeiro sucesso gastronômico / rodoviário da época foram fundamentais para o surgimento espontâneo da marca Frango Assado, na medida em que os próprios clientes identificavam e divulgavam o estabelecimento como o Rancho do Frango Assado, em detrimento ao nome Rancho São Cristóvão. Logo, uma grande placa de madeira, retangular, com o nome Frango Assado em tom avermelhado foi instalada no frontal do Rancho.

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A 1ª marca com a denominação Frango Assado foi usada no ano de 1953. Na fotografia abaixo, vê-se a marca Frango Assado sobreposta a de São Cristóvão. Louveira, 1954.

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O sucesso comercial do estabelecimento baseou uma tentativa de alteração, que aos olhos da família deveria ser caracterizado pela origem italiana. A marca foi então estilizada com o nome Frango Assado em fundo avermelhado, vazado; criou-se a figura de um frango em fundo circular, também avermelhado e vazado; o sugestivo nome de Galeto de Primo Canto, em preto, foi inserido.

Observa-se, também, que a nova placa foi instalada cerca de 100 metros adiante do Rancho, como forma de avisar os clientes para diminuírem a marcha. Contudo, tal transformação não obteve a aceitação esperada dos clientes.

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A marca de 1954.
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Em 1955, observa-se a adição de “Galeto de Primo Canto” à marca Frango Assado. Louveira, 1955.

O pequeno Rancho não dava conta do movimento crescente e a empresa construiu um prédio maior, inaugurado em 1956, agora no sentido capital-interior. O mobiliário do primeiro Restaurante Frango Assado era de madeira. Na cozinha, os cheiros e sabores das antigas panelas de ferro misturavam-se com os das novas, assentadas em um largo fogão a lenha de alvenaria revestido de cerâmica branca.

A marca desse novo estabelecimento foi simplificada. Optaram por letras individuais, avermelhadas e alinhadas no alto do prédio.

O Restaurante Frango Assado foi pioneiro nas estradas paulistas, assim como na forma de receber e atender aos clientes. Em 1958, foi instituída a uniformização de garçons e garçonetes. Nessa época, acrescentou-se a figura de um frango no alto da extensão recém-inaugurada do prédio.

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Em 1961, uma ordem do DER impediu o acesso da pista ao restaurante que, segundo o órgão diretor, estava em desacordo com a legislação vigente. O movimento sumiu, a empresa sentiu o golpe e o movimento econômico da região sofreu com desemprego e a paralização dos negócios com fornecedores.

A demanda de engenharia civil notificada pelo DER foi executada pela empresa. Autoridades governamentais foram convidadas para reabrir o acesso. Em 24 de abril de 1962, com banda de música e fogos de artifício, familiares e clientes comemoraram a reabertura do Frango Assado. O então governador Adhemar de Barros compareceu de helicóptero, discursou, tomou um alicate e cortou os arames do cercado, simbolizando o fim dos tempos difíceis.

A marca da reabertura foi ampliada. Acrescentou-se a identificação de Restaurante e Panificadora. As letras individuais, avermelhadas, permaneceram no alto do prédio. Além disso, nota-se a preocupação com a concorrência, vista na inserção destacada de Não Temos Filial, também em vermelho, no alto fachada.

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A preocupação com a concorrência faz com que os proprietários informem que não há filiais do Frango Assado. 1962.
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Evento para comemorar o acesso à rodovia, interrompido anos antes. Louveira. 1962.

A concorrência passou a tomar clientes e a empresa estacionou na escala antes altamente positiva de seus quinze anos de existência. Todavia, os netos dos fundadores formavam-se em universidades e, com o apoio de profissionais especializados, o Frango Assado deu um salto surpreendente. Em 1969, os primos Valmik Mamprin, José César Trivelato e Antonio Rovere assumiram a empresa e decidiram ampliar o Restaurante.

O novo Frango Assado foi reinaugurado em 1974 e a marca do evento seguiu as características anteriores de letras individuais avermelhadas, agora sobrepostas a uma grande placa de material plástico, retro iluminado, que tomava todo o frontal. Nota-se a identificação de Restaurante em letras pretas, menores, do lado esquerdo, enquanto que do lado direito abriu-se espaço para propagandas das principais marcas de cervejas.

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Fachada do Restaurante já reformado. [1975]
Deve-se destacar duas experiências dessa época. A primeira, efêmera, mostra o desenho de um frango assado deitado em um prato, com o endereço do restaurante. A segunda representa a cena hilária do frango perseguido pelo cozinheiro com um espeto à mão. Nota-se a importante alteração do tipo de letra, que foi arredondado. A cor das letras permaneceu avermelhada. Esta marca, de 1979, foi inserida na grande placa retro iluminada do alto da fachada e permaneceu até meados da década de 1980, quando o personagem Frangolino foi criado.

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A marca da reinauguração do Restaurante após a reforma. 1974.

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A marca hilária. [1979]
Frangolino nasceu em 1984. Vestia-se como um atendente e seus gestos e feição eram suaves e cordiais. A marca transmitia alegria, simpatia, limpeza e qualidade. Procurou-se inserir a cor amarela na forma do frango, pois esta e o vermelho ditavam tendência para marcas de empresas de transformação e comercialização de alimentos, especialmente as grandes lanchonetes norte-americanas.

Aproveitou-se o tipo de letra da antiga marca, agora sombreado de preto e com a inserção das principais atividades: restaurante, hotéis e turismo. Deve-se salientar a diversificação econômica com a construção e a exploração do Hotel Fonte Santa Tereza, em Valinhos.

O personagem transformou o marketing da empresa, que passou a distribuir gibis educativos, cívicos e comemorativos, além de calendários, lanternas, canetas, copos, pratos, cinzeiros. Alteraram-se, ainda, a papelaria administrativa e as embalagens, que formavam a primeira linha de identidade visual.

A marca foi definitivamente estilizada em 1986. Frangolino manteve sua simpatia, figurando, contudo, apenas em retrato. Nessa versão, houve a clara intenção de dar clareza ao nome Frango Assado, baseando-o em um fundo retangular amarelado. A nova marca registra a criação da FASPAR – Frango Assado Empreendimento S/A, controladora da rede de restaurantes e hotéis.

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Em 2008 a Controladora transferiu as operações dos restaurantes Frango Assado para um grupo comercial norte-americano. A passagem de bastão nas empresas familiares é uma questão ainda muito discutida por especialistas, pois envolve o conhecimento e a adoção de práticas voltadas para evitar seu fim prematuro.

A história da Rede Frango Assado de Restaurantes não revela apenas um golpe de sorte, uma ótima oportunidade, características de sociedades que valorizam os feitos dos self-made men. Mostra-nos, também, uma trajetória de trabalho e aprendizados que remontam a chegada de imigrantes na busca por melhores condições de vida, suas dificuldades e conquistas. Revela traços de perfil empreendedor, busca de ascensão social, crescimento e diversificação econômicos, até a transferência das operações da tradicional empresa familiar para a grande controladora estrangeira.

Nesse sentido, a atenção e a importância dada à sua marca foi fundamental para a transferência do negócio. Esta é, enfim, uma história baseada em imagens e memórias. Inacabada, já que a marca continua.

Bibliografia
AAKER, David. Brand Equity: gerenciando o valor da marca. São Paulo: Negócio, 1998.
ABRAHÃO, Fernando Antonio. Tradição de família: a história do Frango Assado. São Paulo: Editora Prêmio, 2002.
KOTLER, Philip e KELLER, Kevin L. Administração de marketing. São Paulo: Pearson, 2006.

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